“Associamos avaliação à punição e não a processo de aprendizagem”, comenta a psicóloga sobre transtornos em estudantes

Texto e Fotos de Frida Medeiros

 

 

“A nossa educação é mensurável. Mas o aluno não está aprendendo só português e matemática, também aprende relações sociais, política, posicionamentos e isso, infelizmente, não é considerado no desenvolvimento.”

 

O mundo contemporâneo, marcado por diversas modificações sociais, econômicas, políticas e culturais, tornou-se um ambiente favorável para o desenvolvimento de transtornos mentais como a depressão, ansiedade e demais patologias. Para os estudantes,esses sintomas são ainda mais frequentes devido a cobrança porum bom desempenho escolar, boas notas, além de estabilidade emocional e financeira. De acordo com o relatório “Bem-Estar dos Estudantes: Resultados do Pisa 2015”, divulgado no ano passado pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), 88% dos brasileiros se sentem muito ansiosos, mesmo quando estão preparados para a realização de um teste. Os índices altos dessa e de outras pesquisas são consequências de uma educação que, culturalmente,considera na avaliação apenas os resultados numéricos de seus alunos, conforme a psicóloga Sheyrlani Silva. Para ela, mesmo havendo, hoje, propostas como as metodologias ativas, que avaliam os alunos de forma diferentes, ainda é necessário reavaliar o processo de ensino e aprendizagem.

Na entrevista que segue, a psicóloga e mestre em educação, Sheyrlani, esclarece alguns pontos necessários para compreender como as emoções interferem na vida acadêmica dos estudantes, as principais causas e sintomas dos transtornos mentais e como as instituições podem auxiliar os estudantes na busca de tratamento e prevenção. Sheyrlani é psicóloga, mestre em educação e, atualmente, coordena o do curso de Psicologia da Universidade Ceuma. Pesquisadora nas áreas de Saúde, Adolescência, Sociologia e Educação,elacompõe do PSINAED (Comissão de Psicologia na Educação) no Maranhão.

 

Imperatriz Notícias- Tristeza e ansiedade são sentimentos normais em todas as pessoas. Quando é preciso ficar atento e perceber que esses sintomas estão passando dos limites?

Sheyrlani Tatiany da Silva- A ansiedade e a tristeza fazem parte da nossa vida, das nossas emoções e dos nossos sentimentos. Elas demandam um olhar diferenciado quando esses sintomas começam a atrapalhar o seu dia a dia. Quando eu começo a ter comprometimentos alguma coisa está errada. Então já não é mais só uma tristeza, só uma ansiedade, eu já estou lidando com somatização. Uma mente que está adoecendo e o corpo está pedindo socorro.

 I.N- Os sintomas passam a ser físicos, como a insônia, por exemplo?

S.T.S: A forma de entrar em alerta, que a saúde emocional e psíquica está sendo comprometida, vem pelo corpo. Às vezes uma alergia do nada, dor de estômago, dores de cabeça frequentes, insônia, falta de apetite. Vai acendendo uma luzinha, o corpo falando sinalizando, falando “não estou legal”, e nós temos que estar atentos ao que ele está nos dizendo para não chegarmos na explosão, no surto.

I.N- Muitos comentam que essa é a geração do “mimimi”, que não está preparada para lidar com pressões e frustrações. As pessoas estãomais sensíveis para lidar com problemas atualmente?

S.T.S: É muito fácil cobrar uma geração quando não vamos buscar a história. Nós estamos culpando essas pessoas, mas estamos esquecendo que elas foram educadas por uma geração anterior que está poupando a atual de ter frustrações e de lidar com emoções.  Eu gosto muito do Içami Tiba (psiquiatra, educador e escritor)quando ele fala de “Geração Asa e Pescoço”, que são aqueles pais que sentavam na mesa com os filhos e a parte boa do frango ficavam para o pai e para a mãe, e os filhos comiam a asa e a carne de pescoço do frango.  Depois esses filhos crescem, tem os próprios filhos e falam assim “meus filhos não vão passar pelo que eu passei”, daí os filhos passam a comer a coxa e o peito do frango e eles continuam comendo a carne de pescoço. É lei da compensação, às vezes a família está muito ausente e quer compensar com presentes. Então, o que nós temos é uma geração cognitivamente muito forte, inteligente, com muito sucesso acadêmico,masemocionalmente frágil, porque não foi desenvolvido nela habilidades emocionais de enfrentar, de conquistar.  Para essa geração as coisas são muito mais rápidas e as pessoas não sabem ouvir “não”. Então quando chega num momento da vida em que tem que enfrentaralguma coisa, começa o sofrimento, porque eles não foram desenvolvidos para isso.

I.N- A concorrência no mercado de trabalho, junto com as cobranças para ter uma vida estável e bem-sucedida é um agravante para o desenvolvimento de transtornos mentais?

S.T.S: Com certeza. Cria-se muita expectativa em estudar, formar e conseguir um bom emprego, aí quando entra num mundo de concorrência onde ele é só mais um. Quem consegue lidar com uma frustração dessas?E isso está sendo cobrado cada vez mais cedo. Antes era o emprego, tinha que entrar no mercado de trabalho, agora é na Universidade, tem que ir bem no Enem. É gente cobrando de todos os lados. Hoje vemos a escola com a rotina muito pesada, com aula de domingo a domingo, os meninos estão indo no domingo fazer prova. Ou seja, a mente não está tendo mais um descanso, essas pessoas não estão sendo preparadas para lidar com a frustação e simresultados perfeitos, por isso a dificuldade.

“O que nós temos é uma geração cognitivamente muito forte, mas emocionalmente frágil.”

I.N- O que precisa melhorar no sistema educacional brasileiro para que os alunos tenham um melhor desempenho de suas atividades e evitar que desenvolvam ansiedade e depressão?

S.T.S: Estamos sempre questionando as formas de educação que temos no país. A nossa educação é mensurável.  O professor vem com o conteúdo, o aluno tem que aprender e no final tem que ter um número dessa aprendizagem. Mas o aluno não está aprendendo só português e matemática,também aprende relações sociais, política, posicionamentos e isso, infelizmente, não é considerado no desenvolvimento. Nessa hora vemos uma educação muito engessada e o problema é que sempre associamos avaliação a punição e não a processo de aprendizagem.  Nosso erro está aí, porque quando uma turma está com baixo desempenho, não temos um problema específico de aluno, mas de toda uma organização. Então, essa crença forte de nota como puniçãoainda está sendo nosso calcanhar de Aquiles na educação.  E a história nunca foi essa, a ideia era que a avaliação vinha como uma forma de perceber o que o aluno aprendeu e o que precisa ser reformado para que ele aprenda.

I.N- Discutir sobre transtornos mentais ainda é um tabu dentro da universidade, mesmo com grande parte do público universitário sofrendo com isso. Uma pesquisa de 2016 da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), apontou que 30 % dos universitários já procuraram atendimento psicológico e 10% fizeram uso de medicamentos psiquiátricos.  É preciso conversar mais sobre o assunto? 

S.T.S- Mas quem não tem alguma questão em relação a sua saúde mental, não é?!Nós falamos para o colega “eu estou com pneumonia”, “olha, eu estou com a suspeita de um tumor”, mas a gente não fala “eu estou com depressão”, e isso tem uma história por trás. Nós temos uma herança de excluir e abandonar as pessoas que sofriam transtornos mentais e isso vem desde a idade média. Nossa história foi muito difícil e cruel, mas, agora, estamos caminhando bem.

I.N- Esse dado de 30% é preocupante?

S.T.S- É um dado muito preocupante porque nós estamos falando dos alunos que procuram ajuda, nessa história têm muitos que não procuram. Estamos lidando com algo que é muito maior que isso. Como há uma mudança de rotina na universidade, uma cobrança, se a pessoa não conseguir manejar todo esse compromisso, os sintomas vão ficando mais intensos.

N- As universidades oferecem apoio suficiente para que os alunos procurem ajuda psicológica?

S.T.S: Elas têm o serviço de apoio ao docente e discente. Eu acredito que às vezes os alunos não têm conhecimento desse serviço ou até que tem, mas não se sentem à vontade para buscá-lo. E temos esse quadro de automedicação, eu vou tomando remédio para conseguir estudar um pouquinho mais aqui e outro ali. Então estamos falando de um serviço que existe nas universidades e o aluno pode buscar quando ele sentir necessidade.

I.N- Como a universidade e os gestores podem identificar e ajudar aluno que sofre de ansiedade e depressão?

S.T.S: A gente tem que pensar que a universidade tem vários cursos, então as vezes uma habilidade de percepção que vai ser desenvolvida na área da saúde, você não consiga na área de exatas, por exemplo. Quando eu atuava na escola, observava que os professores na sala são muito parceiros, sabem quando o aluno modifica o comportamento e quando não está muito bem.Então esses professores são como uma extensão do serviço de apoio ao discente. Ele pode acionar o núcleo e falar “olha, gostaria que vocês chamassem aluno tal e fizesse um acolhimento”.  O papel da universidade não é atendimento clínico, salvo quando ele tem esse serviço que é a clínica-escola. No caso do núcleo de apoio,o papel é de acolhimento e atenção para o aluno,e encaminhamento se necessário. Tem toda essa forma estruturada, mas às vezes a gente percebe a resistência do próprio aluno.

I.N- Quais medidas são possíveis tomar para se prevenirdesses transtornos mentais, como a ansiedade e a depressão?

S.T.S- Nós temos que nos cercar de pessoas, porque quando essas patologias vem a gente se afasta das pessoas, se você pegar uma pessoa que está doente dessa forma, o que ela menos quer é ver gente. Então ter uma rotina com familiares, momentos de lazer e atividades físicas promove a saúde mental. Ainda assim, não é garantia de que você não terá alguma coisa. Hoje você está legal, mas amanhã pode ter um surto, basta um evento desencadeador para que a saúde mental e seja totalmente comprometida. Uma perca, uma frustação, o rompimento de uma relação e a pessoa adoece. Então a gente fala de medidas para promover saúde mental.