Sons e melodias podem ter efeitos terapêuticos

LILIAM FINAL

Liliam (à dir) durante a coletiva com estudantes

Para a musicoterapeuta Liliam Soares, as aulas  podem ajudar

crianças e adultos a enfrentar dificuldades e melhorar laços afetivos

A música pode ser uma aliada no desenvolvimento das crianças, ajudando-as a superaram problemas de aprendizagem e expressão. É o que explica a musicoterapeuta Liliam Ribeiro Soares, que tem mais de dez anos de atuação na área. Com especialização em Educação Especial e Psicopedagogia, já atuou em escolas infantis da cidade, ministrou palestras para professores da rede municipal e hoje trabalha também em atendimento clínico. Nessa entrevista para o projeto Coletivas, da disciplina Técnicas de Reportagem, garante que as crianças conseguem ser mais facilmente envolvidas pela música em função do contato com o som desde o período da gestação. A profissional alerta os pais para que defendam o ensino da música nas escolas, sejam públicas ou particulares, conforme a lei.

 Como a musicoterapia ajuda no desenvolvimento da criança? É um processo complexo, rápido ou demorado? As crianças conseguem absorver com facilidade?

Liliam Ribeiro Soares – Todos nós somos sensíveis a música. Nós já começamos a ter intimidade com  a música desde a vida uterina. Desde o momento que estamos na barriga de nossa mãe; o batimento cardíaco, a voz, a circulação sanguínea, movimentos intestinais. E tudo isso tem um som. Daí nós podemos entender que somos sensíveis a música porque tivemos contato de forma bem primitiva. Então, a musicoterapia começa toda sua história através daí. De forma científica, através de médicos que foram buscar realmente se utilizar da música com finalidade terapêutica. E quando você traz uma criança para a musicoterapia, você já sabe que a criança em nenhum momento vai rejeitar. Agora, existem crianças que tem uma sensibilidade auditiva maior, que no primeiro momento dependendo do que você vai utilizar, ela vai rejeitar. Mas não significa que ela não gosta de música. Significa que ela tem uma sensibilidade maior para música e voce precisa saber que tipo de forma, que tipo de instrumento musical você pode utilizar com ela. Geralmente são crianças especiais que apresentam esse tipo de comportamento. Mas chegar até uma criança com a música é muito fácil. Quando você quer conquistar uma criança; cante para ela. O professor quando está em sala de aula, utiliza a música para ele poder receber, conquistar, apresentar as letras, as vogais, as consoantes, os números. Então, ele utiliza a música de várias formas. Na musicoterapia utilizamos tanto instrumentos de grande porte quanto de pequeno porte, melódicos e percussivos, para que ela possa realmente saber se expressar. Então, através da música a criança se expressa. Através da música, eu consigo chegar na causa da dificuldade ou necessidade.

 Já que a música chega para a criança com mais facilidade, como você citou antes, existe um limite de idade de uma criança para aceitação dessa técnica?

Liliam Ribeiro Soares – Não. Nós utilizamos a música tanto na parte pedagógica quanto na musicoterapia. Utilizamos ela para todas as idades. Atendo crianças, bebês prematuro, idosos e adultos. É claro que o tipo de música que vou utilizar com uma criança é diferente de um adulto. Então, existem músicas especificas, músicas comprovadas cientificamente.

Existe uma procura das escolas do município de Imperatriz por profissionais da música?

Liliam Ribeiro Soares – Há mais ou menos quatro anos atrás teve concurso do município, onde uma ou duas pessoas passaram para professor de música. E que hoje realizam projetos e fazem trabalho de música no município. Durante cinco anos consecutivos, eu realizei cursos para os professores do município da educação infantil e creche até o primeiro ano.

Para treinar esses professores do município, de como utilizar a música e os instrumentos musicais em sala de aula. Foi mais ou menos três dias de curso seguidos, onde eu pude colocar tanto a parte teórica quanto a prática de uma forma básica. Porque você não vai na educação infantil ensinar o aluno a tocar um instrumento, como nós aprendemos em uma escola de música. Mas, você vai fazer com que ele tenha uma iniciação à vida musical. Ele vai ter conhecimento dos nomes, dos instrumentos, das notas musicais, ritmos mais simples, estilos musicais. Então, o professor tem que ter um conhecimento pelo menos básico de música para que possa utilizar a música em sala de aula como forma de aprendizagem.

Qual a principal diferença da musicoterapia para as outras técnicas pedagógicas?

Liliam Ribeiro Soares – Temos muitos músicos em Imperatriz que tocam na noite. Tivemos uma faculdade de música que começou e não teve continuidade, porque não tinha procura. Tem pessoas que aprenderam música porque tocam com o ouvido, o violão, teclado, saxofone, flauta e gaita. Tem pessoas que realmente têm na família músicos, que aprenderam ouvindo músicos natos. E tem aqueles que só tocam partituras musicais. Então, tem vários profissionais assim que trabalham com a música; por prazer, por profissão. Que se utiliza da música para se expressar, relaxar, acalmar. E temos hoje, músicas específicas que podem estimular a criança na gestação. Então, a diferença é que na musicoterapia nós realizamos uma anamnese (entrevista realizada pelo profissional). Através dela, vamos saber a necessidade dessa pessoa. Compreender e fazer um plano terapêutico para ver quais instrumentos vão ser utilizados e qual o objetivo dessa terapia e o que ele precisa melhorar nessa criança ou adulto.

Observando a realidade das escolas da nossa cidade, a música está muito longe das salas de aula?

Liliam Ribeiro Soares – Existe uma lei hoje que realmente direciona a importância da música na educação, que faz parte da grade curricular, até o ensino fundamental. Mas nem todas as escolas aderiram. Somente algumas, que geralmente são particulares.  A municipal, eu ainda não conheço. Se existe, é uma ou duas escolas que utilizam projetos. A grande maioria das escolas particulares de Imperatriz possui professores de música, que vão para a sala de aula como se fosse uma matéria mesmo de 45 minutos de aula, com prova e livros. Temos o livro pedagógico de Mario Coelho, com o qual os professores levam para sala de aula a teoria e a prática. Então, seria muito bom se todas as escolas aderissem à música como manda a lei. Nós teríamos crianças mais sensíveis e afetivas, professores mais afetivos,  um ambiente mais calmo e menos violência. Teríamos aprendizagem mais a frente, porque a música estimula todos nossos sentimentos, emoções e nosso hemisfério cerebral esquerdo. E ela pode nos proporcionar muito mais do que imaginamos.

O que falta para a maiorias das escolas valorizar o benefício que a música traz?

Liliam Ribeiro Soares – Acho que os pais deveriam ter conhecimento do que os filhos têm por direito e ver a importância disso. Eu lembro que quando cheguei em Imperatriz, já formada, eu fui para as escolas particulares dar aulas. Muitos pais acharam uma bobeira comprar aqueles livros de teoria musical, achavam que era apenas um gasto a mais. Mas hoje a maioria desses pais já não pensa mais assim, porque eles começam a perceber que o seu filho chega em casa empolgado, canta e toca. E a criança que não falava, está falando mais rápido, está cantando todas as musiquinhas. Aí os pais começam a perceber que a música é importante. Então, primeiramente eles têm que cobrar isso. Exigir da instituição que tenha esse profissional na sala de aula.

A musicoterapia é um trabalho, como já visto, de dentro para fora, valoriza a emoção e depois a expressão de cada indivíduo. Então, como o profissional escolhe a metodologia de trabalho em cada caso?

Liliam Ribeiro Soares – Quando a gente faz uma anamnese, que é colher os primeiros dados da criança, eu pergunto para cada pai, se ele tinha costume de cantar, de conversar com a criança quando a mãe estava grávida. Se ele tem o costume de conversar com seu filho. E quando é adulto, por exemplo. Em que momento você ouve música, que tipo de música você gosta de ouvir. Então a anamnese é muito importante. É preciso conhecer primeiro todas as questões emocionais ou a queixa que traz ele até a musicoterapia. Até mesmo quem indicou é importante, porque pode ser indicado por um psiquiatra ou psicólogo. Isso faz uma diferença grande. Se existiu uma crise convulsiva, uma esquizofrenia, se ele ouve vozes. Tudo tenho que saber, para ver quais instrumentos vou utilizar ou tipo de música. Porque talvez aquela queixa que é para ser esquecida, se torne mais presente se utilizada a técnica errada.

Em se tratando do benefício da música para as crianças, tem algum ritmo musical que prejudica o desenvolvimento dela?

Liliam Ribeiro Soares – Nós precisamos evitar que as crianças tenham contato com ritmos que estimulem a sexualidade e que têm a forma oral cantada. Então, o tipo de música que devemos apresentar à criança tem que ser do mundo infantil dela. É a canção de ninar, a cantiga de roda, que é cantada, mas tem palavras que fazem parte desse mundo infantil e que não venham pular as fases. Porque a música vai mostrar o bem e o mal mesmo sendo de forma infantil.

Se os pais falam de forma violenta com a criança, ainda no período gestacional, isso pode influenciar na sua personalidade? E como a música pode combater isso?

Liliam Ribeiro Soares – Quando a criança vai se expressar, em qualquer instrumento de forma livremente, o profissional vai primeiro observar essa expressão para compreender essa agressividade, juntando com toda história que já foi colhida. E depois o profissional vai intervir, com a criança através da música cantada ou  ritmicamente. Por exemplo, uma criança desestruturada emocionalmente, ela vai pegar um tambor e tacar a baqueta no tambor até o tambor rasgar, se possível. Se pegar um chocalho, ela vai balançar de maneira muito forte e agitada. E tudo o que ela vai fazer, vai ser sempre de uma forma mais intensa, mais forte e sem organização rítmica nenhuma. Daí então, o profissional vai entrar com instrumentos, músicas, uma estruturação rítmica e melódica, para que a criança possa se estruturar também emocionalmente, psiquicamente e se organizar. Isso não acontece em uma sessão ou duas. Mas existe um processo e essa reestruturação acontece.

Hoje nós percebemos que as crianças estão amadurecendo cada vez mais cedo do que há um tempo atrás, talvez por conta do fácil acesso à internet e a músicas para adultos. É possível evitar o contato da criança com esses tipos de música?

Liliam Ribeiro Soares – Os pais têm que estar muito mais atentos, de olhos abertos. É algo bem cansativo, porque sou mãe e sei disso. Não tem como você estar 24 horas vigiando seu filho, sendo que você tem que trabalhar. Então, essas orientações têm que acontecer, se não a criança vai pular de fase, vai desenvolver algo que não era para ser. E a outra questão é: a música é muito importante na vida do homem, mas também é preciso ter cuidado quando for utilizá-la. Ela pode tanto curar como destruir.

Quando uma criança tem um histórico de trauma com determinado tipo de música, o que é feito no caso?

Liliam Ribeiro Soares – Ela é tratada, se não ela não supera essa situação. Porque se isso trouxe um problema, esse problema tem que ser finalizado. Agora, é claro que tudo que é tratado em relação a trauma, dói e faz sofrer. Então, tem que ser falado, tem que ser analisado.

Qual o perfil das crianças que você atende?

Liliam Ribeiro Soares – Durante sete anos eu atendi nos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), na rede pública. E as crianças de lá chegavam sempre encaminhadas por profissionais; enfermeiros, assistentes sociais ou psicólogos. Geralmente crianças com queixas de coordenação motora, dificuldade de aprendizagem, de atenção, de falar, de expressar verbalmente o que deseja. Então essas crianças chegavam para musicoterapia com essas queixas ou até mesmo com depressão infantil. No atendimento da APAE, que não são direcionados por profissionais, mas que são avaliados logo após por eles. São crianças que não falam, não andam, crianças com autismo, que tem atraso de linguagem. No particular, já é mais difícil, só vai chegar se um profissional da saúde encaminhar; um pediatra, um psiquiatra, um neurologista, uma ginecologista. Então, eu fiz um programa de parceria com alguns profissionais e eles encaminham a gestão de uma criança ou bebê para o meu atendimento.

 

Equipe organizadora da coletiva: João Pedro Santos e Luidianny Carvalho

*A coletiva teve a participação da turma de Técnicas de Reportagem (2016.2)