“A fé tem uma dimensão política”, afirma o bispo responsável pela transformação do Corpus Christi no maior evento cristão do Estado

Texto: Keila Regina Gadelha e Wyldiany Oliveira

Fotos: Arquivo pessoal

Natural de Santarém no Pará, Dom Gilberto Pastana de Oliveira esteve como bispo da Diocese de Imperatriz entre 2005 e 2016. Mestre em Teologia pela Faculdade Teresesianum em Roma, foi ordenado sacerdote em 27 de julho de 1985, e bispo em 28 de outubro de 2005. Atualmente é bispo da Diocese de Crato no Ceará. Idealizador do Corpus na Diocese de Imperatriz, Dom Gilberto iniciou as atividade do maior evento católico da cidade sendo coordenador durante os anos de 2009 a 2016.

O projeto da Solenidade de Corpus Christi realizada no estádio Frei Epifânio da Abadia, chega este ano em sua décima edição. Para os católicos, o Corpus Christi é um momento em que se reverencia o corpo de Cristo presente na hóstia consagrada, é celebrado todos os anos nas igrejas católicas do mundo inteiro. Para participar do evento os fiéis compram um kit composto de vela, camisa, leque, boné, balão, porta vela e uma bolsa simples.

Desde 2010, quando iniciou as atividades, a venda dos kits do evento tem aumentado. Além de ajudar as pessoas a participarem da solenidade, as vendas ainda contribuem para as obras sociais da igreja, como a Fazenda da Esperança, local que acolhe dependentes químicos em Coquelândia e a Vila João XXIII, lugar que recebe e auxilia no tratamento de pessoas com hanseníase. Em 2010, foram oito mil kits vendidos enquanto em 2016 foram 20 mil. Em 2018, cerca de 25 mil pessoas participaram do evento no estádio Frei Epifânio da Abadia, lotando a capacidade do local. Segundo a coordenação do evento, 22 mil kits foram preparados para este ano e estima-se a participação de mais pessoas do que no ano passado.

Todos os anos a cor da camisa e o tema do evento mudam e trazem alguma discussão de acordo com o que pede a Igreja, como paz ou missão na comunidade. Este ano, a camiseta vermelha representa o sangue de Cristo derramado para libertar os cristãos do pecado e traz como tema principal “Eu sou o pão vivo que desceu do céu”, passagem bíblica presente no evangelho de João, capítulo seis, versículo cinquenta e um.

Em preparação para a Solenidade em Imperatriz, é realizado nas paróquias da diocese a “hora santa”, um momento em que os fiéis vivenciam uma hora de adoração à Jesus, trabalhando o tema do Corpus Christi. Além disto, outras atividades, como o “Pit Stop – Adesivaço” e o “Passeio Ciclístico” também mobilizam as famílias e a sociedade de forma geral a estarem participando do evento.

Nesta entrevista, Dom Gilberto fala sobre a experiência em conduzir os primeiros passos do projeto de Corpus Christi na Diocese de Imperatriz e os desafios nesse percurso, aborda sobre política, religião e a alegria de acompanhar os trabalhos evangelizadores nas comunidades da diocese. E ainda destaca que um dos principais objetivos do evento foi manter o grupo do projeto missionário coeso e ressalta a alegria da participação forte e ativa de cada um. “Esse grupo praticamente trabalha o ano todo, porque na solenidade de Corpus Christi, pelo menos a última edição em que eu participei em 2016, envolvia cerca de 1200 pessoas trabalhando na celebração. E então, a dificuldade está em manter esse grupo coeso, unido, que pensa, reflete, planeja e executa”, afirma o bispo católico.

 

Imperatriz Noticias: Atualmente, a solenidade de Corpus Christi realizada no estádio Frei Epifânio da Abadia em Imperatriz ficou conhecida como a maior celebração católica do Maranhão. Como surgiu a ideia de levar essa festividade cristã para fora das igrejas?

Gilberto Pastana: Na verdade, a solenidade de Corpus Christi sempre existiu como uma festa popular, como uma festa onde se reverencia a Cristo na hóstia consagrada, como alimento, como corpo e pão vivo descido do céu. Em 2006, na primeira celebração do Corpus Christi, eu percebi que poucas paróquias faziam a procissão e reverenciavam esse dia, afinal, é um dia santo, de guarda. Então, em 2007, nós pedimos que os padres pudessem fazer ao menos uma procissão ao redor da igreja, no quarteirão, para vivenciar melhor esse dia. Depois de uma avaliação resolvemos então fazer em 2008 no mesmo estilo, e percebemos que começou a crescer nas paróquias. Em 2009, nós fizemos a nível de microrregiões e realizamos três grandes celebrações. E depois avaliando, percebemos que todas elas tinham crescido muito em quantidade, mas também em qualidade e participação na vida efetiva da igreja. A partir daí, em 2010, surgiu a ideia, após o Congresso Eucarístico Nacional em Brasília e começamos esse formato no estádio. Hoje a Solenidade de Corpus Christi é um projeto missionário que começa antes, durante e depois, porque ele nasceu com esse intuito de agregar e celebrar a festa da unidade. Essa unidade adentra não só na igreja, ela passou a ser missionária, a visitar as paróquias, sobretudo antes da celebração, e depois a dimensão caritativa, a dimensão social que tem esse projeto social no formato de hoje.

IN: Como foi para o senhor estar à frente na organização do Corpus Christi em Imperatriz de 2009 à 2016?

GP: Todas as edições, desde a de 2010 que começou no estádio, sempre foi muito gratificante, significante e alegre trabalhar com uma equipe tão dinâmica, uma equipe que dá tudo de si para que a solenidade e o projeto continuassem. Foi um trabalho muito bom, de participação, rodízio já que às vezes as pessoas também faziam serviços que outros deveriam fazer uma verdadeira comunhão e é uma alegria muito grande participar. Agora a avaliação, ela é muito importante, pois ajuda a melhorar e a crescer toda a equipe e todos que trabalham.

IN: O que tornou a solenidade de Corpus Christi tão popular em Imperatriz, a ponto de todos os anos reunirem milhares de pessoas no estádio Frei Epifânio da Abadia?

GP:O que tornou popular foi a necessidade de as pessoas vivenciarem publicamente sua fé.A igreja católica em Imperatriz estava muito encolhida, então na medida em que ela aparece do ponto de vista da missão, do ponto de vista de “olha, eu existo, sou seguidor do Senhor, eu sou católico e quero viver bem a minha fé”, isso foi dando uma autoestima para as pessoas. No sentido em que elas têm que dizer para o outro como vive a fé. Isso o Corpus Christi proporciona, na medida em que cada um partilha a sua fé e a sua vida para o irmão. Uma coisa muito simples, mas muito significativa, é usar a saudação do “Feliz Corpus Christi” quando atende o telefone uma semana antes. Isso foi criando um clima de alegria, felicitação, paz, um clima de harmonia na cidade, e é isso que as pessoas querem, a paz, tranquilidade, querem viver a felicidade e viver o amor de Jesus em suas vidas.

IN: Muitas famílias da região vêm prestigiar este momento em Imperatriz. Como a Igreja se posiciona diante das pessoas de diferentes credos ou religiões que participam do evento?

GP: Jesus Cristo veio para todos, para todos os credos, todas as religiões. O importante é vivenciar o momento e os valores que o Corpus Christi traz para as pessoas individualmente, para as famílias e para a comunidade. Corpus Christi trabalha com a unidade e você faz parte desse corpo que é a igreja do povo de Deus, é importante fazer parte do povo, participar da história do povo e da caminhada da comunidade eclesial na paróquia. Acredito que a solenidade resgatou esse sentido de pertença da fé, do fiel e a pertença na comunidade.

“O ser humano não é apolítico, todos nós fazemos política para o bem ou para o mal, fazemos uma política a favor do bem comum ou a favor da exclusão, das diferenças de classes e assim sucessivamente”

IN: Todos os anos os fiéis compram um kit para participar da solenidade. Qual o objetivo da mudança de cores das camisetas e a quem se destina o dinheiro arrecadado?

GP: O kit está relacionado à temática de Corpus Christi. Normalmente, a temática está ligada às diretrizes da ação evangelizadora e a cada ano nós tentamos responder aquilo que é uma ação evangelizadora da igreja, até mesmo o ano em que se celebrou os 500 anos de Santa Teresa, a camisa era de cor marrom para associar ao hábito de Santa Teresa. Então, tudo tem uma simbologia, um significado. Não se escolhe a cor apenas pela cor, mas por aquilo que estamos celebrando e vivenciando. Desde 2012, o projeto acrescentou aos seus objetivos a questão da dimensão caritativa da fé, foram esses recursos que construíram a Casa do Senhor, que agora é a Fazenda da Esperança e depois ajudavam também na manutenção. Então, posso dizer que é uma substancial ajuda para esses projetos sociais da igreja diocesana de Imperatriz. Corpus Christi é uma festa não só da fé pela fé, mas da fé enquanto desdobramento também em ação social.

IN: Como os fiéis teriam a consciência de que estariam seguindo o que pede a ação evangelizadora da igreja?

GP: É um momento forte de celebração e de conscientização, sobretudo de alcançar aquelas pessoas que às vezes nas paróquias não são alcançadas, porque essas diretrizes são trabalhadas nos planos pastorais das paróquias e também da diocese. Então, é um momento forte de torná-la conhecida e vivenciada, agora como cada um vive essa diretriz é difícil de avaliar.

IN: Após o anúncio da cor da camiseta do Corpus Christi deste ano, algumas pessoas começaram a comentar nas redes sociais que no kit também tinha alguns símbolos do comunismo. Como a Igreja se posiciona diante dessa discussão política?

GP: Estou fora de Imperatriz há três anos e essa é a décima edição da Solenidade do Corpus Christi. Acho que isso é uma acusação indevida, não tem nada a ver, vi só a camiseta e o símbolo que tem ali é símbolo de Corpus Christi, é a logomarca, acho uma acusação indevida de alguém que não entende nada de religião muito menos da Solenidade de Corpus Christi.

IN: Referente à pergunta anterior, de uma forma geral, como a Igreja se pronuncia diante do discurso que ela seja comunista por lutar pelas causas sociais e estar junto dos mais necessitados?

GP: Quanto essa questão, isso não é comunismo, o evangelho é libertador, o evangelho transforma e modifica a vida das pessoas.

IN: Diante do atual cenário político do país, a religião deve ser discutida à parte da política?

GP: A dimensão política é uma dimensão constitutiva do ser humano. O ser humano não é apolítico, todos nós fazemos política para o bem ou para o mal, fazemos uma política a favor do bem comum ou a favor da exclusão, das diferenças de classes e assim sucessivamente. Então, nesse sentido, a religião também tem uma dimensão política, a fé, ela tem uma dimensão política. Não quero aqui partidarizar, a política partidária é outra coisa, mas a política enquanto viver na cidade é uma dimensão constitutiva do ser humano, todos nós somos um ser político e todos nós fazemos política.

IN: O que o senhor sente ao lembrar de Imperatriz e recordar desta Solenidade?

GP: Tudo que é feito com amor marca a vida da gente, não só a solenidade de Corpus Christi, mas o projeto de formação, a criação de outros ministérios. Tudo aquilo que foi acontecendo e vivenciado na Diocese de Imperatriz, foram ações evangelizadoras que marcaram a vida de todos nós e aquilo que marca a vida da gente, a gente nunca esquece.Lembra com muita saudade evidentemente, lembra das pessoas, da disponibilidade, da alegria contagiante delas. Uma coisa específica no Corpus Christi, por exemplo, foi como o evento atingiu os jovens.Eu me lembro que, nos últimos anos, pedíamos a participação dos jovens para as apresentações antes da Celebração, colocávamos nas redes sociais e duas a três horas depois tínhamos que encerrar as inscrições porque já estava completo, quer dizer, há uma resposta da juventude e uma participação muito grande. Então tudo isso, claro, a gente lembra com alegria, com amor. E que bom que estão dando continuidade, Dom Vilsom está levando com muita serenidade, alegria e certamente é uma solenidade que já ficou no coração das pessoas, na vida das pessoas. Então é louvar a Deus, porque Ele continua agindo e se revelando na vida delas.