Há mais de 30 anos, seu Antônio faz parte da história de um bairro que cresceu com o esforço dos moradores.
Por Stephany Apolinario
Quem passa pela Rua Goiás, na Vila Cafeteira, dificilmente deixa de cumprimentar o homem de cabelos com fios brancos sentado à porta de casa. “Boa tarde, seu Antônio!”, “Ei, Moitinha!”, “Oh, moita branca!”, são expressões que se escutam o dia inteiro. O apelido, dado há décadas, virou sinônimo de carinho e respeito. Moitinha é mais do que um morador antigo, ele é a memória viva do lugar.
Esse é o senhor Antônio João da Silva, 65 anos, que chegou ao bairro há 35 anos e encontrou um lugar simples, cercado por mato e silêncio. “Quando eu cheguei aqui só existia uma rua, a Avenida Brasil. As outras eram só matas”, relembra. O bairro, hoje um dos mais populosos de Imperatriz, ainda dava seus primeiros passos. Não havia comércio, praça nem asfalto, apenas algumas casas improvisadas e a esperança dos moradores de construir um lugar melhor para viver.
Natural do povoado Bebedouro (MA), Moitinha decidiu mudar-se para a Cafeteira por causa da sogra, que já morava na região. “Eu morava no interior, e aí resolvi vir pra perto dela, mais perto da cidade também”, conta. A decisão, que parecia simples, marcou o início de uma trajetória de resistência e pertencimento.
Como todo lugar tem a sua vizinhança, essa começou de forma pequena. “Aqui era só eu e o mato ao redor. Eu roçava, limpava, tocava fogo. Depois foi chegando gente pra perto”, diz. Entre os primeiros vizinhos, lembra com carinho da irmã Elza e do sogro, Renato Nascimento, com quem passava horas de conversa. “Ele era um homem bom, gostava de bater papo. Tenho muita lembrança dele”, relembra.
Mudanças e Desafios
Com o passar do tempo, a Vila Cafeteira se transformou tanto que acabou sendo popularmente chamada de Grande Cafeteira, nome que surgiu quando muitos passaram a considerar que os bairros vizinhos, como a Vila João Castelo, o Mutirão, a Vila Ipiranga e o Parque Amazonas, faziam parte do mesmo conjunto. Nesse processo, o comércio também surgiu, o asfalto chegou e as ruas foram ganhando nova aparência. “O primeiro material de construção foi o Constrói Maranhão, lá na Avenida Liberdade. Hoje nós temos uns dez materiais, quinze farmácias, dez supermercados, está bom demais”, comemora.
O local, considerado por muitos como uma das periferias da cidade, carrega no próprio nome o peso do preconceito por estar distante do centro. Conhecido como um bairro perigoso, e que, em determinados períodos, realmente enfrentou altos índices de criminalidade, a Vila Cafeteira tenta desconstruir essa imagem. Moradores mais antigos, como seu Antônio, lembram que “a segurança não se falava naquela época”.
Hoje, a realidade é diferente. As ruas estão mais movimentadas e iluminadas, o comércio cresceu e a comunidade ganhou novos espaços de convivência, como a Praça da Cafeteira, ponto de encontro de crianças e jovens. O local, que por um tempo deixou de ser frequentado por ser considerado perigoso, voltou a receber a presença dos moradores. Agora, a quadra é usada para jogos de futebol e vôlei, e os outros espaços servem para eventos e feiras de delícias organizadas pelas igrejas da região.
Depois de décadas de espera, a Vila Cafeteira começa uma nova fase, a prefeitura anunciou a pavimentação total do bairro, mais de dez quilômetros de asfalto, nova iluminação de LED e revitalização da praça.
Mesmo com o crescimento, os problemas persistem. Os alagamentos continuam sendo um desafio, especialmente na Avenida da Liberdade. “Antigamente alagava e ainda hoje, quando chove forte, alaga. Caiu o primeiro pingo, lá já era”, conta, rindo. Apesar disso, ele acredita que as melhorias estão chegando. “Estamos ganhando um grande presente: o asfalto completo, com galeria e tudo. Só falta agora um posto policial e uma casa lotérica.”
Recordações
A Cafeteira começou com casas humildes, muitas delas construídas pelos próprios moradores. É o caso do seu Antônio, que trabalhava como pedreiro e ergueu o próprio lar. “Eu comecei com uma casinha coberta de palha. Quando a palha começou a se estragar, cobri com uma lona, botei pau por cima pra não pingar nas crianças”, recorda. Com o tempo e muito esforço, conseguiu trocar o telhado e melhorar a estrutura.
Além disso, Moita Branca foi o primeiro cobrador de ônibus da linha do bairro, no tempo em que o transporte era escasso. “Trabalhei seis anos no coletivo. Era eu quem carregava as trouxas de roupa das mulheres pra lavar lá na beira do rio”, conta.
“Eu comecei com uma casinha coberta de palha. Quando a palha começou a se estragar, cobri com uma lona, botei pau por cima pra não pingar nas crianças”
As lembranças do passado seguem vivas. “Aqui não tinha lazer, era só trabalho mesmo. Quando a gente queria se divertir, tinha que ir tomar banho no rio”, diz. Ele lembra de clubes que existiram por pouco tempo, como o Raio de Sol e o Cigarreiro (um bar de reggae bastante conhecido), e que movimentaram a comunidade antes de desaparecer.
Hoje, seu Antônio se orgulha de ver o bairro cheio de vida e oportunidades. “Antes só tinha um comércio, o Ipiranga, lá na BR. Agora tem pra todo lado. Tem igreja, praça, mercado, a gente vive bem”, afirma.
Ao lado dos filhos e netos, que cresceram na mesma rua onde tudo começou, seu Antônio segue sendo uma figura de representação da Vila Cafeteira, um símbolo da força e da memória de quem viu o bairro nascer, crescer e se tornar um lugar cheio de histórias.