Professora do curso de História da Uemasul descreve a importância das heranças afro-indígenas para Imperatriz
Anna Beatriz Silva
Lia Freitas
Anna Vitória Diógenes
Cinthya Santos
Jhulianny Belmiro
Ludmara Soares
Beatriz Lucena
Thamires Morais
Viviane Sousa
Yanna Carmo
“Toda a identidade cultural de Imperatriz é feita com a mão preta”, afirma Maristane de Sousa Rosa Sauimbo, ao destacar a importância do reconhecimento dos patrimônios culturais de Imperatriz. Professora assistente da Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul), ela se dedica aos estudos da cultura afrodescendente e coordena o Núcleo de Estudos Africanos e Indígenas (Neai) e o Museu Afro-Indígena (MAI), desenvolvendo pesquisas voltadas à História da África e suas diásporas. A ênfase se dá em temas como o Caribe, o rastafarianismo e o reggae, expressões culturais que também dialogam com as raízes africanas presentes na região.

Inaugurado em 2022, o Museu Afro-Indígena da Uemasul foi idealizado como um espaço de memória, educação e resistência. Seu acervo conta com artefatos originais, fotografias e produções artísticas. Além das exposições, a instituição promove pinturas corporais, tatuagens e oficinas sobre pluralidade cultural e religiosidade, voltadas aos estudantes e comunidade externa, que buscam fortalecer a identidade de povos indígenas e afrodescendentes. “O museu é como casa, um espaço educativo e de entretenimento. Torna nossa sociedade mais humana”, considera a professora.
Maristane ressalta que o Neai, por sua vez, foi concebido como um ambiente no qual a estética afrodescendente, o saber tradicional e a produção científica ocupam lugar de destaque. Para a docente, é essencial que a história e as contribuições das populações negras e indígenas sejam reconhecidas como parte fundamental da construção social. “Vivemos em uma sociedade extremamente racista, e esses espaços vêm para ser a resposta de um local lúdico de beleza africana, de conhecimento. Mostram que nós contribuímos para tornar o mundo melhor”.
Segundo a professora, o museu reforça a conexão entre espiritualidade, identidade e resistência, dando visibilidade a histórias por muito tempo silenciadas. “O MAI vem como esse espaço físico de concretização para erradicação do racismo”. Maristane também defende que ambientes como esse vão além da preservação da memória: são territórios vivos de ciência, arte e resistência. “O museu é um espaço de visitação, de pertencimento, onde o jovem pode olhar as produções artísticas e se reconhecer ali”, define.
Heranças
Com formação em História e mestrado em Gestão do Patrimônio Cultural, a professora Maristane consolidou-se como uma liderança nos estudos e práticas ligadas à valorização das culturas africana e indígena. Antes de coordenar o Neai, ela já desenvolvia ações voltadas à história da África, identidade étnica, políticas afirmativas, preconceito racial e social. “Eu nasceria mil vezes negra”, frisa.

Ela pondera que, a princípio, é preciso valorizar os patrimônios culturais a partir do seu reconhecimento. “A primeira coisa é entender o que é”. A professora explica a importância de conhecer as histórias e as características da identidade de um povo para valorizá-las. Como exemplo, lembra que os integrantes do grupo original que impulsionou a formação da Sociedade Imperatriz de Desportos eram majoritariamente negros. “É preciso educar para saber que o Cavalo de Aço foi fundado por estivadores, e temos também estudos aprofundados dos símbolos do brasão, que tem a ver com África”.
Outras heranças negras importantes citadas pela pesquisadora são as marcas da influência da culinária africana. A prática de utilizar partes menos nobres do boi, aproveitadas durante o período de escravização dos africanos, desenvolveu-se e transformou-se em receitas tradicionais, símbolos da culinária local. A panelada e a feijoada são vistas pelo senso comum como o resto do boi e do porco, mas para o povo africano representam algo sagrado, o melhor que esses animais podem proporcionar para o ser humano. “Estive em Portugal, em convívio com angolanos, e, conversando com uma família, eu falava do nosso prato. Dona Joana então disse: ‘Ah, nós também temos esse’ — e me disse o nome na língua em Angola”.
De acordo com Maristane, ao obter informações ricas e reais, o imperatrizense pode se orgulhar das suas raízes e identidades. “É justamente dar robustez ao conteúdo, para que se valorize a panelada, os nossos falares, essa identidade indígena e africana. É preciso conhecer para valorizar essas distintas identidades.”

As expressões musicais também são formas de conhecimento e resistência, diz a professora. O reggae, como ela exemplifica, é mais que uma expressão artística, é “uma música cósmica”, que conecta o corpo, a mente e a natureza. “Quando vocês escutarem um reggae troando, estou limpando a casa e estudando.” Ela acrescenta que a dança é sagrada para os africanos, pois eles entendem que, ao movimentar o corpo, se comunicam com dois astros importantes para a sua cultura: o Sol e a Lua. Os grupos de resistência têm um amplo conhecimento desses aspectos e acreditam que ambos regem toda a fisiologia. Assim, como compreende a professora, os ritmos e a espiritualidade presentes na música fortalecem o corpo para a luta anticolonial. “O reggae é uma religião, o reggae é sagrado, ele é uma música cósmica, ele nos promove a uma outra dimensão”.
A professora aponta ainda que presenciar jovens se expressando com liberdade — seja por meio de cabelos black power ou demonstrações públicas de afeto entre meninos — é um sinal poderoso de avanço. Para ela, esses gestos cotidianos são sinais de que a luta por espaços de acolhimento e identidade está dando frutos.
Pesquisas
“Eu preciso estar provando o tempo todo que sou uma cientista. Eu tenho que estudar três vezes mais para poder me respaldar”, assegura Maristane sobre os desafios enfrentados em sua vida profissional. Ela desenvolve pesquisas estruturadas na História da África tanto na sala de aula quanto fora dela, abordando temas como o Caribe, o rastafarianismo, o reggae e o epistemicídio.
Para preparar os conteúdos da disciplina que leciona, a professora busca aprimorar as noções de química, física e biologia. Com o objetivo de tornar as suas pesquisas mais valorizadas e relevantes mediante a sociedade, o foco de suas análises é o racismo estrutural e a sobrevivência da africanidade na região amazônica-maranhense. Maristane recorda a resistência para a implementação da disciplina de História da África na universidade no começo da sua trajetória, além da lacuna de materiais sobre o assunto, já que os temas-base de suas aulas são o movimento negro e as pedagogias de urgência.
Entre os relatos sobre a cultura africana, a coordenadora menciona a presença da herança cultural ovimbundu, uma etnia bantu de Angola, em Imperatriz. “É possível identificar o sotaque ovimbundu nas comunidades e periferias da cidade”, relata. Uma das principais fontes dessas observações foram as entrevistas jornalísticas locais. Um exemplo é o uso do prefixo “-in”, geralmente nas camadas mais abastadas da comunidade – como em ingreja, que remonta ao sotaque bantu, derivado da região da África Subsaariana, comenta, entusiasmada.

Todo esse aprendizado é como uma gota no oceano que faz a diferença. Os alunos que passam por ela agora reconhecem a devida importância desse saber. “É ciência pura ensinar à garotada a falar nomes e conhecer o pensamento africano… É isso que venho fazendo há duas décadas na Uemasul”.
Racismo Estrutural
Na ótica da pesquisadora, uma das expressões mais cruéis do racismo estrutural se apresenta sob a aparência de neutralidade: a ideologia da meritocracia. “Imperatriz ainda é muito racista, ela é alimentada por um conteúdo racista televisivo”. A professora está decepcionada com a porção da população local que ainda resiste a compreender algumas características culturais. Para ela, a educação no município é fortemente influenciada pela mídia, o que contribui para a permanência de visões estereotipadas.
Os preconceitos enraizados acabam reproduzidos no cotidiano da população, o que dificulta a valorização das identidades negras e indígenas que fazem parte da história local. A própria docente costuma sofrer situações de racismo no cotidiano. “Quando eu digo que sou casada com um africano, imediatamente acionam ele com uma zona de fome”.
Este tipo de reação demonstra como a percepção social, alimentada pela mídia, ainda associa o continente africano à miséria, apagando as marcas de diversidade e da riqueza cultural e histórica dos povos africanos. Por isso, Maristane reforça que, para combater essa visão estereotipada, é necessário estimular a consciência, de forma que a população de Imperatriz passe a reconhecer a riqueza cultural presente na cidade. “Então, quando a gente começa a dar a conhecer, aí sim vai haver uma valorização”.
Essa narrativa, amplamente difundida em discursos políticos, educacionais e midiáticos, segundo a análise da professora, parte da suposição de que todos os indivíduos encontram condições iguais e, portanto, o sucesso seria resultado exclusivo de esforço individual. Maristane acredita que tal ideologia desconsidera os efeitos acumulados da exclusão histórica imposta à população negra, desde a escravidão até as persistentes desigualdades no acesso à educação, saúde, moradia e oportunidades de trabalho.

A meritocracia também recebe outro nome, os chamados nepo babys. Trata-se dos filhos de pessoas famosas ou influentes que alcançaram sucesso em suas carreiras, em parte, devido às conexões e privilégios herdados de seus pais. “Porque existe uma vastidão de indivíduos qualificados pra ocupar aquela vaga e não houve uma seleção. Então o negro tá fora, o indígena tá fora, porque já vem aqueles indivíduos brancos que vão ocupar”.
Outro ponto destacado, muitas vezes negligenciado nos debates sobre políticas públicas é a relação entre racismo e saúde mental da população negra. “Aí vem a depressão até a loucura. O negro é vítima de doenças mentais em função do racismo estrutural”. O impacto psicológico é resultado, de acordo com a pesquisadora, de um cotidiano marcado por microagressões, exclusões simbólicas, discriminação e a sensação constante de não pertencimento, o que produz sofrimento psíquico contínuo. “Vão dizer que a gente tá insano, que tá vendo algo que não existe”.
A fala da professora Maristane convida a uma revisão crítica. Reconhecer a meritocracia como um mecanismo que naturaliza o fracasso social de grupos historicamente oprimidos, bem como compreender a dimensão subjetiva do racismo, são passos indispensáveis para a construção de políticas mais justas e verdadeiramente antirracistas. “Eu não sou silenciosa, eu sempre grito mesmo, por todas as causas e por todas as pautas”, declara.
*Este perfil foi elaborado a partir de uma entrevista coletiva organizada pelas (os) estudantes do 1º semestre de Jornalismo da UFMA. O texto final, resultado da edição dos exercícios da disciplina Redação Jornalística, é a primeira publicação dessas (es) futuras (os) jornalistas.