Repórter: Ludymilla Souza
Fotos: Ludymilla Souza e acervo pessoal
Com um telescópio caseiro e experimentos feitos com materiais simples, ele conquistou o mundo científico. Com seu fascínio pela ciência, aos 25 anos, Domingos dos Santos Neto, estudante de matemática no Instituto Federal do Maranhão, em Açailândia (MA), vem chamando atenção ao explicar em suas redes sociais teorias científicas de forma prática e acessível, acreditando que todos podem fazer ciência.
Domingos viralizou em uma plataforma de rede social, o TikTok, com seu vídeo que demonstrava, de forma prática, um movimento giratório com um copo e uma tampa (https://vm.tiktok.com/ZMSbxnuuf/). A proposta era mostrar que o fenômeno não podia ser explicado apenas pela física ou pela matemática isoladamente, mas sim pela união das duas áreas. O conteúdo chamou atenção e foi repostado pelo canal Universo Metódico, onde o vídeo alcançou mais de 1 milhão de visualizações e despertou a curiosidade do público, que passou a procurá-lo nas redes sociais. Hoje ele acumula mais de 1,9 milhão de seguidores no Instagram, quase 1 milhão no TikTok, 807 mil no YouTube, 313 mil no Facebook e 136 mil no Kwai — números que refletem o impacto do seu conteúdo.
Em decorrência das condições da família, de origem muito humilde, Domingos começou a frequentar a escola na primeira série, mas desde criança sempre foi incentivado pelo seu pai a ler, estudar e a observar as estrelas. Sua origem do interior o motivou ainda mais a ensinar ciência. O jovem conta que, para realizar algo quase impossível, como ir a Marte, é preciso uma motivação igualmente extraordinária — seja um evento marcante, como uma guerra, ou alguém com um sonho tão intenso que esteja disposto a dedicar a vida a isso.
No caso de Domingos, essa motivação veio da própria vivência. Passou parte da infância na zona rural, onde desenvolveu um olhar curioso sobre o mundo. Ao se deparar com realidades completamente diferentes — com uma paisagem urbana organizada e limpa —, passou a questionar o porquê das diferenças e a buscar respostas por meio do conhecimento, demonstrando sempre ter um olhar atento e questionador.
Ao notar essas diferenças, cresceu em Domingos o desejo de querer levar ciência de forma acessível e prática a todos. Como ao se deparar com um acelerador de partículas, sentia o impulso de traduzi-lo para que pessoas que não tinham acesso à mesma formação científica também pudessem compreender. Tornar acessível o que parece distante e mostrar que a ciência pode, sim, chegar a todos. Esse desejo de ensinar se consolida ao revelar seu verdadeiro objetivo: se tornar um professor de matemática.
O amor pela matemática o fez ganhar, em 2015 e 2019, duas medalhas de bronze nas Olimpíadas Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), tendo também conseguido entrar na primeira turma do curso de matemática do Instituto Federal do Maranhão (IFMA), em Açailândia. Iniciou o curso de matemática em 2020, mas com a pandemia, iniciaram-se as aulas online e por acompanhar tudo pelo celular, enfrentou dificuldades e precisou trancar o curso. Em 2022, ele retornou a faculdade e segue confiante em se tornar um professor.
Na entrevista a seguir, você irá se aprofundar nesse universo cosmológico, através da visão de Domingos dos Santos Neto sobre o mundo, ele comenta a partir de seu olhar científico sobre como tudo começou, produção de seu telescópio e aborda temas como inteligência artificial, vida fora da Terra, pseudociência, terra plana e negacionismo. Sempre demonstrando o desejo claro de tornar a ciência compreensível para além dos muros acadêmicos.

“Quando vejo o buraco da Lua com esse telescópio de papel, eu não acredito que ele funciona. A falta de ferro gera um amor muito grande por ele. É isso que eu quero mostrar: qualquer pessoa pode fazer algo incrível com materiais simples.”
Imperatriz Notícias: Em tempos em que muitas pessoas desconfiam de vacinas ou acreditam em teorias como a da Terra plana, você sente algum desafio em divulgar ciência de forma acessível sem cair em polêmicas? Já deixou de abordar algum tema por receio de sofrer cancelamento ou por considerar sensível demais para o público?
Domingos dos Santos Neto: Rapaz, tem dois dias que eu tô tentando fazer um vídeo, e é um vídeo que envolve a chamada “verdade médica”. Só que verdade médica é uma coisa perigosa. Porque a verdade médica vende, a verdade médica mata e a verdade médica prende. Ou seja: se eu falar uma mentira, eu posso ser preso. E quem tem a fórmula de um remédio tem direito autoral, tem patente. Ou seja, a verdade médica vende. Tem alguns vídeos que eu quero fazer, por exemplo, sobre medicina, que se eu fizer, eu seria linchado na hora — linchado pelos maiores biólogos do Brasil, porque eles não iam gostar. Esse tipo de vídeo pode dar problema. Mas é justamente um dos vídeos que eu tenho tentado fazer. Só que a gente tem que tomar muito cuidado. Primeiro pra não falar mentira, claro — porque a pessoa pode sair por aí comendo folha de mamona e morrer. Porque a folha de mamona, na verdade, é um veneno. E também tem o medo de como isso vai ser recebido. Então eu tenho que encontrar uma forma de falar bonitinho, com certo cuidado, pra não espantar as pessoas e, ao mesmo tempo, não alimentar o negacionismo.

“A ciência é difícil mesmo no começo, mas é como um quebra-cabeça: no início parece impossível, depois que você entende a lógica, vai ficando fácil“
IN: E o que mais te assusta no negacionismo?
DSN: Não me assusta, na verdade. Eu não tenho medo de fake news nem de nada ruim. Tipo o Bob Marley — ele falou: “As pessoas que fazem do mundo um lugar ruim não tiram um dia de folga”. Então, penso que sempre que o mal, as mentiras, o negacionismo ou a fake news aparecerem, eu não tenho medo, porque a verdade vai vencer no fim. Acredito que essas coisas não atrapalham a ciência — elas acabam fortalecendo. Claro, algumas pessoas se machucam no caminho, mas no final, a verdade chega.
IN: Qual foi a maior bobagem pseudocientífica que você já ouviu?
DSN: Ah, cara, a maior pseudociência que eu já ouvi? Tem várias. Terra plana, por exemplo, ou então, as imagens da NASA serem distorcidas, desenhadas, falsificadas. E, sendo sincero, é. Mas em que sentido que é? Por exemplo, a NASA não tira uma foto colorida. É impossível você tirar uma foto colorida da galáxia de Andrômeda. Você tira ela em preto e branco, em raio-x, aí você vai colorir artificialmente. Só que isso não quer dizer que a imagem é falsa. Por mais que a gente não veja a galáxia de Andrômeda e tudo, a NASA está fazendo ali meio que um “ultrassom do universo”, está vendo aquilo. Então, Terra Plana, as imagens do planeta e tudo, dos céus, acho que essas duas são as maiores, assim, que o pessoal considera que é pseudociência, que eu vi, que o pessoal comenta muito nos meus vídeos, né? Acho que a Terra Plana foi a maior.
IN: O que você diria a quem acha que a Terra é plana?
DSN: Eu não odeio o pessoal da Terra Plana. Os outros cientistas, os influenciadores, meio que debocham, né, que é um pessoal muito atrasado, que a Terra não pode ser plana. Mas eu tenho coragem suficiente para admitir que, nessa sala onde estamos, eu não conseguiria realizar nenhum experimento científico que mostre que a Terra é redonda. Pelo contrário, todos os experimentos que fizesse indicariam que ela é plana. Para mostrar que ela é redonda, precisaria de uma distância maior, tipo aqui do Maranhão à Brasília, com duas sombras, ou uma pessoa de avião, ou alguém que deu a volta ao mundo de navio. São experimentos muito longos, que demoram meses para fazer, muito complicados. A maioria dos experimentos que quem acredita na Terra plana fez na vida — e que muitos nunca verão — não mostram a curvatura da Terra. Então, precisam acreditar numa foto mesmo. Eu aceito a dificuldade deles e não os vejo como atrasados. Pelo contrário, vejo como bons questionadores. Esses questionamentos são essenciais e definem o que é ciência de verdade.
IN: E o que seria a ciência?
DSN: Ciência é aquilo que você pode testar, medir, que você pode dividir e vai continuar sendo verdade. Essa é a diferença da ciência, entende? Então, a Terra plana, por exemplo, eu vejo assim, é um bom questionamento, claro, não é verdade, mas é um bom questionamento.
IN: Algumas pessoas têm medo de ter os seus empregos perdidos por conta da inteligência artificial e temem que ela domine o mundo. Qual sua visão sobre isso?
DSN: A inteligência artificial, para mim, é como se fosse um robô que a gente está vendo pela primeira vez e está impressionado com ele e achando que ele vai resolver todos os problemas, mas tem limitações. Por exemplo, uma limitação da inteligência artificial, ela não vai errar como o ser humano erra, e o erro é importante para o aprendizado. Ela não vai errar resolvendo uma derivada, ou seja, ela nunca vai aprender algo novo sobre derivadas. Para você aprender algo novo sobre derivadas, você tem que errar, porque se você sempre acertar, não vai ter necessidade de você tentar um caminho diferente. Então, se a inteligência artificial sempre dá uma resposta que é correta, nunca ela vai mudar aquela resposta, ela nunca vai acrescentar nada ali, um dos problemas que ela vai ter é esse, ela não vai conseguir criar coisas novas, e ela só consegue fazer algo que já foi programado para fazer. Então ela vai só trazer uma agilidade, uma praticidade para algumas coisas que a gente tem hoje que não consegue resolver facilmente.
IN: Você falou sobre ter criado um telescópio e isso é muito interessante. Como foi o processo? Quais materiais você utilizou?
DSN: É só duas lentes, que conseguem na papelaria, você consegue elas com certa facilidade, por exemplo, essa lente aqui atrás que mostra que é uma lente relojoeiro, ela pode ser uma lente de um R$ 1,25 que é daquelas lanterninhas de chaveiro, aquela lanterninha de R$ 1,00 então se você tirar aquele plasticozinho, que nem é um vidro na verdade é um acrílico, ela vai servir como uma lente e essa lente da frente pode ser aqueles relógios de camelôs que vendem nas feiras que é R$ 5,00. Então por R$ 10,00 você faz esse telescópio. E além dessas lentes tem só um papel para segurar as lentes na posição certa, aí esse papel aqui tem uns enganches só para travar, ele não sai aqui, mas é uma cartolina por dentro de outra. Mas é só papel bem grudado. Então o telescópio é feito de quê? Essa parte que a gente olha: Só papel e as lentes. E a gente faz até o pé dele de papel, de caixa de papelão.
IN: E o que você já conseguiu ver nesse telescópio?
DSN: Nesse telescópio, eu consegui ver… depois você testa. Você vai ver que tem um aumento muito grande. Eu aumentei umas 47 vezes, que é o mesmo do Galileu. Dá pra ver as crateras da Lua, as fases de Vênus e as luas de Júpiter. Essas são as principais coisas. Talvez, fazendo um chute aqui, a gente consiga ver estrelas duplas com ele. Aí isso será algo inédito para um telescópio de papel, mas não sei se é verdade. Quando eu fiz o telescópio, fiz a profecia de que íamos ver as luas de Júpiter. Deu certo. Foi muito legal. Se as estrelas duplas derem certo, vai ser algo incrível. Eu nunca vi, vai ser muito legal.
IN: A partir desse olhar para o céu, você acredita que existe vida fora da Terra? Ou se é possível, ao menos, existir?
DSN: Da última vez que falei no Danilo Gentili, químicos disseram: “não precisa disso tudo pra fazer vida, só oxigênio, nitrogênio, carbono, enxofre e fósforo. Cinco ou seis elementos.” Mas tem vida feita só disso? Nunca encontrei. Na maior parte da composição do ser humano e dos vírus, sim. Por isso, alguns acreditam que a vida pode existir em outro planeta. Mas eu penso: são cinco coisas, mas é preciso enfileirar na ordem certa. Por exemplo, o oxigênio está no corpo e no ar, mas só isso não torna a coisa viva. Precisa da quantidade e posição certas. Até o corpo humano precisa de ordem para andar e falar. É como fazer sopa: além dos ingredientes, precisa da panela, temperatura, alguém que saiba preparar e um ambiente adequado. Não basta ter só os ingredientes, precisa de muito mais. Também precisa de um ambiente externo para o ser vivo ficar. O mais simples que conhecemos é o vírus, tão simples que alguns cientistas nem consideram que ele está vivo. Ele só está vivo dentro de uma célula, como parasita. E a célula é feita de muito mais elementos. Então, até o ser mais simples precisa de outro para viver. Não tem como existir um vírus em Marte, por exemplo, porque precisaria infectar outro ser. Por isso, é muito difícil a vida surgir em outro lugar
IN: E na sua visão científica, como você veria a questão como tudo começou? O que você acha do Big Bang?
DSN: Rapaz, eu vejo assim: quando você tenta mexer na base, nas leis fundamentais, aparecem complicações. Por exemplo, o momento angular. Se eu segurar esse cordão aqui, e ele continuar balançando, isso é conservação do momento angular. Ele não pode ser criado do nada, já existe na quantidade certa. É por isso que conseguimos fazer cálculos, prever a velocidade de um avião, de um foguete, porque essa quantidade se conserva. Quando eu puxo esse cordão para um lado, ele volta do mesmo jeito, porque essa força não pode ser criada. O momento angular simplesmente não aparece do nada, é uma característica real. Os planetas do sistema solar estão girando, ou seja, têm momento angular. Então: ou isso sempre existiu, ou alguém empurrou esses planetas. De onde veio esse momento angular? Ou foi Deus que colocou, ou veio de uma explosão causada por algo anterior, ou sempre existiu. Mas a verdade é: a física não tem uma causa definida para isso até hoje. Porque estamos falando de algo muito fundamental. A origem do universo, o Big Bang e tudo, é uma boa explicação, uma boa teoria, mas eu acredito que Deus criou tudo — e que Ele poderia ter usado o Big Bang, se precisasse.
IN: O que você diria para as pessoas que acham que não são capazes de conseguir aprender ciência?
DSN: Eu diria pra ninguém desistir. A ciência é difícil mesmo no começo, mas é como um quebra-cabeça: no início parece impossível, depois que você entende a lógica, vai ficando fácil. Se a pessoa consegue repetir os experimentos que eu faço, ou entender descobertas que grandes cientistas fizeram, ela já está fazendo ciência. Às vezes, quem tem mais dificuldade pra aprender acaba descobrindo algo que os “gênios” nunca perceberam. Como diz no filme O Jogo da Imitação: é a pessoa que você menos espera que pode fazer a maior das descobertas. Então, às vezes, é justamente quem acha que não consegue fazer um telescópio que vai criar o melhor de todos. Eu sou prova disso. Se eu consegui, qualquer um pode conseguir. E eu só cheguei lá pra mostrar que vocês também podem chegar.