Cupadinho varre o abandono e planta cuidado na rua Tupy

Há mais de 40 anos, Vicente Pereira cuida das ruas da Vila Redenção II

Yanna Carmo

Vestindo uma camisa simples, botas de borracha e sempre com a enxada em mãos, Vicente Pereira do Carmo, o Cupadinho, é visto diariamente limpando os regos e capinando as laterais da rua Tupy, no bairro Vila Redenção II, em Imperatriz. Aos 75 anos, o maranhense nascido em Codó mantém, há mais de quatro décadas, um compromisso voluntário com a via em que vive desde 1977. “Comecei a cuidar da passagem e a minha motivação foi pro mato não tomar conta de tudo, pra água não tomar as casas”, relata, com a voz firme de quem conhece de perto o abandono.

Quando chegou à Vila Redenção II, trazido pela notícia de que havia terrenos à venda na região, Cupadinho encontrou um bairro praticamente vazio, com apenas algumas casas espalhadas em meio ao matagal. “Era só mato, uma casinha aqui, outra acolá”, recorda. Sem esperar por ajuda pública, começou a construir, com as próprias mãos, valas e esgotos improvisados. “Ia botando um pedaço de cano beirando a casa, só com a enxada”, conta. A cena que se repete até hoje parece resistir ao tempo: um senhor franzino, com o rosto curtido pelo sol e pelas décadas de luta, enfrentando os efeitos das chuvas que transformam a travessa em lamaçal.

Mesmo com a idade avançada, Cupadinho segue sozinho na manutenção da rua (Foto: Yanna Carmo)

Perseverança

Geiseane da Silva Carmo, filha mais velha entre os seis criados por Vicente, cresceu acompanhando o trabalho silencioso do pai. “Me marcou desde a infância ver o cuidado do meu pai com esse local. Sinto muito orgulho, mas me incomoda muito ele limpar. Isso não deveria ser um trabalho dele, mas dos órgãos públicos”, desabafa. Ela conta que a passagem era intransitável na infância e que o pai a transformou com trabalho e insistência. “Ele cuida desse caminho porque representa algo maior pra ele. Aqui é a realização do sonho dele: ter uma casa, criar a família.”

A dedicação de Cupadinho impressiona não apenas a família, mas também os vizinhos. Antônio Paiva, morador da rua há 22 anos, enxerga o amigo como um símbolo de resistência. “Vicente é uma excelente pessoa. Sempre dá seu melhor pela limpeza da área, que só vai de mal a pior. Mesmo com problema de saúde, ele mete a mão no esgoto, sem luva. Isso me marca demais”, relata. Para Antônio, o esforço de Cupadinho revela muito mais do que zelo: é um grito silencioso de protesto diante da omissão do poder público. “Aqui eles arrumam todas as ruas próximas ao redor, mas aqui, nada. Já foi na secretaria, mas dizem que não tem dinheiro. Até cascalho que ele compra, a prefeitura leva pra jogar em outras vias”, completa o morador, indignado.

As memórias da filha e do vizinho se entrelaçam como capítulos de uma mesma história: a de um homem comum que se tornou extraordinário aos olhos da comunidade. “Se não fosse o trabalho dele, estaríamos como os sapos na grota”, diz Geiseane, em tom de alerta. “Ele nunca recebeu agradecimento, e a gente da família fica preocupado porque ele precisa de repouso, mas gosta tanto de ajudar que não para.” A filha reconhece que o legado deixado pelo pai vai além da limpeza do entorno. “Aprendi com ele que se cada um fizesse sua parte, a melhoria vinha. Mesmo sem recursos ou influência, o legado do meu pai é dedicação e zelo.”

Geiseane, filha mais velha, cresceu vendo o pai transformar a rua com as próprias mãos.(Foto: Yanna Carmo)

Cupadinho, no entanto, não trabalha em busca de reconhecimento. “Nunca recebi ajuda de nenhum órgão público, só vêm aqui pra pedir voto e depois somem”, afirma. Aos 75 anos, já sem a mesma força física, mantém a boa vontade que o levou a limpar aquele trecho sozinho por décadas. “Sinto que cuido mais agora do que antes, porque tá pior e eu tô mais velho”, comenta, resignado, mas sem desistir.

Símbolo de resistência

Para os moradores, Vicente não é apenas um homem que limpa a rua. Ele é um “trator”, como define Antônio Paiva — alguém que carrega nas costas a dignidade de um bairro inteiro. Sua história revela o descaso com a periferia, mas também o poder de transformação que nasce da cidadania ativa. “Aqui mora gente, aqui mora eleitor também”, lembra o vizinho.

Para a comunidade, Vicente representa mais que um morador: ele é o símbolo da resistência da Vila Redenção II.(Foto: Yanna Carmo)

No centro da Vila Redenção II, entre o mato que insiste em crescer e a lama que tenta voltar, vive Cupadinho. Um homem que não foi eleito, não tem salário, nem título de liderança comunitária. Mas, dia após dia, mostra com a força das mãos e o silêncio da ação que a verdadeira política começa com o cuidado — e que, mesmo sem holofotes, a história também é feita por aqueles que se recusam a aceitar o abandono como destino.

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, desenvolvido em parceria com a disciplina Laboratório de Produção de Texto I (LPT), chamado “Meu canto tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.