“A leitura é sempre uma porta aberta para oportunidades’’, diz jornalista Joaldo Cavalcante

Para jornalista e escritor alagoano, a leitura de livros-reportagem é importante para a sociedade

Escritor alagoano acredita que a checagem é o processo mais desafiador em um livro-reportagem

Texto: Andréia Liarte

Fotos: Divulgação

Natural de Maceió, o jornalista e escritor Joaldo Reide Barros Cavalcante, 56 anos, acredita que o seu estilo ao escrever livros-reportagem, como 17 de julho: a gameleira, as lembranças e a história decidida à bala, sobre uma manifestação política em Alagoas que resultou em tiroteio, tende para a crônica jornalística. “Minhas publicações possuem elementos descritivos e de cunho histórico, condimentado por passagens bem-humoradas e que foram colhidas dos próprios personagens, que são reais”, define.

Formado em Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas, Joaldo Cavalcante foi secretário de Comunicação da prefeitura de Maceió, entre 1994 e 1998 e do governo do Estado de Alagoas, de 2002 a 2006. Descobriu o seu amor pela profissão de jornalista desde os tempos escolares, quando militava no movimento pela qualidade do ensino público.

Começou a carreira jornalística em 1988, quando trabalhou por três meses no jornal Tribuna de Alagoas. Logo após, foi convidado a participar da equipe da revista Última Palavra. “Foram dois anos de uma experiência histórica no jornalismo alagoano. Uma equipe que realmente praticou o jornalismo investigativo, esmiuçando os escaninhos do poder e expondo as mazelas praticadas com o dinheiro público, sempre com dados e documentos irrefutáveis”, relembra Joaldo.

Processos de apuração e escrita

O escritor destaca que quando está escrevendo, sempre verifica o que disse a fonte, investiga, entrevista outras vozes e faz revisões. “Tento neutralizar o sentimento de medo de cometer erros exercitando a checagem e a revisão. No caso do conteúdo, é bom checar o que disse a fonte, ouvir outras vozes, sopesar a declaração. O jornalismo sempre ensina o caminho, pois tem a apuração em sua essência”. Quanto à forma, Joaldo Cavalcante conta que realiza releituras do texto inicial, inclusive no sentido de “substituir palavras que sejam mais adequadas à expressão da ideia’’.

Para ele é importante que, ao narrar a história, o jornalista vá a fundo nas investigações, respeitando os entrevistados. “Na construção de uma história, há sempre a possibilidade de se deparar com dilemas. Tanto na vida quanto no exercício da profissão, cultivo o princípio de não adotar atitudes que possam prejudicar alguém”, ressalta. Ele cita o exemplo do seu livro 17 de julho: a gameleira, as lembranças e a história decidida à bala, que trata de uma manifestação ocorrida nesta data, em 1997, quando cerca de 10 mil manifestantes se reuniram em frente ao prédio da Assembleia Legislativa de Alagoas exigindo o afastamento do então governador Divaldo Suruagy. Na ocasião, ocorreu um tiroteio e o autor, que estava no local, conseguiu se refugiar atrás de uma gameleira, daí o nome da obra. “Ao resolver construir uma história como 17 de julho, que possui algumas dezenas de pessoas vivas citadas, que interagem com outras, a checagem do que foi dito ainda é mais desafiador. O que pode parecer desconforto de posturas no relato de situações dramáticas e reais – e até muito recentes, como a obra mencionada -, a fidelidade ao ocorrido e dito pelas figuras envolvidas gera respeito e credibilidade, sendo muito recompensador’’, destaca o escritor.

Quanto à escolha dos seus biografados, o autor diz levar em conta alguns critérios, como a sua importância no meio sociopolítico e sua inserção na vida recente de Alagoas e até do país. “Quando se trata de um fato histórico, sinto-me atraído como o que foi abraçado e virou o livro 17 de julho. Houve um amplo interesse coletivo pelo tema, pois todos os fatos que levaram àquela data e seus desdobramentos permearam a vida de todo um estado, tendo inclusive envolvimento e repercussão nacional’’, menciona.

Mundo do livro-reportagem

De acordo com o jornalista, a ideia de tornar-se escritor partiu da decisão de transformar o seu trabalho de conclusão de curso em uma publicação. “Meu objeto de pesquisa fez uma associação entre os espaços publicitários destinados à mídia governamental e empresarial e o conteúdo da linha editorial. Delimitamos um tempo de veiculação nos diários em circulação à época, pelos idos de 1986”. O resultado foi a publicação, posterior à defesa do TCC, do livreto intitulado Alagoas, o que há por trás das tiragens dos jornais.

Em 1993, lançou o livro A última reportagem, que conta a história do jornalista Dênis Agra, vítima do câncer aos 42 anos de idade. Para ele, Agra deixou um grande legado para o jornalismo alagoano e brasileiro. Antes de falecer, Dênis aceitou gravar uma série de depoimentos para Joaldo e essas gravações ajudaram na construção da biografia. Convivendo com grandes nomes do jornalismo brasileiro, o autor diz que o jornalista Audálio Dantas lhe trouxe inspiração e até prefaciou o seu livro A vez da caça – o marajá mais famoso do Brasil desvenda sua vida, trazendo como personagem o ex-procurador do Poder Legislativo de Alagoas, que recebeu um “apelido carinhoso” do hoje ex-presidente da República, Fernando Collor de Mello, quando ainda era governador de Alagoas.

Joaldo Cavalcante explica que, em nome da memória da família, resolveu escrever o livro Major Barros da Pedra Branca, uma biografia que conta a história do seu bisavô, filho de imigrantes italianos nascido em 1853, na época da escravização dos africanos.  “Era tempo duro, em pleno regime escravagista. Francisco de Paula, conhecido como major Barros, era dono de engenho Banguê. Essa publicação foi, sobretudo, uma homenagem ao meu pai, que sempre retratou aos seis filhos as proezas e atitudes do seu avô. Prometi ao meu pai que faria tudo para resgatar e documentar’’.

Inspirações e mercado editorial

O escritor defende que jornalismo e a literatura sempre andaram juntos. Ele cita como exemplo a obra Os Sertões, de Euclides da Cunha, que narra todos os fatos da Guerra de Canudos. “Sobre jornalismo e literatura, sempre cultivei o entendimento de que ambos possuem longa estrada de convivência mútua, encontrando-se com maior ou menor intensidade pelas esquinas da vida. Os Sertões faz uma harmônica simbiose entre elementos literários e jornalísticos’’.

Mesmo em mundo dominado mais pela internet do que pelos livros, para o autor, as redes sociais contribuem e muito na democratização da divulgação das obras. “Basicamente, gravo um convite curto, bem informativo, e distribuo em grupos de WhatsApp. Também não deixo de recorrer ao velho telefone. Há pessoas que só se sentem convidadas ao lançamento da seguinte maneira: se receber uma ligação telefônica do autor ou convite assinado pelo próprio”.

Cavalcante acredita que os escritores alagoanos encontram dificuldades na divulgação de seus livros por conta das burocracias que as livrarias lhes impõem. “As grandes livrarias, ressalvando uma ou outra, não costumam criar um espaço próprio e justo à produção local. Quando criam, exigem tanta burocracia para operar o ‘negócio’ do livro que até desistem de acioná-las como ponto de distribuição. Eu resolvi utilizar as bancas de revista”, desabafa.

A entrevista original com o jornalista foi feita no contexto da pesquisa Jornalistas escritores de livros-reportagem no Nordeste, desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Jornalismo de Fôlego, do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, pela estudante e pesquisadora Ana Carolina Campos Sales.