Catedral de Fátima moldou a história de comerciantes e cristãos

Ambiente religioso promove cultura e turismo em Imperatriz

Diogo Dias

Em 15 de agosto de 1964, debaixo de muito sol, fiéis se reuniram e juntaram madeira e palha para erguer o que viria a ser a diocese de Imperatriz (MA). Apesar disso, a procura pelo terreno veio no ano de 1952, quando Frei Epifânio da Abadia saiu em procissão em busca de um espaço no qual pudessem construir seus muros. Com 61 anos desde que foi fundada, a igreja abriga bem mais que apenas cristãos, celebrações e artigos religiosos. Guarda entre seus revestimentos mais de seis décadas de lembranças, legados e aprendizados. Em frente ao local, existe a praça de Fátima, espaço cultural e tradicional da cidade, onde antes atuavam vendedores ambulantes com suas lanchonetes. Mas com a reforma do espaço, os comerciantes precisaram ser remanejados para outro local.

As celebrações iniciaram na pequena capela, ainda sem muitos recursos, apenas com a fé e união dos cristãos. No entanto, Frei Epifânio tinha consigo o sonho e meta de substituir os palanques de madeira ali firmados por tijolos e cimento bem revestidos. Mais que apenas almejar, o missionário italiano colocou em prática suas idealizações e logo a paróquia passou a contar com suas telhas vindas das olarias locais, e, no alto da construção, um sino. Mas claro que ajudas são sempre bem-vindas, sendo assim, além do auxílio da comunidade, com doações de vidraçarias para as janelas, Frei Marcelino Sérgio Bícego, administrador apostólico da Diocese de Carolina (1970-1971) que um tempo depois se tornou bispo entre os anos de 1971 a 1980, teve uma significativa participação na história da catedral, contando até com uma estátua em sua homenagem na Praça de Fátima após sua morte.

No dia 29 de julho de 1987, com 23 anos desde que foi colocada a primeira pedra no terreno, a Diocese de Imperatriz foi fundada. Esta é a data oficial na qual a Paróquia de Fátima assumiu o papel de Catedral, tornando-se a hoje conhecida Catedral Nossa Senhora de Fátima. O primeiro bispo foi Dom Affonso Felippe Gregory e, o pároco, Padre Felinto Elisio Correia Neto, na época, recebia a missão de Vigário Geral da Diocese de Imperatriz. Pelo local ao longo dos anos passaram vários reverendos, sendo nos dias de hoje liderada pelo bispo Dom Vilsom Basso, da Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus. O pároco da catedral é o padre Eliezer Cezar de Paiva e o vigário paroquial, padre Felinto Elisio Correia Neto.

Registro da Catedral Nossa Senhora de Fátima no início do ano de 1960. Espaço moldou a história de cristãos imperatrizenses (fonte: acervo digital)

50 anos de devoção

Adalgiza Moreno de Sousa frequenta a igreja há 50 anos, desde muito antes de se ser elevada a catedral. Desembarcou em Imperatriz no ano de 1974, apenas dez após a construção ser firmada nas terras. Desde então, segue sua vida morando na mesma casa e sendo uma frequentadora assídua da comunidade cristã. Adalgisa nasceu em Almadas, interior de Caxias-MA e viveu lá até os nove anos e meio, quando se mudou para a cidade com o objetivo de estudar. Depois ela seguiu para Barreirinhas-MA e logo após retornou para Caxias, onde se formou em pedagogia e posteriormente em estudos sociais,  em Imperatriz. Já exercendo sua formação, em 1980, lecionou na Escola Municipal Graça Aranha.

Seu interesse religioso partiu diretamente dela: cresceu com uma família cristã, que seguia estritamente os mandamentos junto de seus primogênitos. Antes da Semana Santa, seus pais se preparavam e caçavam, para poderem ficar em extremo repouso durante os dias santos. “Minha base foi a Semana Santa. Papai dizia que a semana anterior chamavam de semana caçadeira. Às vezes vinham até pessoas para nossa casa passar estes sete dias com a gente”.

Ela relembra o período que D. Marcelino esteve à frente da igreja e que sempre ia visitar sua comunidade, onde ela e outros fiéis mantinham o Clube das Mães. Adalgisa conta que, com a chegada de Dom Vilsom, a comunidade passou a frequentar a então paróquia São José do Egito, que tem uma ligação com a Nossa Senhora de Fátima. Vinda de uma comunidade tradicional, ao chegar aqui, notou a diferença entre as igrejas. “Aqui era como se fosse um salão grande. Minha mãe sempre dizia: ‘Não gosto dessa igreja, ela parece um barracão. Não gosto daqui’. Mas apesar dessa aparência já era, sim, uma igreja”, conta Adalgiza, entre gargalhadas.

Relembra também de suas atividades missionárias nas quais se envolvia na comunidade, as chamadas Santas Missões. Era um período de movimentações religiosas intensas, com o objetivo de evangelizar e fortalecer a fé da comunidade local. Essas ações cristãs contavam com celebrações, pregações, confissões e outras práticas pastorais, que visavam uma renovação espiritual dos fiéis.

Desde os 13 como auxiliar de professora e catequista, Adalgisa conta que hoje sua sensação é de missão cumprida. “Eu sinto que não tenho mais nada pra fazer, fui logo passando minhas responsabilidades cristãs para os mais jovens. Porque hoje, mesmo que eu queira, não tem como mais, a gente esquece, envelhece e não é mais respeitado…Não tenho mais a mesma energia”. Segundo a paroquiana, a comunidade precisa se reinventar e encontrar maneiras de se adaptar à realidade atual, para poder resgatar esses jovens e atraí-los para a igreja.

A mensagem que ela gostaria de transmitir às pessoas era que os mais velhos e mais novos pudessem se entender, se aproximar mais. “Parece que os idosos não buscam mais os jovens, não sabem mais como se encontram. Eu acho que deveria existir essa troca de conhecimentos e de mudança, buscarem os jovens e os jovens buscarem a família”. Ainda sobre mudanças, para ela o maior impacto está sendo essa nova construção, pois segundo especulações e relatos, há muitos planos para o terreno. “Hoje essa reforma a gente tá vendo que vem diversas mudanças. Pra mim isso é de grande importância, porque atrai pessoas de outras comunidades e cidades, todos se voltam para a catedral”.

Dona Adalgiza ao lado de seu altar e, junto dela, uma dentre as suas diversas imagens religiosas que guarda com carinho e apreço (foto: Diogo Dias)

Planos

A reforma vem como um legado para população e contará com um local criado em homenagem, denominado “Jardim Papa Francisco”. Ele foi um defensor ambiental que preservava e cuidava da natureza, alertando para as mudanças climáticas. Um espaço criado com árvores frutíferas, flores e ervas medicinais, todas adquiridas por meio de doações de fiéis. Será instalado um museu no primeiro andar, com o intuito de contar a jornada daqueles que fizeram Imperatriz, sejam migrantes ou imigrantes.

A história da igreja de Fátima e das demais existentes na cidade e do esporte no município com expoentes do esporte nacional e regional, o que faz sentido, já que o principal fundador era um hábil jogador de futebol, o Frei Epifânio. “A intenção é que as novas gerações aprendam a valorizar a história, a gostar da cultura e estimular isso também para as outras pessoas. Então, é muito voltada principalmente para os jovens. Nossa Senhora de Fátima teve sua aparição para três crianças, adolescentes, os chamados três pastorinhos”, relata Dom Vilsom.

Jardim da praça onde estão sendo semeadas flores, árvores frutíferas e plantas medicinais ofertadas por fiéis (foto: Diogo Dias)

Dom Vilsom Basso, religioso dehoniano, da Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus, nascido em 16 de fevereiro de 1960, em Tuparendi (RS), é quem hoje coordena a Catedral de Imperatriz no cargo de bispo. Formou-se em Estudos Sociais/Filosofia em Brusque (SC), e em Teologia na cidade de Taubaté (SP). Foi ordenado no dia 28 de dezembro de 1985, presbítero na Paróquia Nossa Senhora da Saúde, no Rio Grande do Sul.

Chegou na cidade maranhense e, no dia 10 de junho de 2010, assumiu o papel de bispo da diocese de Caxias (MA), permanecendo nesse cargo por sete anos. No dia 19 abril de 2017, Dom Vilsom foi transferido para a Diocese de Imperatriz-MA, tomando posse no dia 10 de junho do mesmo ano, onde se encontra até hoje servindo e pregando a palavra à comunidade. Ele é quem tem a maior propriedade para tratar sobre as ideias para a obra, já que é um sonho que carrega desde o período que ordenou em Caxias.

Bispo Dom Vilsom Basso consagra eucaristia durante a missa realizada no ambiente provisório para celebrações (foto: Diogo Dias)

A ideia para a praça, segundo o sacerdote, é estimular uma prática turística que valorize a conexão profunda com a natureza e a cultura local. Os focos serão no museu e no jardim, a pedido direto do bispo, buscando a imersão e a observação atenta do ambiente, com a intenção de as pessoas virem apreciar o local. Segundo o bispo, o arquiteto Gilberto Sátio comentou que a meta para a praça é estimular o turismo contemplativo. “A pessoa pode vir e saborear esse lugar. Entrar e ficar duas, três horas, e gostar de estar aqui. Vai ter música ambiente, música religiosa”, relata Dom Vilsom.

Também será de acesso ao público a escada que conta com mais de 40 metros, no topo da qual será possível observar toda a região de Imperatriz, o que ele acredita que representará uma emoção para muita gente, pois ele próprio sobe ali diariamente, e sempre se encanta como se fosse a primeira vez. “É lindo você poder olhar a cidade de cima e admirar as belezas da natureza, de Deus e as que o ser humano faz também, com toda a inteligência que tem”.

Vista direcionada ao rio Tocantins fotografada do último andar da torre na catedral de Fátima a mais de 40 metros de altura (foto: Diogo Dias)

O início da reforma foi marcado por momentos tensos. No dia 27 de agosto de 2023, as equipes da Prefeitura deram início à desocupação previamente avisada da Praça de Fátima, retirando os vendedores que ali se encontravam e instalaram os tapumes, marcando o começo das obras. Então, em parceria com a prefeitura, os comerciantes foram realocados para outros espaços. Porém, a princípio, não tiveram muito apoio do público local, o que gerou uma certa revolta em algumas pessoas, pois os trabalhos não começaram de imediato. “Como ninguém via nada, porque obra, normalmente, os fundamentos demoram meses até aparecerem. Então, para nós, o maior desafio foi isso. Também a própria comunidade entendendo, acolhendo e apoiando a ideia”, relata Dom Vilsom.

A reforma preserva a originalidade da igreja como a via sacra, com pinturas de Emaús, que são históricas, do ano de 1978. “Frey Damas, um artista italiano, que deixou essa preciosidade, nós preservamos. Foi feita uma moldura do chão até o teto para ressaltar cada uma dessas pinturas. Vão ser restauradas e passado um verniz”, diz Dom Basso. Em sua visão, o ambiente será um novo patrimônio cultural, assim como é a Beira-Rio. “Para turistas, famílias, e para o próprio povo de Imperatriz, para católicos e não católicos. É um templo, eu acredito que por ser aberto com tantas maravilhas que oferece, vai ser um lugar de referência”.

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, desenvolvido em parceria com a disciplina Laboratório de Produção de Texto I (LPT), chamado “Meu canto tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.