Associação Ascamarea gera renda e dignidade, promovendo sustentabilidade
Cinthya da Silva Santos
“A nossa cidade precisa de uma mudança, porque não pode continuar do jeito que está”, declara Antônia da Silva Manço, presidente da Associação de Catadores e Catadoras de Material Reciclável de Açailândia (Ascamarea). Atualmente, a entidade conta com 58 associados e desempenha um papel fundamental na coleta de materiais como PET, ferro, cobre e latinhas, contribuindo para a limpeza da cidade e a geração de renda para diversas famílias.
A cooperativa surgiu em 2017, quando, diante da ameaça de fechamento do lixão, fonte de renda para diversas famílias, foi necessário fundar uma entidade que garantisse apoio e sustento a essas pessoas. Conforme previsto na Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305), todos os lixões e aterros controlados devem ser desativados no país. “E até agora não fecharam. Continua previsto pra fechar, né?”, comenta Antônia.
Com o apoio do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos – Carmen Bascarán (CDVDHCB), os catadores conseguiram oficializar a criação da Ascamarea. “Aí eles sugeriram que a gente criasse uma associação, e foi o que fizemos, pra que, quando o lixão fechar, a gente não fique desamparado”, completa.
Antônia relembra que, antigamente, eles precisavam acordar muito cedo para ir ao lixão, especialmente aqueles que moravam em bairros mais afastados, já que o local era distante e não havia transporte disponível. Chegavam a caminhar cerca de sete quilômetros, a partir da BR. “Aí, pra gente sair, pra chegar na hora de trabalhar, às 8 horas, tinha que sair 4 horas. Às vezes a gente pegava carona, outras vezes não, tinha que ir de pé mesmo”, relembra. Hoje, a realidade já mudou um pouco: os catadores conseguiram um ônibus que os leva até o local de trabalho.
A presidente da Ascamarea calcula que a organização consegue reunir de três a quatro caminhões cheios por semana. O trabalho ainda se mantém de forma individual, com cada catador comercializando suas ‘carradas’ de material para compradores da cidade vizinha, Imperatriz (MA).

Catadora desde 1988, Antônia compartilha que começou a trabalhar com a coleta de recicláveis no primeiro lixão da cidade. Ela comemora as conquistas obtidas ao longo dos anos como presidente, como o galpão e os equipamentos de trabalho. “Tudo foi a gente que conseguiu, porque os outros nunca correram atrás, né? E eu corri atrás. A gente tem prensa, tem esteira, tem balança, temos carrinho, temos cadeira, mesa, tudo a gente tem”, relata, com orgulho.
Apesar de não ter tido acesso à educação na juventude, ela destaca a importância de ter buscado a escola mais tarde: “Meu estudo foi muito pouco. Já estudei depois de véia, mas é importante estar aqui.” O trabalho como catadora também permitiu que ela oferecesse uma condição de vida melhor à sua família. “A minha vida era muito sofrida”, lembra. Mãe de seis filhos, criou seus dez irmãos e outras quatro crianças.
Seu marido recebia apenas um salário mínimo, o que não era suficiente para amparar todos. “E aí eu comecei a trabalhar no lixo para sustentar essas crianças. Porque só o dinheiro do meu marido não dava.” Antes de se tornar catadora, ela trabalhou como doméstica, mas, devido às humilhações constantes, decidiu mudar de vida. “O povo me humilhava muito. E aí eu digo: ‘Não, não vou trabalhar humilhada para ninguém’. E até hoje, trabalhando, eu tenho orgulho do meu trabalho”, afirma. Desde que começou a atuar como catadora, Antônia comenta que nunca mais passou por dificuldades e conseguiu garantir que todos os seus filhos fizessem cursos. “E tudo foi tirado do trabalho no lixo, e eu sou grata a Deus por isso”.
Na presidência da Ascamarea há três anos, Antônia relembra as dificuldades enfrentadas durante a criação da associação. Pontua que, apesar de estarem no lixão para coletar materiais recicláveis, outras pessoas também têm acesso ao local e acabam prejudicando o trabalho dos catadores. “Aí tem os ladrões que vão, os usuários de drogas chegam e roubam as coisas da gente. A gente tem essas dificuldades lá dentro, muito medo. Às vezes toca fogo, a gente tem muito prejuízo também. Teve ano aí que a gente perdeu a carrada inteirinha de material.”
Além das invasões e dos roubos, ela menciona que a prefeitura tentou retirar os trabalhadores do local, em cumprimento à Lei de Resíduos Sólidos, derrubando os barracos onde eles se abrigavam e deixando-os “no olho do lixão”, como define Antônia. “Porque lá a gente trabalha no solzão, e se é no inverno é na chuva. É difícil. Mas aí a gente entrou com o Centro de Defesa, nosso apoio”.
Segundo ela, se não fosse o amparo do Centro de Defesa, a situação teria sido ainda mais difícil, já que os catadores não contavam com suporte do poder público. “A prefeitura nunca deu apoio pra nós, queria tirar nós de lá, como um bicho qualquer.” Antônia conta também que o lixão é o sustento de muitas famílias, que dependem do trabalho diário para suprir suas necessidades básicas. “Tem muita mãe de família que trabalha de manhã pra vender de tarde, pra comprar o que comer. Porque tem mãe de família que bota o filho na escola, pra ele comer lá, mas de noite, como é que o bichinho vai comer? Aí dormir com fome é ruim”.

Educação Ambiental
Estudantes do Instituto Federal do Maranhão (IFMA), Campus Açailândia, desenvolveram o projeto Sacola Cidadã em parceria com a Ascamarea. A iniciativa nasceu da preocupação com o impacto ambiental das sacolas plásticas, que levam anos para se decompor e degradam o meio ambiente.
A parceria se consolidou durante a Semana do Meio Ambiente de 2025, quando o professor e orientador do curso de Meio Ambiente, Raifran Abdimar de Castro, propôs que os estudantes fossem até o galpão da Ascamarea e ao lixão da cidade para conhecer de perto a realidade vivida pelos trabalhadores.
“A importância dessa parceria, inicialmente, foi tornar o evento mais prático para a comunidade açailandense”, reforça o professor. Além de contribuir para a divulgação do trabalho da associação e para a melhoria dos processos de separação e venda dos materiais recicláveis, a ação também proporcionou uma experiência significativa aos estudantes que participaram diretamente. Segundo ele, esses alunos tiveram a oportunidade de aprender fora da sala de aula, o que ajudou a transformar a visão de preconceito e dar mais visibilidade para os integrantes.
Um dos maiores desafios para a educação ambiental em Açailândia reside na cultura local, marcada por um histórico de desmatamento e mineração. O professor Raifran enfatiza que a educação ambiental não é uma alternativa, e sim uma necessidade e obrigação legal. “Não se faz reciclagem, não se faz coleta seletiva, sem que a população esteja consciente e sensibilizada”. E ainda completa alertando que “ninguém vai separar na sua casa o plástico, o metal, o vidro e o papel se ela não estiver sensível a fazer isso”. Raifran explica que a ausência de um retorno financeiro ou benefício ambiental imediato faz com que muitos não percebam o valor no dia a dia.

Sacola Cidadã
Segundo o professor e orientador Fábio Mesquita de Souza, o principal objetivo do projeto é substituir gradualmente as sacolas plásticas por ecobags, utilizando tecidos reaproveitados. A meta é criar uma marca própria, que futuramente será produzida pela associação.
A estudante do curso técnico em Meio Ambiente, Ingrid Lais Nogueira Pereira, sentiu-se motivada a participar pela inovação da proposta e pela visão de longo prazo. Ela percebeu que a iniciativa tinha futuro. “Não era simplesmente um projeto relacionado à Semana de Meio Ambiente, mas algo com potencial duradouro”, pondera.
A motivação para o engajamento no Sacola Cidadã se estendeu a outros participantes. Sthefany Lima Santos, por exemplo, sentiu-se impulsionada após visitar o lixão e presenciar a realidade dos catadores, reconhecendo a premissa da iniciativa para conscientizar a sociedade e incentivar a separação de resíduos. “A partir do momento que eu vi realmente a condição que eles estavam passando, aquilo foi o ponto que eu comecei a ficar motivada para tentar ajudar de alguma forma. Porque o projeto Sacola Cidadã tem um grande potencial”. Já Eivilly Beatriz Sousa Batista, de 17 anos, expressou surpresa no início ao descobrir a existência da associação em Açailândia, o que a motivou a se engajar na proposta das ecobags.
A integrante da iniciativa, Ingrid, destaca que instituições como a Ascamarea precisam de mais apoio e visibilidade, já que o trabalho dos catadores ainda é pouco valorizado pela sociedade. Ela também acredita que ações individuais têm um papel importante na transformação social. “O pouco que vocês fazem resulta em muito”, ressalta.
O professor Fábio afirma que seu sonho é ver Açailândia se tornar um exemplo para a região. “Acredito que, no futuro, já será possível implantar a coleta seletiva e a criação do aterro sanitário”, destaca. Para ele, o consórcio entre os municípios vizinhos é a alternativa mais viável, especialmente diante do tamanho das cidades, mas isso exige estrutura adequada. Também reforça a necessidade de recursos para o desenvolvimento socioambiental do município.

Apesar da discriminação enfrentada pelos catadores, Antônia destaca a importância e a dignidade da profissão. “O pessoal, muitas vezes, tem preconceito com a gente. Mas nós trabalhamos honestamente. E é um trabalho digno.” Ainda reforça o papel fundamental que essa atividade desempenha. “Não é autônomo, nós trabalhamos todo dia. E nós aqui fazemos a limpeza da nossa cidade, e é município, é de doutor, é de professor, é de tudo. Então nós somos mesmo verdadeiros agentes ambientais.”
Ela também revela futuros projetos que pretendem desenvolver assim que o galpão estiver concluído, como a produção de vassouras feitas com garrafas PET. Antônia diz que já participaram de um curso e estão prontos para iniciar a fabricação, e deseja que os filhos dos trabalhadores também participem, para adquirirem conhecimento. “Esse futuro eu queria que fosse para os filhos dos catadores. Por exemplo, os que estudam de manhã fossem fazer à tarde, e os que estudam à tarde fossem fazer de manhã. Pra não ficar solto na rua, sem aprender nada, sem ter alguma coisa pra ocupar a mente.”
A presidente Antônia faz um apelo à conscientização da população, destacando a necessidade e importância da separação do lixo. Ela reforça que, ao contrário do material que vai para o aterro sanitário, o reciclável é um insumo de trabalho que se transforma em novos produtos. “O papelão vai virar papelão de novo, o PET vai ser derretido para virar outras coisas”, exemplifica, pedindo que a população separe vidro, papel, plástico, PET e latinhas para melhorar o processo de reciclagem e construção de um futuro sustentável.
Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, desenvolvido em parceria com a disciplina Laboratório de Produção de Texto I (LPT), chamado “Meu canto tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.