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Por Abner Carvalho, Helyh Gomes, Wallisson Santos | 10 dez 2018 |
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Motivo de polêmica por parte de alguns grupos tradicionalistas, a união homoafetiva é um direito assegurado desde 2011, quando o casamento ainda não era permitido. Decisão que passou a valer a partir de 2013. A discussão em torno disso esteve um pouco amena nos últimos anos mas passou a crescer com a legitimação do novo presidente eleito, Jair Bolsonaro, que possui um discurso contrário a união homoafetiva, o que gera algumas incertezas na sociedade quanto ao retrocesso da decisão, embora seja improvável qualquer declínio do que já se conquistou.
Em vigor a pouco mais de cinco anos, a resolução 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), já beneficiou até 2018 mais de 19,5 mil casamentos entre pessoas do mesmo sexo. A decisão, que também facilita a conversão da união estável em casamento, veio como forma de obrigar todos os cartórios a realizarem os matrimônios, uma vez que mesmo com o reconhecimento do Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2011, muitos órgãos se negavam a fazer o registro dos casais.
O advogado e professor de Goiânia-GO, Jeferson Vieira Barros Filho, explica que a decisão não é uma lei e foi aprovada com base no julgamento da Ação Direta (ADI) 4277 e da Arguição de Preceito Fundamental (ADPF) 132-RJ, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011, determinando que nenhum cartório pode se negar a consumar a cerimônia civil. Ele afirma também que o casamento homoafetivo tem o mesmo efeito que o hétero. “Todos os direitos [são] assegurados, inclusive de ordem de negociação, patrimonial e de poder familiar”, esclarece.
Nesse caso é possível ao casal o financiamento de um imóvel através da composição da renda familiar ou até mesmo a compra de um veículo no nome dos dois, assim como incluir o conjunge em planos de saúde e/ou dentário, por exemplo e até mesmo a pensão por morte. Portanto a decisão judicial, como “efeito vinculante”, como reforça o advogado, veio para preservar os direitos dos casais homoafetivos, que antes estavam desassistidos pela justiça.
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Igreja x Estado
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Entretanto, existe no Brasil vários grupos conservadores e que são contrários a obtenção desses direitos arduamente conquistados. A exemplo circula desde 2013, no congresso, duas petições que tentam anular a ordem do CNJ. São elas a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4966/DF e o Projeto de Decreto Legislativo, PDC 871/2013. Além disso há uma consulta pública no site do senado, em favor do Projeto de Decreto Legislativo, PDS 106/2013, de autoria do senador Magno Malta. Todas essas ações buscam sustar os efeitos do casamento homoafetivo, respaldados na ideia em defesa da família tradicional, onde o casamento só pode ser consumado por meio da relação entre homem e mulher.
Embora as consultas públicas não tenham vitalidade legal, elas servem como estímulo para a criações de leis. É uma forma do senado verificar o posicionamento da sociedade sob determinado tema. Entretanto, na votação que está em andamento, a maioria dos votantes são favoráveis a união homoafetiva. Estão contabilizados até a data desta publicação o total de 458.690 votos, dos quais 28.853 são favoráveis e 429.837 são contra o projeto de suspensão do matrimônio entre pessoas do mesmo sexo.
No que se refere a homofobia presente na sociedade brasileira, Jeferson, que é casado com seu esposo desde 2015, explica que nunca sofreu preconceito por sua orientação sexual, no entanto percebe que existe a intolerância por parte de alguns grupos, mesmo que velada. “Existe sim e a tendência é ele aumentar com a nova ideologia vencedora das últimas eleições que possuem o viés da redução dos direitos das minorias, em especial LGBT”, desabafa o professor.
Embora nem sempre seja possível a realização do casamento homoafetivo religioso com efeito civil, para quem assim desejar, algumas igrejas já contam com essa opção, principalmente nas capitais. É o caso do Ministério Inclusivo Avivar, em Manaus-AM, a igreja Cristã Contemporânea de São Paulo-SP, a igreja Inclusiva Comunidade Cidade de Refúgio em Natal-RN e também a igreja Cristã Anglicana, que depois de 21 anos de discussão, aprovou em Brasília-DF, a união homoafetiva em junho deste ano, através de uma votação com os representantes da religião no país.
Entretanto e sobretudo nas cidades menores, onde há a maior predominância de igrejas conservadoras, isso é uma realidade bem distante. Não quer dizer que parte dessas igrejas não acolham de alguma forma os membros LGBT’s, mas eles são impedidos de usufruir de todos os benefícios que os membros héteros têm direito. E o matrimônio é um deles.
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O padre Magno Marciete do Nascimento Oliveira, da Catedral Diocesana Nossa Senhora de Fátima, em Imperatriz-MA, explica que a igreja Católica não permite o casamento homoafetivo, embora não exclua os membros que possuem tal relação. “A igreja só tem uma forma de matrimônio, que é entre o homem e a mulher”, pontua o padre. Ele explica que para aqueles que são homossexuais, o aconselhamento da igreja é que estes se abstenham das relações homoafetivas, mesmo permanecendo com sua orientação. E justifica que essa é uma questão doutrinária a qual a igreja Católica segue. “Do ponto de vista jurídico, é interessante por que isso preserva os direitos daqueles que convivem juntos, independente de uma visão religiosa ou não”, pondera Magno.
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Vale lembrar que o Brasil é um país democrático e laico. Ou seja, em sua configuração política se espera, conforme ordena a legislação, que a religião não intervenha nos assuntos do estado. Desse modo, compreende-se que o casamento civil é como uma espécie de contrato, só que matrimonial, e que se não há distinção de sexo para que um cidadão pague seus impostos e que contribua com o país através do seu trabalho, é natural compreender que não deve haver objeção para que ele seja contemplado com mesmos direitos de todo cidadão, como o de comprar uma casa, de ter segurança, saúde, educação e se casar, independente de sua orientação. O advogado Jeferson explica que é improvável que haja retrocesso no sentido de anular a decisão favorável ao matrimônio, por pessoas homossexuais. “Inobstante, o ideal é que sejam garantidos os direitos, com a criação de lei específica regulando o assunto”, esclarece Jeferson.
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NOVA ETAPA
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Nós ouvimos dois casais homoafetivos para entender quais os seus posicionamentos a respeito do matrimônio civil. O primeiro é Larissa e Vanessa (nomes fictícios), que moram em Imperatriz, e que aceitaram nos relatar sua experiência sob sigilo, por medo de sofrerem com a homofobia. Elas esclarecem que resolveram morar juntas logo que se conheceram, há cerca de três anos. “Uma foi dormindo na casa da outra, aí foi ficando e estamos até hoje”, explica Vanessa. Elas relatam que, embora ainda não estejam casadas, pretendem oficializar a relação em breve. Pois reconhecem no casamento civil uma maior segurança para ambas, tanto com relação aos benefícios, como financiamento de bens, como a casa própria, e de serviços, como o plano de saúde. Mas também para estarem reguardadas, caso haja algum imprevisto. “Caso uma, Deus me livre, se acidentar!”, pontua Larissa.
Ambas ressaltam que temem um pouco por conta da homofobia, que elas acreditam ser forte na cidade, sobretudo por conta do seu tamanho. Inclusive exemplificam uma situação em que elas estavam de mãos dadas em um restaurante e um rapaz começou a encará-las. “Dá um pouco de medo, porque a gente não sabe o que vai acontecer, se vai sofrer alguma coisa.” Revela Andressa. Já Larissa, que é assumida para a família, justifica que o medo maior é de passar por situações de constrangimento em público, como as piadas de mal gosto e os xingamentos.
Vanessa acredita que embora nunca tenha sofrido preconceito e que ele não inibe o casamento, pode haver um distanciamento com sua família, pois eles não sabem de sua orientação sexual. “A família dela me aceita completamente. Para a minha ela só é minha amiga, que está presente em todos os momentos! Mas ela só é minha amiga.”, revela. E sua preocupação também se estende ao meio profissional. Ela teme ser alvo de chacotas, principalmente por seu superior. “Pois o meu chefe é muito homofóbico, e ele não sabe, mas fica perguntando: ‘ah, ela tem namorado?’, induzindo a eu responder, entendeu? Sempre solta uma piadinha”, desabafa.
No que se refere ao risco de haver retrocesso desses direitos, elas acreditam que embora haja o risco, por conta do discurso homofóbico que tem crescido na sociedade brasileira, esse direito não será cancelado. “Acho que é meio difícil. Por que vai criar praticamente uma guerra. Pois já está muito desenvolvido. Já foi lutado.” Ressalta Larissa, explicando que já existem muitos casais que oficializaram a relação e que é injusto, uns poderem se casar e outros não.
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Já o segundo casal, o funcionário público, Stallone Lima Vasconcelos, e o dentista e professor universitário, Arlley de Sousa Leitão, que moram em Teresina-PI, esclarecem que há um certo temor com relação à retrocessos no casamento homoafetivo, por conta da política atual. “Então, ficamos com esse receio das mudanças que podem vir. Mas, de qualquer forma, nós já temos a união estável reconhecida em cartório”, pondera Stallone, explicando que isso os deixa mais tranquilos.
Eles, que se relacionam há quase cinco anos e noivaram em 2016, ressaltam a importância do casamento para a garantia dos benefícios que o matrimônio traz, e que são assegurados por lei. “O que nos motivou foi a questão de partilhar a vida juntos, daqui pra frente, como um casal mesmo. Como qualquer outro casal.”, revela Vasconcelos.
Eles também não acreditam que o preconceito venha inibir o casamento. Embora se reservem mais hoje, em público, por conta da sensação de insegurança que, segundo eles, parece estar maior hoje do que antes, quando ainda havia uma “falsa sensação de segurança”, conforme explica. “Acredito que o preconceito, as pessoas nutrem contra a relação entre duas pessoas do mesmo sexo, né? Independente de ser oficializado ou não.”, esclarece.
No que se refere à relação familiar, eles esclarecem que embora sintam que exista o preconceito, mesmo que implícito, por parte de alguns membros que não são de vínculo direto deles, ambos sempre contaram com o apoio dos pais e dos irmãos, onde sempre são acolhidos. “Nós temos uma boa recepção dentro de casa, tanto eu como o meu noivo, sempre tivemos apoio e bastante cuidado por parte deles!” reforça Stallone.
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O COMEÇO
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No dia 27 de junho de 2011, o cabeleireiro Sérgio Kauffman Sousa e o comerciante Luiz André Moresi concluíram o processo de casamento em um cartório do interior de São Paulo. Os dois foram o primeiro casal no Brasil a conseguir esse feito em cartório, sendo os primeiros a garantir a união estável na justiça.
Com base na decisão de 2011, do então presidente do CNJ e do STF Joaquim Barbosa, a resolução que obriga os cartórios a concretizar os casamentos homoafetivos no país efetivou e assegurou um desejo que muitos casais e grupos LGBTS almejavam. Antes, em razão do que dizia o artigo 1.723 do código civil a união estável era um direito apenas do homem e da mulher, e com base nas interpretações do STF que alterou o sentido de “homem e mulher” foram criadas jurisprudências que possibilitaram que outros casais pudessem ter esse direito garantido.
Essa decisão do STF possibilitou aos casais de vários gêneros conquistas civilmente e de realização pessoal. O ativismo político e a busca por igualdade social pelos grupos LGBTS garantiram essa decisão do STF que tem efeito vinculante, ou seja, entendimento majoritário sobre determinado tema, e que preserva os direitos dos casais homoafetivos.
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