Nas sombras da gameleira: impressões de um mercado

Mercado de João Lisboa guarda muitas histórias

 Texto e foto: João Marcos dos Santos Silva

 Uma mistura de cheiros e cores toma conta do lugar. As lonas, quase todas de cor azul, tapam o sol forte quando vai se aproximando o meio-dia e as pessoas caminham por elas de cabeça baixa. De um lado está um senhor sem camisa, conversando com o vendedor de frutas e verduras, ambos de frente para as facas afiadas que descamam um peixe. É assim, tudo em um só lugar no Mercado Municipal de João Lisboa. Um misto de comércio e pessoas, que teve o seu início debaixo da árvore gameleira.

Francisca Nascimento da Silva, de 69 anos, entre uma e outra memória, relembra que a feira, diferente  do que se vê hoje, nem sempre foi no mesmo lugar. “Era lá naquela praça [22 de Dezembro], entre o hospital [Municipal] e aquela farmácia… Ali no meio, tinha uma feirinha, umas bancas. Tomavam aquele cantinho, no ponto do mototáxi, em frente ao hospital. Aqui era só mato em 61. Era Gameleira mesmo.” Os olhos hoje já um pouco falhos de dona Chica, como é conhecida, não se esqueceram daquela época, em que seguia feliz de casa para o mercado. “O Zuza sabia de tudo”, disse, lembrando que o já falecido esposo tinha uma barbearia que existe ainda hoje, tocada por um dos seus oito filhos.

O Mercado Municipal de João Lisboa se aquece, mesmo,  aos sábados. Durante toda a manhã, as barracas de madeira bloqueiam quatro ruas de uma só vez, mas isso não é por acaso. Construído na década de 1970 e inaugurado pelo prefeito Valdemar da Mota e Silva no dia 22 de outubro de 1973, o mercado é um espaço que abriga os mais variados produtos, desde roupas, galinhas caipiras penduradas de cabeça para baixo, até aquele famoso bazar em que, dizem, as roupas eram de pessoas já mortas.

Tamburete

Mas a “Feira”, como os moradores da cidade o chamam, não estaria de pé se não fosse a força de um senhor de 86 anos, sorridente e que cumprimenta a todos os que passam na rua. Gerônimo Raimundo de Sousa está sentado na cadeira de macarrão do outro lado da via, de frente para sua casa. Usa um chapéu de palha simpático e repreende com muito humor um menino que entra na casa de sua neta. “Era da prefeitura as barracas. Eu comprei do finado Oswaldo, aí tomei de conta.” Ele ainda relata que “o tal do Oswaldo” estava cansado de ter que montar as barracas, antes pertencentes ao poder público municipal e que, se Gerônimo quisesse, parcelaria o valor das bancas em até 10 anos. “Eu não sou jumento. Eu disse pra ele sentar no tamburete [bando de madeira com assento de couro]. ‘Se esfriar a gente não faz negócio’. E o tamburete não esfriou. Então desde aquele dia eu cuido das barracas.”

São mais de cem barracas de madeira que seu Gerôme, como é conhecido, monta e aluga juntamente com um jovem contratado. O trabalho se repete todas as sextas-feiras, das 14 às 20 horas, bloqueando quatro ruas e uma pequena praça. Até a sede dos Correios da cidade não escapa de ter uma barraca plantada na porta. Perguntado se as pessoas se incomodam com um monte de madeiras armadas tomando toda a via, ele afirma sorrindo: “Quem manda aqui sou eu. O prefeito me disse uma vez que não tem carteira assinada que compense o meu trabalho. Graças a Deus nunca tive problema com ninguém.”

Nova estrutura

No entanto, nem só de madeira viverá a feira. No dia 19 de abril de 2018, o Mercado ganhou um novo espaço, a “Feira Coberta João Lopes de Sousa (João Malica)”, nome esse em homenagem ao senhor “Malica”, que era um assíduo frequentador. Ao lado da antiga construção, a estrutura recente conta com 54 boxes divididos em setores que, mesmo sendo um pouco apertados, suprem as necessidades. Alguns feirantes saíram das barracas na rua e ganharam um novo espaço de trabalho sem precisar de lonas e pregos.

E o Mercado Municipal é isso: uma mistura do novo com o velho, em um eterno encontro do passado com o futuro. Lugar em que uma caixa de som no alto do poste toca a música “A Volta”, de Roberto e Erasmo Carlos, em ritmo de brega, enquanto algumas crianças correm entre uma barraca e outra: “Estou guardando o que há de bom em mim/ Para lhe dar quando você chegar.” O mercado sempre guarda os seus melhores produtos para quando os clientes, sempre fiéis, chegarem. E nesse mesmo ritmo, até as histórias de João Lisboa e das pessoas se unem com a da feira, pois ambas tiveram seu início nas sombras de uma gameleira.