Geração Canguru: cresce o número de jovens entre 25 e 35 anos que continuam na casa dos pais

Autoria: Gislei Moura e João Marcos

Pauteiro: Suzana Queiroz de Araújo

De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística), entre os períodos de 2014 e 2015, houve um aumento de 25,3% no número de jovens entre 25 a 35 anos que permanecem morando na casa dos pais. Cresce no Brasil a chamada Geração Canguru, que leva esse nome em comparação aos bebês cangurus que só saem da bolsa das mães quando se sentem prontos.

Lucas, 28 anos, ainda mora com a mãe: educação superprotetora

Autônomo, Lucas Nogueira de Oliveira, imperatrizense, 28 anos, ainda mora com os pais. Segundoele, não houve um motivo específico que o levou a continuar em casa. “Foi acontecendo”, afirmou. Porém, segundo ele, depois de ter participado de uma terapia chamada “Constelação Familiar”, um programa que se propõe a discutir padrões de comportamento nas relações familiares de cada integrante do grupo, sua visão quanto ao seu papel na família mudou. “Nesse momento vi que eu era superprotegido”, relatou.

Essa não é a realidade apenas de Oliveira, pois assim como ele, em Imperatriz existem 8.430 jovens da Geração Canguru, segundo o IBGE. Destes, 2.310 trabalham, ou seja, poderiam, se quisessem, ter sua própria casa e autonomia.

Mesmo trabalhando como corretor de vendas e produtor de conteúdos para a internet, Oliveira não se sente confortável em estar na casa dos pais, ainda que não dependa financeiramente deles. Porém, argumenta que não tem recursos suficientes para morar em outro lugar. “Não posso dar um passo maior que a perna ”, disse.

“O bom filho à casa torna”

Para alguns jovens, a necessidade de sair da casa dos pais está ligada a algum acontecimento inesperado. Este é o caso da supervisora de um departamento de call center, Allana de Sousa Bueno, 27, que após uma gravidez não planejada aos 20 anos saiu para morar com o seu companheiro na época. “Não precisa sair de casa, disseram meus pais”, conta. Entretanto, para a família de seu parceiro, era importante que eles assumissem a responsabilidade familiar.

O aumento nos gastos devido ao nascimento da filha foi uma das dificuldades que Allana encontrou ao ter que voltar para casa um ano depois, devido ao rompimento do relacionamento amoroso. Hoje, cursando o Ensino Superior e empregada, ela não se vê morando em outro lugar menos por questões financeiras e muito mais pela comodidade que possui quanto aos afazeres domésticos. “É bom demais quando chego e a comida já está pronta. Tenho amigas que saem do trabalho e vão para casa fazer almoço, cuidar da casa e dos filhos. E eu não preciso me preocupar com isso”, alega, dizendo, ainda, que tem uma rotina atarefada e por enquanto não tem planos para se mudar.

Allana com sua filha: depois da gravidez, a jovem retorna a rotina com os pais

Já para a atendente Maria Gorete Conceição da Silva, 45, a situação foi bem diferente: saiu para trabalhar em outro Estado e voltou após dez anos fora. “Pensei que não ia durar dois meses”, afirma. Conforme conta, ela retornou somente por causa dos pais, para cuidar e conviver com eles novamente. Maria contou que sua mentalidade mudou muito durante esse tempo que esteve longe, mas, de agora em diante, deseja permanecer junto à família.

O que as mães dizem

A psicopedagoga Tereza Nogueira de Oliveira, 49, mãe de Oliveira, conta que não se sente incomodada com a presença do filho. “A gente quer um ninho cheio e não vazio”, afirma. Em sua adolescência, Tereza já planejava sair de casa, mas isso só ocorreu quando ela engravidou aos 21 anos. Entretanto, no que diz respeito ao filho, ela revela ser protetora e ter medo do que pode acontecer quando ele sair de sua casa. “Não sabemos medir a força de um filho. A mãe sempre acha que é necessária”, diz. Ainda assim, ela reconhece que a experiência de morar só ajuda a desenvolver a maturidade e que cada um tem o direito de se lançar em desafios.

A preocupação, em muitos casos, é que os filhos não tenham como se manter. Por isso, Tereza ressalta que se sentiria mais segura se o filho tivesse uma formação, para garantir que ele não precisaria retornar. Para ela, o retorno muda muitas coisas, inclusive a relação com o pai. “O pai se vê realizado no filho. Se o filho fracassa, ele fracassa”, afirma.

Quanto à criação, ela reconhece que existe influência no modo como os pais educam os filhos. “Protegi demais”, confessa. Se pudesse voltar no tempo, ela conta que teria tido atitudes diferentes, tomado decisões que permitissem aos filhos terem mais autonomia.

Privacidade e relacionamentos

Uma das razões que impulsionam os jovens a desejarem sair de casa é a privacidade. Ainda que os pais permitam visitas ou deixem livre o horário de ir e vir, em algumas situações surgem conflitos. “Todo mundo fica privado de algumas coisas aqui em casa”, revela Tereza. Ela e o marido não proíbem a saída dos filhos e nem estipulam horários, entretanto, há alguns combinados entre os integrantes da família, como restrições a festas, reuniões de amigos e encontros amorosos dentro de casa.

Oliveira reconhece os limites. “Aqui não é motel”, brinca. Ainda assim, para ele é tranquilo e fácil administrar as relações sociais. Allana, porém, sente falta das liberdades que tinha quando morava fora e destaca a falta de privacidade como um dos malefícios de morar com os pais. Maria Gorete ressalta que, desde que seus pais conheçam as pessoas com quem ela se relaciona, não há problema algum. Mesmo que hajam limitações e, às vezes, conflitos e impasses, os três conseguem manter o equilíbrio entre o convívio familiar e as relações externas.

Cangurus ou Peter Pans?

Para o psicólogo Eduardo Silva Araújo, não existe uma idade certa para sair de casa. Segundo ele, a maioridade é algo cultural. “Não precisa existir uma idade. A pessoa deve sentir-se pronta para sair e entrar em convergência com a família quanto a isso”, afirma. Ele destaca que em algumas tribos, jovens aos 12 anos, por meio de rituais, atingem a idade certa para assumirem responsabilidades e, assim, se tornarem adultos. Em outras culturas é aos 18 ou 21, dependendo dos costumes de cada lugar.

A decisão de sair para morar sozinho gera autonomia na vida dos jovens, por terem que arcar com as consequências de seus atos e aprender a gerenciar seus recursos. Nessa situação, a pessoa busca afirmar sua independência e assim tentar se manter para que não precise retornar para a casa dos pais, o que para alguns deles, é algo mais constrangedor do que permanecer no lar. “Quando a escolha de morar fora de casa já vem junto com uma carga negativa de escolhas malfeitas, ela parece ser levada adiante como uma coisa que vem com um peso, com alguma sensação de negatividade”, afirma o psicólogo.

Gorete, 45 anos, ao lado da mãe: Ela voltou para morar com a família depois de já ter vivido sozinha

Quanto ao filho permanecer ou não muito tempo com os pais depende da dinâmica familiar. Alguns pais são superprotetores, e acabam interferindo negativamente na vida dos filhos desde cedo, evitando que passem por situações que geram maturidade. Porém, permanecer com pais que dialogam e incentivam os filhos a terem autonomia, pode ser algo benéfico. E, segundo o psicólogo, pais que tomam tais atitudes não terão filhos acomodados, dessa forma, sair de casa torna-se um acontecimento natural.

Ser um filho “canguru” não é o mesmo que ser um “Peter Pan”, ou seja, que sofra da Síndrome de Peter Pan. Jovens que sofrem com a síndrome costumam apresentar comportamentos de dependência e irresponsabilidade. Entretanto, ela não tem relação direta com aqueles que permanecem na casa dos pais quando adultos, pois está associada a alguns outros transtornos, como fobia social e ansiedade. Portanto, a saída do filho de casa se dá mais por uma característica das famílias e não da síndrome.

Por fim, para o psicólogo, o papel dos pais na formação de filhos “que saem da bolsa” é importante para que os “cangurus” possuam a capacidade de enfrentar situações reais e assim serem responsáveis por suas escolhas. Os pais devem começar desde cedo a separar sua vida da de seus filhos, aprendendo a aceitar aquilo que o filho é, orientando quando necessário, mas não o impedindo de ter experiê