“E foi aí que me encontrei”: a arte de fotografar

Fotógrafa Estela Brandão busca cenários diferentes

Texto e foto: Rafaete de Araújo

Estava tudo programado para mais um projeto temático, porém, por acaso do destino, modelo e estilistas desmarcaram. À medida que o dia se aproximava, nas últimas horas da véspera, ensaio confirmado, não seria algo com equipe completa. Mas suficiente para “eternizá-la”, como afirma Maria Estela Ferreira Brandão, ou somente Estela Brandão, 32 anos. Fotógrafa por vocação, ela lembra da sua ligação com a fotografia: “Desde criança tenho uma relação próxima. Gostava de reunir e ser a guardiã das fotos de família. Tive câmeras de filme, digitais e até Tekpix”.

Com simplicidade na fala e no olhar, Estela sempre se expressa na primeira pessoa do plural. Referência ao esposo, Brito Neto, ambos responsáveis pela Brandão e Brito Fotografia. Recebeu a todos com um largo sorriso e comentou que a composição seria “toda amarela”, destacando o vestido longo, da mesma cor, que a modelo usava e também as flores que iriam compor o cenário. A composição fotográfica é a organização harmoniosa dos elementos, como textura, cores, posição, enquadramento e outros, para transmitir uma mensagem.

Boca de Beyoncé

Eram pouco mais de 17 horas quando se iniciou o trabalho. O cenário improvisado por um minijardim de flores amarelas à frente de um matagal e com um pouco de entulho na beira de uma rua sem saída, tornou-se surreal com o céu límpido e o brilho radiante do sol. Estela posicionou a modelo para as primeiras fotos, orientando para onde direcionar o rosto, o olhar, o tronco, as mãos e os pés. A direção é responsável por garantir a comunicação e, naquele momento, a feminilidade da “informação”, termo utilizado para designar a pessoa que está sendo fotografada.

E assim, de frente para a modelo, Estela criou um mediumshot, plano comum de um enquadramento com uma distância média entre a câmera e o objeto, que ocupa uma parte considerável do ambiente. Registrou várias outras fotos, alterando a posição. Havia um ar de proximidade entre a fotógrafa e a modelo, mesmo sendo a primeira vez que se encontravam. Estela orientava-a chamando pelo nome, raras vezes isso não aconteceu. “Lorena, faz boca de Beyoncé”. E agradecia: “Isso mesmo”. Ou ainda: “Lorena, olha para mim…um olhar 43”. Virou e explicou: “Tenho um código com elas, ‘boca da Beyoncé’, ‘olhar 43’. Não sei como surgiu, mas nos entendemos”. A fotografia é um ato prazeroso para muitas pessoas, os olhos da modelo e os da fotógrafa, na câmera, demostravam um comum encanto. “Quando decidi fotografar, decidi que iria fazer o que me faz feliz. A vida fica mais leve, aprendi o significado de realização pessoal e sucesso”, confirma, com o seu jeito de olhar e segurar o equipamento.

“Olha que iluminação linda, gosto de fotografar nesse horário”. A fotógrafa mostrou o resultado toda empolgada, após um close-up, enquadramento do rosto da pessoa, quase que uma revelação dos pensamentos. Também chamado de primeiro plano, surgiu em 1913 no cinema e mais tarde foi incorporado à linguagem da fotografia. Porém, o encanto ia além da marcação perfeita, estava também na iluminação. Ela é responsável pela criação do efeito de luz ou sombra, deixando a imagem mais suave e marcante. A primeira fotografia foi produzida em oito horas de exposição de uma placa de estanho coberta por petróleo em 1826, por Niépce. Hoje, os registros são realizados por câmeras automáticas e vale a criatividade dos profissionais ou amadores.

Posicionou a menina sentada ali mesmo, sobre um pedaço de tijolo, e usando seus códigos – “suaviza a boca”, “deixa entreaberta”, “não se preocupe, não está ficando exagerada” – criava novas imagens. Mudava os ângulos, subia e descia nos entulhos, que serviam agora como suporte. E assim, os ângulos iam mudando, mais altos, mais baixos. Sentava também no chão para conseguir o enquadramento certo. Com um jeito brincalhão, comentou: “Depois dizem que vida de modelo e fotógrafa é fácil”.

Autoestima

O cansaço começava a tomar conta. Um ensaio completo tem uma duração de mais ou menos quatro horas. Primeiro é realizado um planejamento, com a escolha do tema, figurino, materiais necessários, local, a pessoa ideal e a projeção das cenas a serem registradas. O foco, hoje, é o ensaio feminino autoral. “Mulheres precisam entender o quanto são incríveis. Você vê o resultado. Além da fotografia, mexe na confiança, na segurança delas, se enxergam mais lindas e fortes. E foi aí que me encontrei”, explica Estela sobre sua escolha pelo ramo.

Após um diagnóstico de diabetes, Estela decidiu comprar um câmera melhor e levar mais a sério a fotografia. Fotógrafa há um ano, realizou dois cursos de curta duração na área, além de manter o estudo contínuo. Mesmo com esse pouco tempo de profissão, já emplacou obras em algumas exposições: na 4ª Edição do Bit – Festival de Fotografia da Incubadora de Artistas em Atibaia/ São Paulo; na 10ª Edição da Esman Cultural, da Escola de Magistratura do Maranhão e seguirá rumo à Bienal das Artes, do Sesc de Brasília, ainda em 2018.

Dos diversos ramos que a profissão disponibiliza, a fotografia artística é objetivo de estudo e treino. “Inicialmente não sabíamos o que fotografar. Vem o deslumbre inicial, um monte de gente te chamando pra fotografar de tudo e você vai na onda”, relatou, sobre o início da carreira. “Fomos experimentando, testando, estudando, vendo os obstáculos de cada segmento.” A fotografia artística ganhou espaço na arte contemporânea, caracterizada pelo fotomontagem, o abstrato e o tratamento digital, que está além dos fatores sociais, históricos ou factuais. Valorizando, assim, a visão estético-artística e possibilitando a exibição em museus e eventos variados.

“Olha, dá para tirar fotos lindas”, disse Estela, convidando a modelo  para um terreno com erosões provocadas pela chuva e tendo, ao fundo, um barraco amarronzado e com uma linha horizontal de pequenas pedras brancas. O sol já estava quase se pondo, era a hora perfeita. A opção por cenários e pela iluminação natural está relacionada ao baixo custo de produção, além da beleza, sem o artificial. Gold Hour, a hora de ouro, é quando o sol já está baixo e a iluminação fica suave, com um brilho interessante. Assim, criou uma imagem com a textura da parede e do chão em contraste com o amarelo do vestido e das flores. A luz foi aproveitada com diversos ângulos: normal, plongéé e contra-plongéé.

Depois de duas horas de alto e baixos, Estela estava cansada, mas seu olhar irradiava com a plenitude de mais uma missão cumprida. “Aprendi que tenho uma responsabilidade enorme com a imagem e a alma das pessoas. Eu irei eternizá-la, ela tem que se sentir bem. Eu tenho a obrigação de fazer o melhor e capturar o melhor dela”.

O sol se pôs.