Além das dificuldades, um empreendimento: acessibilidade no mercado de trabalho

Regea, maquiadora, tem distrofia muscular

Texto e foto: Henrique Andrade

Entre as diversas dificuldades encontradas por portadores de deficiência, o acesso ao mercado de trabalho é a mais comum. Embora existam leis que visam garantir a inserção dessas pessoas nas empresas de grande e médio porte, ainda assim permanecem obstáculos que distanciam esse grupo das atividades trabalhistas. A Lei da Contratação de Deficientes nas Empresas (LEI Nº 8.213/91) e a Lei do Menor aprendiz (LEI Nº 10.097/2000) asseguram o direito ao acesso no mercado de trabalho para portadores de deficiência, estando sujeita à multa a empresa que não obtém a porcentagem correspondente ao quadro de funcionários, ou que demite o portador por justa causa, sem que haja um substituto nas mesmas condições.

Anderson Pinheiro, 36 anos, nasceu com distrofia muscular e, com o tempo, perdeu 60% da visão. Cadeirante e filho de uma família tradicional com baixa condição financeira, assim como diversas pessoas que possuem deficiência, Pinheiro também teve dificuldade de conseguir emprego, e também para se manter no mercado de trabalho. Atualmente desempregado, ele conta que dificilmente encontra empresas que oferecem vagas para portadores de deficiência, e quando se consegue, muitas vezes já estão preenchidas ou são bastante disputadas.

Pinheiro afirma que buscar emprego não foi uma tarefa fácil, e se torna ainda pior quando se tem problemas que limitam a sua atuação no mercado de trabalho. “Nem todo mundo quer um aleijado na sua loja, empresa”. Mesmo depois de conseguir um emprego, as dificuldades não diminuíram. O preconceito, presente até no serviço, foi um dos maiores obstáculos que ele enfrentou, mesmo estando no nível dos demais contratados. “No último lugar que trabalhei, não conseguia me sentir bem ou me relacionar com os colegas de trabalho. É estranho, sabe? Quando você pensa que a parte mais difícil já passou, aí que você se surpreende. Ter que conviver diariamente no local de trabalho com pessoas que têm estampado na cara um olhar de menosprezo, é a pior coisa na vida de qualquer pessoa”, afirma.

Na teoria, seria comum encontrar portadores de necessidade com fácil acesso ao mercado de trabalho, isso porque há leis que garantem esse direito. Entretanto, Pinheiro nunca teve acesso a uma empresa que visasse melhorias para suprir as suas dificuldades. A sua última experiência profissional é marcada por desentendimentos, causados muitas vezes por falhas na acessibilidade às funções diárias, cujo direito não era garantido. “No meu último dia lá [no serviço] meu patrão me chamou pra conversar, disse que só o fato de eu não ser uma ‘pessoa completa’, viver chegando atrasado – isso porque até o transporte não colabora com a gente – não desempenhar algumas funções com a mesma eficiência e ter um baixo nível de conhecimento, era pedir pra ser demitido diariamente.”

A grande dificuldade de encontrar meios para se inserir na sociedade é um problema que vem crescendo ao longo do tempo, mesmo havendo políticas de inclusão. Acesso à educação, eficiência do transporte coletivo e oportunidades de experiência profissional, são pontos falhos que acabam gerando dificuldades maiores para adentrar no mercado de trabalho. Entretanto, apesar dos obstáculos, muitos vêem como solução a opção de abrir o próprio negócio, ou até mesmo realizar “bicos”, e fazer desses métodos uma oportunidade de mudar de vida.

Maquiadora

Regea Garcia da Silva Castro, 33 anos, funcionária pública no município de Davinópolis, (Maranhão), atualmente “encostada” pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, nasceu com distrofia muscular progressiva, mas só desenvolveu após os 17. A história de Regea, cercada de altos e baixos, é também marcada por conquistas. As dificuldades do dia a dia desde atividades mais básicas, como se vestir e pentear o cabelo, até as que requerem maior esforço, como subir uma calçada ou desviar de pedras, nunca foram motivos para que ela abandonasse a vontade de realizar conquistas.

Após ser afastada do cargo, Regea decidiu se dedicar ao que mais gostava de fazer, na tentativa de não ficar parada, dando no trabalho um espaço para uma paixão desde a infância. “Eu desde criança sempre gostei de maquiagem, aí comecei ver vídeos no You Tube, e comecei a aprender”. O apoio da família, e de amigos foram alguns dos motivos que a fizeram seguir em frente, visando novos ares, na tentativa de aprimorar suas técnicas e dar início ao seu novo empreendimentos. “Depois eu fiz um curso em Goiânia (Goiás) e comecei meu próprio negócio aqui na minha casa mesmo. Foi uma opção que encontrei, uma oportunidade de não ficar parada”.

Atualmente morando em Davinópolis, Regea é uma maquiadora profissional, trabalha com agendamentos, cuida do setor financeiro e administrativo do seu próprio negócio, e fez da sua dificuldade a sua marca registrada, passando por cima dos obstáculos e desempenhando as funções do cotidiano com a mesma eficiência de bons profissionais, adaptando-se às suas condições. “Quando as minhas clientes chegam pra se maquiar, elas já sabem qual a maneira que eu trabalho, a minha adaptação. Eu sento na cama, estiro as minhas pernas, boto um travesseiro entre as minhas pernas, a cliente deita, e aí eu consigo maquiar elas”, explica.

Apesar do método diferente, Regea afirma que a relação com as clientes é ótima e nunca houve desentendimento. Embora a harmonia e eficiência sejam fatores cruciais que garantem a sua clientela, ainda existem contratempos que limitam a realização do ofício que a profissional exerce, mesmo com todo o processo de adaptação. O trabalho com agendamento permite que Regea atenda no máximo quatro clientes por dia, devido às dificuldades que a profissional apresenta. Ela ainda conta que mesmo no antigo emprego, havia certos impedimentos que limitavam as suas dificuldades, pois o prédio não era adaptado para deficientes. Mas felizmente nunca sofreu algum tipo de preconceito, nem por clientes ou colegas de trabalho.

A ideia de levar adiante o seu empreendimento é uma decisão que de forma alguma Regea pensa em descartar. Seus planos futuros visam à implementação de uma nova loja ou até mesmo lançar uma linha de produtos, sempre aproveitando as oportunidades de qualificação que a vida oferece. “Tudo depende de como vai evoluir a minha doença, porque ela chega ao ponto de eu perder todos os movimentos dos meus braços. Mas eu tenho plano de ampliar o meu negócio, de colocar uma lojinha de maquiagem pra mim, e de fazer outros cursos de capacitação”, garante.

Ao pensar em sua trajetória, Regia deixa um recado para todas as pessoas que se encontram em situações semelhantes e carregam consigo alguma limitação ou as marcas de uma necessidade especial. “Um conselho que eu dou é que todos acreditem, que mesmo diante da diversidade tudo é possível.”