Repórter: Felipe Carneiro
Fotos: Thales Melo/Acervo pessoal
Na efervescente cena cultural de Imperatriz, o universo drag tem conquistado cada vez mais espaço. A arte drag tem raízes antigas, remontando ao período onde as mulheres não podiam atuar e os homens interpretavam papéis femininos. Com o passar dos anos, tornou-se uma forma de expressão artística e resistência da comunidade LGBTQIAPN+. Atualmente, as drag queens são ícones da cultura pop e símbolos de liberdade e aceitação. Uma forte representante desse movimento é a drag queen Ravenna Bombom, personagem interpretada por Thales Melo, 30 anos.
Formado em História pela Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul), Thales equilibra diversas atividades profissionais e artísticas, consolidando-se como um nome influente na região. A arte sempre esteve presente em sua vida e o teatro se tornou um dos seus grandes amores. Desde 2013, ele integra a Companhia de Teatro Okazajo, onde tem se destacado em diversas produções ao longo dos anos. Com 12 anos de experiência nos palcos, sua atuação reforça a importância da expressão artística como ferramenta de transformação social e pessoal.
Atualmente, Thales trabalha como funcionário público na área da saúde, atuando em um posto na Vila Redenção. Mas sua jornada profissional vai além: no período matutino, dedica-se ao setor de vendas, especificamente no ramo de consórcios. Paralelamente, ele exerce sua paixão pela maquiagem, atendendo clientes e explorando sua expressividade artística por meio da Ravena Bombom.
A arte drag permite a Thales explorar novas facetas de sua identidade, desafiando padrões e inspirando outras pessoas a se expressarem sem medo. ‘Muita gente acha que basta colocar uma peruca e sair dublando, mas não é assim. Tem todo um processo de construção, desde a maquiagem até a escolha do figurino, da música, da performance. Ninguém começa sabendo tudo. Eu lembro que, na minha primeira maquiagem, achei que estava arrasando. Mas um ano depois, quando olhei as fotos, percebi o quanto tinha evoluído. É um aprendizado contínuo. Sua identidade como drag não nasce pronta, ela vai sendo moldada com o tempo, com os erros e acertos”, destaca Thales. Nesta entrevista, o intérprete de Ravenna Bombom fala sobre o início da carreira como drag queen, os desafios, suas inspirações e motivações para continuar.
Imperatriz Notícias: Como nasceu a Ravenna Bombom?
Thales Melo: Eu nunca imaginei que me tornaria uma drag queen. Nunca cogitei essa possibilidade, porque a minha relação com a arte sempre foi muito voltada para o teatro. Mas, a Ravenna nasceu justamente dentro desse universo. Eu faço parte da companhia Okazajo [grupo de teatro voltado para a comédia] há 13 anos e, foi estudando teatro, que descobri o movimento drag. Foi um processo natural, uma curiosidade que foi crescendo até se tornar o que é hoje.
IN: Como foi o seu primeiro contato com o movimento drag?
TM: Foi através do estudo da história do teatro. Lá no passado, as mulheres não podiam atuar, então os homens interpretavam papéis femininos, e isso sempre me chamou atenção. Depois, quando comecei a estudar maquiagem para palco, conheci o programa RuPaul’s Drag Race [reality show de competição onde drag queens competem por um prêmio em dinheiro e o título de Drag Queen Superstar], em 2013. Aquilo abriu a minha mente! Fiquei fascinado pela forma como as drags usavam a arte para se expressar e pela grandiosidade dos shows. A partir daí, comecei a pesquisar mais, entender as técnicas, as referências, e me encantei de vez.
IN: Sua primeira performance foi como imaginava? Teve algum perrengue?
TM: Foi um verdadeiro perrengue! Na verdade, eu nem consegui me apresentar. A minha estreia estava marcada para um evento e eu estava super nervoso mas, ao mesmo tempo, animado. Só que, 40 minutos antes de eu entrar no palco, a polícia apareceu e simplesmente barrou o evento. Então, minha primeira “performance” foi, basicamente, ser vista e nada mais. Eu fiquei muito inseguro depois disso, porque já tinha toda aquela ansiedade de começar, e ainda veio esse balde de água fria. Fiquei uns dez minutos dentro do carro, sem coragem de sair, pensando se realmente deveria seguir com isso ou não. Foi um começo bem intenso.

E quando a sua arte começa a sustentar a sua vida, você entende que aquilo não é só um hobby,
IN: Quando você entendeu que ser drag poderia ser uma profissão?
TM: Foi algo que aconteceu aos poucos, porque, no início, eu via mais como uma diversão, uma forma de extravasar, de curtir o momento. Mas, com o tempo, comecei a receber muitos convites, fechar trabalhos regularmente e vi que precisava abrir mão de algumas coisas pessoais, como aniversários de amigos e datas comemorativas, porque os eventos aconteciam nesses momentos. Foi aí que caiu a ficha: a Ravenna estava pagando as minhas contas. E quando a sua arte começa a sustentar a sua vida, você entende que aquilo não é mais só um hobby, e sim um trabalho de verdade.
IN: Como define o seu estilo como drag?
TM: Eu nunca tentei encaixar a Ravenna em um único rótulo, porque acho que a drag é um reflexo da nossa vivência. O meu estilo vem muito das experiências que eu tive em festas LGBT nos anos 2000 e 2010. Meu foco sempre foi a pista de dança, o pop e a diversão. Eu não sou aquela drag que investe em looks super elaborados e mirabolantes. Para mim, o mais importante é estar confortável e conseguir me conectar com o público. Prefiro um visual mais acessível, que permita essa troca de energia sem barreiras.
IN: Quais são os desafios de montar um show e criar uma identidade única?
TM: O maior desafio é a dedicação. Muita gente acha que basta colocar uma peruca e sair dublando, mas não é assim. Tem todo um processo de construção, desde a maquiagem até a escolha do figurino, da música, da performance. Ninguém começa sabendo tudo. Eu lembro que, na minha primeira maquiagem, achei que estava arrasando. Mas um ano depois, quando olhei as fotos, percebi o quanto tinha evoluído. É um aprendizado contínuo. Sua identidade como drag não nasce pronta, ela vai sendo moldada com o tempo, com os erros e acertos.
IN: Existe alguma performance que foi marcante para você?
TM: Com certeza, a Bbemi Folia em São Luís, em maio de 2022. Foi um evento pós-pandemia, e eu estava muito ansioso, porque fazia tempo que não me apresentava em um espaço grande. Quando comecei a tocar, a pista estava meio vazia, mas, do nada, olhei para cima e vi que estava completamente lotada! Foi um momento muito forte para mim, porque foi fora da minha cidade, num evento grande, com outras drags e DJs já reconhecidos. Ali, eu senti que realmente estava conquistando meu espaço.
IN: Qual você acha que é o papel da arte drag na sociedade hoje?
TM: A arte drag tem um peso muito grande na sociedade. Eu vejo que, para algumas pessoas, é um caminho de descoberta, de aceitação. Para outras, é um meio artístico e profissional. Mas também tem a questão do impacto social. Eu, por exemplo, tenho acesso a espaços que muitas travestis e mulheres trans ainda não têm, e isso diz muito sobre o nosso papel. Hoje, eu não me vejo mais como militante, mas só o fato de ocupar esses espaços já carrega um significado. Cada drag escolhe o que quer fazer com a sua arte, mas, de qualquer forma, sempre haverá um impacto.

Hoje, eu não me vejo mais como militante, mas só o fato de ocupar esses espaços já carrega um significado.
IN: Como o público reage ao seu trabalho? Alguma história emocionante?
TM: O público é incrível! Eu já recebi muitas mensagens de pessoas dizendo que começaram a aceitar seus corpos depois de conhecerem a Ravenna Bombom. Isso me emociona muito, porque mostra que o meu trabalho tem um impacto real na vida das pessoas. Tem um fã de Goiânia que nunca me viu tocar ao vivo, mas já tentou me vender para produtores de lá, só para me ver um dia. Essas histórias fazem tudo valer a pena.
IN: Como sua família reagiu à sua vida como drag?
TM: No começo foi difícil. Minha mãe sabia, mas meu pai não, então eu não podia me montar em casa. Fazia isso na casa de amigos ou do meu namorado. Até que um dia não tinha onde me montar e precisei fazer isso em casa. Minha mãe não gostou, discutimos, mas eu me impus. Com o tempo, meus pais se separaram, e hoje minha mãe me aceita muito mais. Agora, ando montada pela casa sem problemas, e ela até dá palpites nos meus looks. Hoje, tudo é mais leve e tranquilo.
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