Bairro São José nasceu de correntes migratórias

Muitos foram os obstáculos, mas a fé e a união comunitária consolidaram a região

Celiane Barbosa

Localizado ao sul de Imperatriz (MA), o bairro São José é um dos mais antigos, tendo iniciado sua formação entre as décadas de 1960 e 1970, com ocupações organizadas por migrantes nordestinos — da Paraíba, do Ceará e até mesmo do interior do Maranhão. É o caso de José Gonsalves Pereira, de 75 anos, uma das primeiras pessoas a chegar. Natural de Caxias (MA), viu na região a oportunidade de melhores condições de vida e a abraçou. “Quando cheguei, só tinha a vereda, muito mato e poucas pessoas”, lembra. Boa parte dos lotes foi comprado de imobiliárias, e apenas um pedaço muito pequeno teve origem em uma ocupação.

José Gonsalves Pereira hoje, sentado à frente de sua residência: um sonho conquistado com muita luta, trabalho e muitas memórias afetivas (foto: Celiane Barbosa)

Na sua origem, o São José era chão batido, sem energia elétrica, apenas lamparina, água somente de poços em casa, ou cacimbas quando a pessoa não tinha, compartilhavam. O transporte muitas vezes era feito com animais ou bicicleta. Como na época não havia ruas, andava-se muito a pé, para conseguir pegar um ônibus ou carro e seguir para o Centro. Havia poucas pessoas no bairro e a necessidade de melhorias fez com que se unissem.

Lutas e desafios

Lucimar de Sousa, 65 anos, lembra que para lavar roupas ela e as amigas tinham de ir, uma vez por semana, a pé, para o Santa Rita, onde podiam pegar o ônibus para a Beira-Rio. “Pegava a trouxa de roupa e ia”, diz ela, lembrando que, dentro do ônibus, muitas mulheres carregavam trouxas. Lúcia (como é conhecida) morava no povoado de Cazuza, em Joselândia (MA). Veio para Imperatriz em busca de trabalho, pois lá era quebradeira de coco e viu na cidade uma oportunidade, há 36 anos. Foi aqui que conheceu seu esposo, constituiu sua família e adquiriu sua casa. No início, enfrentou muitas dificuldades, mas reconhece: “Hoje está muito bom. Nosso bairro tem de tudo.”

O Mercadinho era o local mais completo de comércio e próximo para comprar mantimentos. Leonice Carvalho Silva,70 anos, migrou de Pastos Bons (MA), com toda a sua família, no lombo de animais para Imperatriz, em 1960. “Eu era tão pequena que vim dentro de um jacá”, comenta. Em 1982, ela chegou ao bairro, que na época era só uma capoeira. Muitas vezes as pessoas falavam que era muito perigoso.

Como ela é uma das pioneiras, tornou-se uma das primeiras professoras, junto com Ana Ramos Pereira, Maria de Jesus e Maria do Carmo, todas já falecidas. Elas perceberam, na época, a urgente necessidade de alfabetizar crianças e adultos que viviam ali. A iniciativa foi ganhando força e, pouco tempo depois, nasceu a primeira escola infantil do bairro: Educação Infantil Educandário Arco Íris. Para os adultos, o ensino era oferecido por meio do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), um programa federal criado para combater o analfabetismo. Elas tiveram participação da Escola Santa Tereza, que ainda hoje continua em funcionamento. “Meu objetivo era que as pessoas aprendessem a ler”, relata.

Na sala de aula da escola Educandário Arco Iris, a primeira escola do bairro, alunos aprenderam a ler e escrever (foto: acervo pessoal)

Educação

Mas o esforço de Leonice foi além da sala de aula. Sensibilizada com a dificuldade dos adultos em ler e escrever, ela usou seus próprios recursos para construir uma pequena cobertura nos fundos de sua casa, onde passou a oferecer aulas de alfabetização.

Sua residência se transformou em um espaço de aprendizado e acolhimento, reforçando o papel social e humano que a educação pode desempenhar em uma comunidade. “Foi aqui que encontrei uma oportunidade, tive meu trabalho reconhecido. Foi onde encontrei uma família, e irmãos”, relembra, emocionada.

Professora Leonice hoje, com sua aluna Maria Júlia Moreira, da escola Mobral e Elivan Moreira Araújo, educação infantil (foto: Celiane Barbosa)

Elas também tiveram a iniciativa de trazer a primeira igreja católica. Começaram, então, a se reunir na Associação do bairro, que com o tempo foi ficando pequena para suportar as pessoas, para realizar as missas,. Na época foram falar com o Bispo Dom Affonso Felippe Gregory, para que começasse a igreja que antes nem terreno tinha. Ele marcou reunião para ver se realmente dava para fazer, então elas imediatamente foram atrás das pessoas, de casa em casa para que todos participassem. “Cada um levava sua cadeira, pois não tinha lugar pra todos”, lembra. Quando o bispo chegou, viu a quantidade de pessoas e imediatamente deu o cheque para comprar o terreno para a alegria de todos.

Houve muitas doações de materiais e foi organizado um mutirão tanto para a construção da igreja como da Associação. Os moradores lembram que na época da gestão do prefeito Ribamar Fiquene (1983 a 1988), muitos recursos foram alocados para o bairro. A energia e a água chegaram ao mesmo tempo, enquanto a participação comunitária e o trabalho voluntário contribuíram para o crescimento.

Desde sua fundação, o bairro São José sempre foi um lugar acolhedor e cheio de oportunidades. Isso fez com que muitas pessoas de outras localidades decidissem se mudar e abrir seus comércios na região. Embora, no início, agrupasse poucos habitantes, já se enxergava ali um grande potencial de crescimento e, de fato, muitos que apostaram na expansão tiveram sucesso.

Comércio

Um exemplo marcante dessa trajetória é a Farmácia Linhares, a primeira do bairro, que permanece em funcionamento até hoje. A responsável por esse marco é Raimunda Linhares Carneiro Duarte, hoje com 72 anos, mais conhecida como Didi. Desde jovem, ela alimentava o sonho de ter seu próprio estabelecimento. E foi ao conhecer a região que viu a oportunidade ideal para realizá-lo.

Antes de se mudar para Imperatriz, Didi trabalhou na Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), período em que adquiriu experiência com cuidados, medicação e tratamento de doenças. Com esse conhecimento, decidiu continuar cuidando das pessoas agora em um espaço seu: sua própria farmácia.

Na época, Didi morava na rua Paraíba, no bairro Juçara. Ao visitar o São José junto com o esposo, Raimundo Linhares Carneiro Duarte, que já faleceu, encantaram-se com o local e enxergaram ali uma grande chance. Compraram um terreno bem localizado e, após dois anos, construíram a casa e um salão na esquina — onde funcionaria a farmácia. No início, a estrutura era simples, de madeira, mas já demonstrava como propósito ajudar as pessoas.

Raimundo Linhares, proprietário e fundador, com sua neta Yasmim do Nascimento Tavares, dentro de sua farmácia (foto: acervo pessoal)

Naquela época, o bairro ainda não contava com posto de saúde nem Unidade de pronto Atendimento (UPA). Por isso, a farmácia se tornou referência. Muitas vezes, mesmo já estando fechada, as pessoas vinham bater na sua porta. “Ainda hoje tem gente que me liga ou vem até minha casa para eu orientar sobre remédios ou explicar como tomar a medicação”, afirma, feliz em poder até hoje ajudar as pessoas.

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, desenvolvido em parceria com a disciplina Laboratório de Produção de Texto I (LPT), chamado “Meu canto tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.