Arraiá do Deixe Queto retorna para alegrar o bairro Vila Cafeteira

Barracas típicas proporcionam uma fonte de renda extra para moradores locais

Stephany Apolinario

O som tocando as músicas que todos conhecem na “ponta da língua”. No meio da rua, as crianças dançam ou correm. Nas calçadas, as pessoas conversam, dão risada e os corpos se movem de um lado para o outro. O cheiro das comidas típicas, o chiado do pastelão fritando. Aplausos saúdam as exibições das danças, como o bumba meu boi, a capoeira e as juninas. Tudo compõe o cenário do Arraial do Deixe Queto, que acontece no meio da rua Tancredo Neves, no bairro Vila Cafeteira.

Crianças e adultos podem participar de quantos grupos pretenderem (Crédito: Acervo pessoal)

“Animar a nossa rua, trazendo o que a gente aprendeu com nossa mãe, festejar essa época maravilhosa que é o São João”. É assim que Tânia Fernandes, 39 anos, define os objetivos que a fizeram criar a festa junto com a sua irmã. Com olhos brilhando, ela relembra a época que era criança e participava dos festejos organizados por sua mãe. Assim surgiu o seu amor por essa época do ano. A festa recebe esse nome em homenagem ao pai da fundadora, Augusto Fernandes, que tinha esse apelido, por sempre falar essa frase. Segundo Tânia, ele era um homem muito conhecido, “animado e sempre estava fazendo bagunça”, o que combinava com a essência da confraternização.

A primeira edição aconteceu em junho de 2005, a segunda apenas em 2021 e a mais recente em junho de 2023. Tânia revela que ocorreu algo inusitado, durante apresentação da quadrilha no evento de abertura. “Participei e estava de resguardo do Wendel. Entrei e comecei a dançar”, comenta, referindo-se ao seu segundo filho. Durante as apresentações de 2023, quatro jovens que estavam assistindo entraram para dançar tanto na junina como na capoeira, surpreendendo a todos. Depois foi descoberto que não foi combinado, os garotos apenas se empolgaram.  

Público

Maria da Felicidade, 58 anos, foi telespectadora e ao mesmo tempo vendedora, na última edição. Sua barraquinha de caldo e chá de burro gerou uma renda extra. “Vendi muito, dessa última vez, deixei gente sem”, comemorou. Quando perguntada se já participou de alguma brincadeira do São João ou apenas assistia, respondeu: “Eu já dancei muita quadrilha”. Maria mora no bairro e na mesma rua onde acontece a festa, há 31 anos, mas salientou que apenas quando Tânia chegou é que o São João foi comemorado dessa maneira. Outros modelos ocorreram em seu tempo e ela acredita que deveriam voltar, pois eram “muito bons”.

Sentimento de satisfação tomou organizadores ao observarem público (Crédito: Acervo pessoal)

Os organizadores confirmaram que as barraquinhas de bolo, caldo, pastelão e cachorro-quente fizeram sucesso. Antes das apresentações das juninas começarem, todas já tinham esgotado o estoque. Como declarou uma convidada, as comidas estavam deliciosas. O público de aproximadamente 65 pessoas surpreendeu, já que foi maior do que em 2021 e indica a repercussão que a festa está tomando a cada ano.

A hora das apresentações, para Fabiana Sousa, 36 anos, é a melhor parte. Ela mora no bairro há apenas um ano e dois meses, porém, comentou que no seu antigo endereço, aconteciam festas semelhantes. Fabiana, que tem uma filha como dançarina da quadrilha, destaca a participação das crianças. “É bom, para elas se divertirem mais e também influencia em seu caráter”. Kaylane Vitoria,12 anos, a filha da Fabiana, conta que sempre gostou de assistir às juninas, mas participou apenas duas vezes, justamente quando chegou nessa rua. Ela considera que os passos são fáceis e revelou que as roupas para dançar são emprestadas.

Bastidores

As roupas utilizadas nas quadrilhas são obtidas a partir de doações e os organizadores informam que muitas vezes são necessárias adaptações para as pessoas que as usarão. “Fiquei até de madrugada mexendo nas roupas, por uns três dias”, comenta Tânia, que também é a costureira oficial. Três componentes conversam sobre quais serão os próximos passos do arraial, o que demonstra o amor pelo São João que eles têm em comum. O objetivo principal é apenas reviver as tradições antigas, sem ganhar nenhum dinheiro com isso.

Elifran Soares, 37 anos, que participa tanto das apresentações como dos bastidores, brincou que é mais difícil organizar do que dançar. E olha que ele desde cedo participava de alguma dança do São João. Outra colaboradora, Adriana de Sousa, 41 anos, diz que as suas motivações para incentivar essa ideia, foram “o amor pelo São João e a vontade de dançar”. Ela sempre esteve envolvida nas brincadeiras dessa época, porém com a chegada da maternidade e o casamento, deixou de lado os festejos. Quando o convite veio, tornou-se uma forma de continuar com aquilo que gostava.

Ensaios das apresentações ocorrem no mesmo local do arraial (Crédito: Stephany Apolinario)

Um pequeno menino surpreendeu a todos, quando fez o seu o pai o levar no local do ensaio da quadrilha, só para ter certeza que não estava ocorrendo, por conta do cansaço dos integrantes. Eles contaram que o garoto estava animado com toda aquela festa. Maria Cecilia, 10 anos, também faz parte da junina. “Quando escutava as músicas de quadrilha, gostava, e a tia Tânia me chamava, eu ia [aos ensaios]”, conta. E assim ela despertou o interesse pela dança. Aprender os passos foi difícil no começo, mas depois Maria pegou a prática.

Tânia expôs os seus planos para as próximas edições: “Seria bom se virasse tradição, todos os anos essa festa aqui na nossa rua”. Mas, por conta da falta de pessoas na organização, como ocorreu em outras ocasiões, pode ser que o objetivo não se cumpra. Os organizadores confessaram ser muito cansativo, principalmente para a fundadora, que é a costureira e ainda ensina os passos das apresentações. “Ano que vem vou ensinar um monte de gente a costurar para poder me ajudar”, planeja Tânia, revelando uma estratégia para a festividade continuar existindo.

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística, chamado Meu Canto Também é Notícia. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar histórias jornalísticas em seus próprios bairros. Essa é a primeira publicação oficial de todas, todos e todes.