Festividade regional atrai milhares e movimenta economia local
Emilly Castro
Realizado desde 1994, o Arrasta Pé é hoje um dos eventos mais emblemáticos do município de João Lisboa. Em 2024, completou 30 anos de existência e, em 2025, trouxe de volta antigas competições e estreou novidades que renovam o fôlego da festa. Com impacto social e econômico expressivo, se firma como uma porta de entrada na cultura popular joão-lisboense.
A tradição remonta a celebrações ligadas à Igreja e à comunidade, como aponta o jornalista João Marcos Silva, autor do livro “À Sombra da Gameleira”. Durante as pesquisas para a sua obra, ele descobriu que antigamente as festividades duravam cerca de uma semana e possuíam um forte vínculo religioso. Com o tempo, o arraial se transformou em costume quando foi incorporado ao calendário oficial da cidade, promovido pela Prefeitura Municipal e voltado à cultura popular.
Desde os anos 1990, passou a ser organizado como uma festa junina com grande adesão popular, incorporando quadrilhas, bumba meu boi, danças e músicas típicas e também atraindo público de cidades vizinhas, como Imperatriz e Senador La Rocque.
Pausa da pandemia
Em 2021, a tradicional festança precisou ser adaptada para o formato online, devido à pandemia da Covid-19. A iniciativa foi viabilizada por meio da Lei Aldir Blanc, garantindo que os artistas continuassem a se apresentar, mesmo diante das restrições.
Em 2022, voltou ao formato presencial com grande adesão popular. Segundo dados da prefeitura divulgados na época, mais de 20 mil pessoas participaram das celebrações.

A edição de 2024 foi marcada pelos 30 anos da celebração. Realizada no Parque Poliesportivo Sálvio Dino, a festa contou com três noites de apresentações culturais e shows, estrutura reforçada e com grande participação da população.
Em vídeo divulgado nas redes sociais da Prefeitura na época, o então gestor municipal, Vilson Soares, afirmou que a cidade sempre realiza grandes eventos, sobretudo no período junino, já que essa cultura irradia o Maranhão como um todo. Segundo ele, essa comemoração é uma responsabilidade coletiva mantida com prazer pela população. A edição também foi marcada pela presença de grupos locais e shows de artistas famosos no Norte e Nordeste.

A edição de 2025 não poderia ter sido menos atrativa. O tradicional festejo surpreendeu com a volta da competição regional de quadrilhas juninas, das disputas de noivos e rainhas e de outros formatos que estavam ausentes nos anos anteriores. As atividades movimentaram bairros e comunidades.
A retomada dessas ações populares tem sido apontada por organizadores e participantes como uma forma de valorizar as tradições locais e promover a integração social. Para eles, ao estimular a participação direta da população, o arraiá ajuda a resgatar a essência comunitária das festas juninas e fortalece o sentimento de pertencimento.
Além disso, o impacto econômico também foi expressivo. Dados divulgados nas redes sociais oficiais da Prefeitura estimam que cerca de 8 mil pessoas participaram da edição de 2025, movimentando mais de R$ 100 mil na economia local em apenas três dias. O efeito foi percebido em pequenos comércios como barracas de comida, lojas de roupas, costureiras e outros serviços que fazem parte do ecossistema das festas juninas.
Com o retorno de práticas tradicionais e o envolvimento coletivo, a temporada de 2025 foi vista por organizadores e participantes como mais do que uma continuidade das versões anteriores. Para muitos, a celebração marcou um recomeço simbólico, mostrando que a prática cultural pode evoluir sem perder sua identidade.
Memórias
Uma das quadrilhas mais tradicionais de João Lisboa, a Unidos pelo São João marcou gerações com suas apresentações no município. Fundada em 2018, a quadrilha junina foi um símbolo das festas locais, até encerrar suas atividades, em 2022. Apesar do fim, o grupo permanece vivo na memória afetiva dos moradores e ex-integrantes. O encerramento da junina também reflete mudanças nas dinâmicas culturais da cidade, evidenciando a necessidade de preservar manifestações típicas da região.
Madielson de Goveia Lima, ex-integrante da Unidos pelo São João e brincante há 25 anos, que participou ativamente de algumas das quadrilhas mais tradicionais da cidade, como Arraiá do Pau-de-Sebo, Arraiá da Gameleira e Arraiá da Matéria, lamenta o fim de algumas tradições e o desmembramento da Unidos Pelo São João.
“A tradição foi, infelizmente, acabando, acabando, até não sobrar mais nenhuma. Não tem mais nenhuma quadrilha aqui em João Lisboa, a última foi a Unidos pelo São João. Boi da Gameleira também era muito tradicional aqui na nossa cidade”, relembrou.

Fransoar dos Santos Carvalho, também ex-integrante e coreógrafo da Unidos Pelo São João, compartilha do mesmo sentimento de perda e destaca dentre os desafios de manter uma quadrilha, a persistência dos brincantes como um ponto importante. Além disso, também lastima a ausência de tradições que reafirmem esse costume popular.
“Essa identidade da pessoa sair de casa pra assistir, por exemplo, o bumba meu boi se apresentar foi se perdendo, porque não era mais o foco do arraiá e ‘estava virando um evento como qualquer outro”, comenta.

Fransoar também atua na Secretaria de Cultura, como Difusor de Gestão Cultural e Turismo. Sobre alguns dos desafios enfrentados na coordenação e elaboração do projeto, frisa que a infraestrutura é uma das grandes adversidades. “Eu acho que a parte mais complicada é organizar a logística. Porque todo evento que envolve pessoas tem que ser pensado em grande quantidade”, explicou.
Ele também destacou que a comemoração deve criar uma identidade cultural ainda mais forte para o município. “Pra gente entender cultura mesmo, como ela deve ser feita na base e não somente em shows, como ela vem se tornando”, reforçou.
A tradição vive
Mais do que uma simples festividade, o Arraiá do Arrasta Pé é, para muitos, uma memória viva. “As crianças ficam anestesiadas assistindo os espetáculos, querem colocar os arranjos na cabeça… Isso abre um leque de possibilidades pra elas se enxergarem como artistas”, observa Fransoar. Essa conexão afetiva entre público e cultura mantém acesa a chama do costume popular, mesmo em meio às mudanças.
A celebração dos 30 anos do evento, em 2024, marcou não apenas uma trajetória festiva, mas também um ponto de virada. A volta do concurso regional de quadrilhas e a participação ativa de brincantes e grupos culturais de fora da cidade reacenderam o sentimento de pertencimento e mostraram que ainda há espaço para reconstruir o que foi se perdendo com o tempo. “A ideia é tornar o concurso uma tradição fixa no calendário, porque isso fortalece a cidade”, reforça Fransoar.
Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, desenvolvido em parceria com a disciplina Laboratório de Produção de Texto I (LPT), chamado “Meu canto tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.