Arraiá de Francisca do Lindô completa 40 anos

Isis Dias

Evento marcado por danças tradicionais se mantém vivo no bairro Santa Inês

Vestindo uma camisa de chita estampada com cores quentes e usando um chapéu de cangaceiro, o locutor Luis Fernando, 60, apresentou o Arraiá de Dona Francisca em 2024, no dia 22 de junho. “É o meu segundo ano narrando essa festa e sou muito feliz por ajudar a manter viva essa cultura”, afirma, orgulhoso. Originado pela mestra Maria Francisca Pereira da Silva, o evento se mantém no bairro Santa Inês por quatro décadas e resgata danças tradicionais maranhenses.

Dona Francisca lançou o CD Batalhão Real produzido por músicos locais (foto: divulgação)

Nascida em Caxias do Maranhão, Dona Francisca chegou em Imperatriz em 1976 e apresentou para a cidade as danças de Lindô e Mangaba. O quintal de sua casa tornou-se uma sala de aula para ensinar as tradições que ela ajudou a popularizar na cidade. Em junho de 2017, Dona Maria Francisca do Lindô se despedia da família e amigos, mas deixou o seu legado e a inspiração para cultivar a cultura imperatrizense.

Em 1984, o balançar de Maria Francisca saiu do fundo de sua casa para a rua. A festa deveria ser apenas uma dança para celebrar o seu aniversário, mas tornou-se um  evento que é comemorado até os dias atuais no bairro Santa Inês. Para Luis Fernando, amigo da família desde 1995, a festa merece mais reconhecimento, o que foi visto no início do século, com o apoio da prefeitura. “Lá para 2001, o Lindô e Mangaba estourou na cidade, porque era mais incentivadas as tradições por aqui”, relembra.

Tradição

José Regivaldo, conhecido como Régis, é filho da precursora do Lindô em Imperatriz e cresceu assistindo os ensaios que aconteciam na sua própria casa. Desde pequeno, já demonstrava interesse pela dança, mas devido à sua pouca idade, ele passou um tempo apenas observando as rodas no quintal. “Quando eu completei cinco anos de idade, minha mãe me deu a oportunidade de dançar e estou fazendo isso até hoje”, recorda. A partir desse momento, iniciou sua história dentro do Batalhão Real, grupo criado por dona Francisca para perpetuar a tradição trazida do leste  do Maranhão. Assim como ela aprendeu as coreografias no meio familiar, Régis também  pretende multiplicar essa vivência para os seus filhos.

Régis (esquerda) coordena o grupo de dança e mantém vivo o legado de sua mãe (foto: divulgação)

Para preservar a herança cultural da mãe, Regivaldo enfrenta algumas dificuldades. “Precisamos trocar de figurino de dois em dois anos e o pouco cachê que conseguimos, as vezes, não dá para fazer isso”. Além das roupas, o transporte para levar os dançarinos às apresentações também é difícil de conseguir. Apesar desses desafios, o coordenador do grupo segue em frente para persistir com a dança que atravessa gerações. “Nós, fazedores de cultura, fazemos isso porque gostamos, não porque vai enriquecer, mas para manter o nosso legado.”

Pedro Alves, 21, acadêmico de engenharia civil, também valoriza e reconhece a importância da dança e do evento para a comunidade. “Essa é a época do ano em que eu mais vejo o bairro unido e interagindo para fazer essa tradição linda permanecer”. Sua família participa da festa todos os anos, o que fez ele crescer acompanhando também o crescimento do arraiá. “Saí do ventre já correndo nesse lugar e isso aqui acontece desde que eu me entendo por gente”. Apesar de sempre apreciar as apresentações, esse foi o primeiro ano que ele decidiu fazer uma barraquinha de comida.

A festa é rodeada por mesas cheias de comidas para serem vendidas pelos moradores do bairro. Pipoca doce e salgada, crepe, misto, chá de burro, espetinho e doces, como paçoca e pé de moleque, compõem o banquete da noite. Nos cantos, é montado um pula-pula para entreter as crianças e um paredão de som para comandar toda a noite. Mas, a principal atração encontra-se no centro do evento.

Grupo Batalhão Real está na ativa há quatro décadas (foto: divulgação)

A Rua da Paz é coberta por bandeirolas que decoram o chão de areia para receber o espetáculo do Batalhão Real. As saias longas e floridas para as moças, as camisas xadrez para os rapazes e as músicas tocadas durante a apresentação são o que torna vivo o legado da dança de Dona Maria Francisca. O grupo já encarou o preconceito no passado, mas resiste em cada dificuldade com muita força. “Quando começamos foi difícil, já aconteceu de fazermos apresentação na Praça da Cultura e as pessoas descriminarem com falas preconceituosas”, lamenta Régis.

O que antes já foi motivo para intolerância, hoje recebe o apoio,  sobretudo, dos moradores do bairro Santa Inês. “Hoje, a população abraça mais o nosso movimento, porque já conhecem o tradicional Arraiá de Dona Francisca”, diz Régis, comparando o passado com os dias atuais. Para ele, o evento já é preenchido por uma comunidade que garante sua presença e aguarda pela festa todos os anos. “Esperam sempre, não só pela nossa apresentação de Lindô, mas também pelas demais, que fazem o nosso arraial acontecer”.

Além de Lindô e Mangaba, o evento também é palco para outras atrações. O bumba meu boi, representação do São João maranhense, marcou presença no Arraiá de Dona Francisca. Atravessando 14km de distância para chegar na festa, o grupo folclórico do bairro Conjunto Vitória encanta a noite junina do Santa Inês. Com 28 anos de história, o Boi Vitória, assim como a dança do Lindô, é símbolo da resistência cultural de Imperatriz. As fitas nos chapéus, as roupas coloridas, os pandeiros e o homem vestido de boi encerram as apresentações chamando o público para dançar as toadas, estilo de cantigas regionais formadas por rimas e estrofes.

Bumba meu boi do bairro Conjunto Vitória também veio para a festa (Isis Dias)

Ao final das apresentações, a comunidade é convidada por Luis Fernando para dançar no centro da rua. O paredão de som ecoa estilos musicais diversos, como forró, modão e o reggae. “Gosto muito dessa interação do bairro, que não acontece sempre, mas todo ano se encontram aqui para curtir esse momento juntos novamente”, destaca Pedro Alves, alegre pela tradição de Dona Francisca ainda viver no Santa Inês.

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, chamado “Meu canto também tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.