Sem distribuidora local e cercados por telas, os quatro últimos jornaleiros da cidade transformam seus quiosques em conveniências para evitar que a cultura do impresso vire apenas memória.
Por Laécio Rodrigues
Houve um tempo em Imperatriz em que as bancas de jornais eram pontos de encontro obrigatórios e estavam por toda parte. A presença da banca de revistas era sinônimo de rotina matinal: abrir, organizar as pilhas de papel e entregar notícias que moldavam a opinião pública. Na época, as prateleiras ostentavam exemplares disputados da Superinteressante, Mundo Estranho, Veja e Istoé, além de fascículos colecionáveis que educavam gerações e muitos Gibis. Mais do que vendedores, figuras como Ivanilson Albuquerque, João Lopes e Gleiciane do Nascimento eram mediadores da informação. Mas, com a queda da circulação impressa e o avanço das telas, essa tradição enfrenta hoje um desafio existencial em uma cidade com quase 300 mil habitantes, restam apenas quatro bancas em atividade.
Hoje, quem busca por essas tradicionais bancas de revistas encontra uma realidade diferente. Para manter as portas abertas, a notícia deixou de ser o carro-chefe. O que se vê nas prateleiras é uma reinvenção forçada: onde antes reinavam as manchetes, agora o espaço é disputado por recargas de celular, doces, serviços de xerox e até água de coco. Como alerta o dono da Revistaria Imperatriz, Ivanilson Albuquerque, “É uma coisa que está acabando, estão acabando com a cultura do povo”. Não é apenas o papel que some, mas tudo que um dia foi comum se dilui, enquanto a logística de distribuição local desmorona e obriga os jornaleiros a improvisar para não fechar as portas.

O fim das distribuidoras
A crise do impresso não é apenas um fenômeno de grandes centros urbanos, mas uma realidade que se manifesta de forma profunda em Imperatriz. O cenário acompanha uma tendência nacional, onde 56% das editoras brasileiras já se consideram digitais, e apenas 44% mantêm o foco principal nas edições impressas, segundo um censo da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e da Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER). E com tudo isso, o cenário se agrava devido ao isolamento logístico do setor.
Gleiciane do Nascimento, que comanda a Banca do Pedão há 17 anos, expõe a ferida aberta do setor de distribuição de revistas, “A cidade não conta com uma distribuidora de revistas há cerca de cinco anos. A gente poderia ainda estar vendendo alguns produtos que têm clientes fixos, mas não tem. A distribuidora fechou e o produto atualizado não vem mais’, relata.
O resultado é um mercado que parou no tempo. João Lopes, da Revistaria Brasil, confirma que a queda nas vendas ultrapassou mais de 50% justamente pela falta de novidades. “Não está vindo mais revista nova, atual. Só revista mais antiga”, lamenta ele. Para manter algum produto, os jornaleiros precisam improvisar pedidos individuais de outros estados, como o Pará, assumindo sozinhos os riscos de não vender os produtos.
O resultado dessa migração e o crescente interesse do brasileiro pela internet e redes sociais se refletem no comércio local. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil de 2024, o percentual de pessoas que afirmam ler jornais e revistas impressas é de apenas 21%. A pesquisa mostra que a leitura de notícias e informações migrou majoritariamente para o universo digital, com 61% dos usuários de internet mencionando essa atividade online, reforçando o cenário de que o futuro da informação está nas telas.

Banca na palma da mão
A principal ameaça ao comércio tradicional não é apenas logística, mas tecnológica. Hoje, as mesmas publicações que antes enchiam as prateleiras físicas são oferecidas como ‘bônus’ em planos de telefonia móvel. As grandes operadoras transformaram o smartphone em uma banca digital, com aplicativos como Claro Banca, Tim banca virtual e Vivo News, que reúnem centenas de edições de jornais e revistas sob uma única assinatura.
Essa facilidade, no entanto, é vista com dúvida por quem vive do papel. Para Ivanilson, a migração para o digital trouxe perdas que vão além do faturamento, “Hoje em dia, quem sabe escrever correto no online? Não tem. A pessoa escreve do jeito que fala”, critica. O jornaleiro argumenta que a tecnologia tornou o leitor “preguiçoso”, dependente do corretor automático do celular, enquanto a leitura física exigia mais atenção e gramática.
Do outro canto do centro da cidade, João Lopes reforça a preferência pelo impresso, “Melhor o papel na mão. No celular a pessoa não lê direito”, defende. Mesmo assim, a conveniência das telas é inegável. Plataformas de bancas digitais como GoRead, UOL Leia+, Bebanca, AYA Bancah funcionam como agregadores que competem diretamente pela atenção do leitor, oferecendo um acervo gigantesco que, infelizmente, nenhuma banca física conseguiria comportar.

Resistência no balcão
Para sobreviver, os quatro jornaleiros que ainda restam transformaram seus quiosques em verdadeiras lojas de conveniência. Na Revistaria Brasil, João Lopes admite que a venda de água de coco, balas e salgadinhos é essencial para manter o negócio. Já Ivanilson, na Revistaria Imperatriz, apostou nos serviços de escritório, “Hoje eu já trabalho com xerox, impressão e plastificação”.
Na Banca do Pedão, a regra é clara: “Tem que se virar”, resume Gleiciane, que vende de recargas de chip a sorvetes. A fragilidade do setor fica ainda mais evidente na quarta banca da cidade, a da Luzenir, na Praça da Bíblia, a proprietária mantém o quiosque aberto apenas esporadicamente, pois precisa dividir o tempo com outro emprego para garantir a renda.

Mas, entre um chiclete e uma impressão, a resistência cultural ainda respira em nichos específicos. Curiosamente, o mesmo excesso de telas que ameaça o setor também gera uma pequena demanda de retorno ao papel. Gleiciane nota um movimento sutil de pais que buscam gibis e revistinhas de pintar justamente para desconectar os filhos. “A pessoa tem aquela preocupação de tirar a criança do celular e tenta botar pra ler”, observa a jornaleira.
Além do público infantil, as palavras cruzadas e revistas de passatempo (como a Coquetel) mantêm um público fiel. É nessa passagem de geração para geração e na busca por atividades que “descansem a mente” que as bancas encontram seu último fôlego de legitimidade para que foram criadas.
Apesar da reinvenção diária, a perspectiva de futuro para esses mediadores da informação é de um fim anunciado. Ivanilson é realista, seus filhos “não querem mexer com isso”, buscando outros caminhos longe do balcão. O sentimento é compartilhado por Gleiciane, que vê a provável extinção das bancas como consequência de uma cultura que “ficou esquecida” na cidade e não foi repassada adiante. Mesmo João Lopes, com seus mais de 20 anos de profissão, admite que “mais para frente vai acabar”. No entanto, enquanto as portas puderem ser abertas, todos eles garantem que permanecerão lá até o fim. “Vou ficar até quando der”, promete João, resumindo a resistência silenciosa de quem se recusa a deixar a última página ser virada antes da hora.
Onde encontrar as bancas
Revistaria Brasil
📍 Avenida Getúlio Vargas – Centro, esquina com Rua Pernambuco – Praça Brasil
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Banca do Pedão
📍 Avenida Getúlio Vargas – Centro, esquina com Rua Paraíba – Praça Brasil
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Revistaria Imperatriz
📍 Rua Rui Barbosa – Centro, esquina com Coriolano Milhomem
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Banca da Luzenir
📍 Rua Leôncio Pires Dourado – Bacuri – Praça da Bíblia
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