A marca de um trauma

A esquizofrenia é o transtorno mental mais recorrente entre as mulheres atendidas no CAPs

POR HUGO PEREIRA DE SOUSA LEITE, PATRICIA DA SILVA ARAÚJO E SILVANA BEZERRA COSTA

Na cidade de Imperatriz, de acordo com o levantamento feito nos registros de atendimento do Centro de Atenção Psicossocial (CAPs), foi constatado que a quantidade de mulheres que sofrem de transtornos mentais é maior que a quantidade de homens. Os transtornos mentais são caracterizados por uma combinação de pensamentos, percepções, emoções e comportamento anormais. No registro de agendamentos, entre o mês de agosto e o mês de setembro de 2018, 29 homens e 51 mulheres, com sintomas de algum transtorno mental, foram atendidos no Centro de Atenção Psicosocial (CAPs). Os números mostram que há mais mulheres que homens com transtornos.

Nos registros de consulta médica no mês de julho, foram examinados 65 homens e 60 mulheres e, no mês de agosto, houve um acréscimo significativo e alarmante na quantidade de mulheres diagnosticadas com transtornos mentais. Por exemplo, foram 162 homens e quanto às mulheres foram 297. As doenças mentais se dividem em cinco grandes grupos: deficiências mentais, neuroses, demências, psicoses e os transtornos de personalidade. Entre as mulheres atendidas no CAPs, a esquizofrenia, doença mental que faz parte do grupo das psicoses, é o transtorno mais recorrente.

O indivíduo que sofre com essa condição apresenta alterações comportamentais e do contato com a realidade, os sintomas mais característicos são principalmente as alucinações auditivas. Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), a esquizofrenia afeta 1% da população mundial com idade entre 16 e 30 anos, no Brasil acomete aproximadamente 25 milhões de pessoas. Geralmente tem início no fim da adolescência ou no começo da vida adulta. De acordo com a enfermeira Gleiciane Cunha Madeira de 35 anos, que trabalha no CAPs III há dez anos, a instituição tem recebido muitas mulheres com automutilação e que esse comportamento resulta de muita dor, causada por traumas não superados na infância.  “Nós estamos recebendo muitas mulheres com automutilação, e eu costumo dizer que há dez anos atrás eu não atendia tantas mulheres com automutilação, e isso vem de muito sofrimento interno,” analisa a enfermeira.


Os casos de esquizofrenia nas mulheres tem uma evolução lenta e mais tardia

O PAPEL DA FAMÍLIA

De acordo com o psicólogo, Luiz Alfredo Costa Freitas, 60 anos, os casos de esquizofrenia tem uma evolução mais lenta para as mulheres e mais tardia. A mulher que tem esquizofrenia é mais vulnerável do que o homem, que sofre essa mesma condição. Ela pode ser facilmente enganada ou abusada e é responsabilidade da família perceber e buscar tratamento para ela, porque a pessoa esquizofrênica, não tem como procurar ajuda, pois não entende ou não percebe que precisa de cuidados.

“A pessoa que está com esquizofrenia não percebe isso, quem tem que perceber são os familiares, isso não é responsabilidade do esquizofrênico. Isso é responsabilidade da mãe, do irmão, do pai. Começar a perceber que aquela pessoa está falando coisas que não condizem com a realidade”, explica o psicólogo.

A dona de casa, Olinda Barros Vieira, tem 37 anos, é mãe de uma moça de 18 anos, que sofre com transtornos desde pequena, mas foi aos 17 anos que ela teve o seu primeiro surto, depois de descobrir que sua mãe estava grávida, e desenvolveu uma depressão. A mãe diz que não tem coragem de deixar a filha sozinha, pois sabe que ela não tem “juízo”, além de ter medo de que alguém a maltrate. Olinda relata que a filha nunca bebeu ou fumou, quando não está em crise se comporta como uma pessoa normal e sóbria.  Além da filha, a mãe e irmã de Olinda também sofrem com transtornos mentais e ela é a responsável por todas elas. “O doutor disse que não sabe como é que eu ainda não surtei, eu disse que é porque Deus não deixa, porque se eu surtar quem vai cuidar de nós?”, comenta a mãe.

Segundo Marcio Sousa Silva, de 33 anos, que trabalha como cuidador no CAPs há mais de um ano, se a mulher com transtornos mentais não contar com a compreensão e o carinho por parte da família, o tratamento pode se mostrar ineficaz, pois os pacientes, na maioria das vezes, não querem tomar o medicamento, e se os familiares não forem vigilantes 24 horas por dia, eles podem não seguir o tratamento dos medicamentos como se deve.

“Tem pacientes que recebem o comprimido, colocam na boca, bebem água, fingem que engoliram e quando a gente vira as costas eles jogam o comprimido fora,” afirma Silva. Para o cuidador, a parte mais difícil do seu trabalho é quando tem que conter um paciente que surta e fica descontrolado. O caso que mais o marcou foi o de uma mulher de mais ou menos 30 anos que teve um surto e foi levada ao CAPs por seu marido, ele teve que segurá-la para que ela recebesse a medicação, enquanto o seu marido chorava ao observar a sua esposa naquela situação.

 TRATAMENTO NO CAPS

De acordo com o órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), entre 75% e 85% das pessoas que sofrem desses males não têm acesso a tratamento adequado. No Brasil, a estimativa é de que 23 milhões de pessoas passem por tais problemas, sendo ao menos 5 milhões em níveis de moderado a grave. Em Imperatriz, o atendimento de saúde mental é realizado no CAPs III, o centro específico que trata os casos mais graves de pessoas que sofrem de transtornos mentais. Para conseguir um atendimento é necessário um encaminhamento de um profissional na área da saúde.

Conforme a coordenadora do CAPs III, Raymara Costa Lima, de 29 anos, a equipe de apoio que faz o tratamento dos pacientes conta com psicólogos, educadores físicos, nutricionistas, psicopedagogos, assistentes sociais, cuidadores e enfermeiros. O local dispõem de dez leitos para os pacientes em estado grave, mas geralmente acolhe entre quatro e cinco pessoas. Segundo a coordenadora, é muito raro ter dez pacientes no acolhimento. Homens e mulheres dividem o mesmo espaço e, embora o número de mulheres com transtornos supere o número de homens, eles são maioria entre os acolhidos.

O tratamento com medicamentos é eficaz, mas não basta, é necessário que o paciente seja acompanhado por um psicólogo para ajudá-lo a lidar com essa situação, precisa de enfermeiro para ajudá-los a tomar a medicação, de um terapeuta ocupacional, que os ajude a se integrar na sociedade e de um assistente social, porque muitas vezes essas pacientes entram em condições difíceis de sobrevivência. Com o tratamento adequado e suporte social, as mulheres afetadas podem voltar a ter uma vida produtiva e integrada à sociedade.

*A reportagem especial foi produzida para a disciplina Técnicas de Reportagem, do curso de Jornalismo (UFMA Imperatriz), semestre 2018.2.