Jornalista, escritora e assessora de comunicação comenta os desafios da profissão
Déborah Barbosa
Geovana Martins
Isis Dias
Laís Rocha
Lisandra Oliveira
Luana Santos
Melissa Sophie
Miqueias Razias
Vitória Guajajara
“Não é só questão de ser um jornalista humano, mas de ser uma pessoa humana”, declara a jornalista, escritora de livro-reportagem e assessora de comunicação da prefeitura de Imperatriz, Viviane Reis Silva, 28 anos. Em entrevista coletiva aos estudantes do primeiro período do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), no qual se formou em 2022, ela compartilhou seu ponto de vista sobre como praticar o jornalismo humanizado em meio a tanta descrença na profissão.
Natural de Imperatriz, dedicou seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) ao livro-reportagem “Que terreno somos nós?: Retratos da rua Campos Santos, Imperatriz, Maranhão”. O tema central da obra é a vida dos residentes de uma via marcada pela reputação de violência e marginalização. “Além de abrirem o coração, abriram suas casas para mim”, afirma a jornalista, sobre sua experiência com os moradores da rua Campos Santos, antes conhecida como Buraco Fundo.
Viviane sempre teve uma paixão pela escrita e fotografia, mas reconhece que os docentes foram os principais motivadores para sua formação. “O que me marcou foi encontrar professores que me ajudaram muito a entender que o jornalismo era para mim, que realmente eu estava na área que eu sempre sonhei”. Apesar desse apoio na graduação, a jornalista ainda enfrentou muitos desafios na área da comunicação.
Durante a faculdade, Viviane chegou a se sentir confusa em relação à sua futura profissão. “Eu não me via como jornalista nessa época”. No terceiro período, precisou fazer uma matéria com a qual não se identificou, o que fortaleceu os questionamentos e sentimentos de inferioridade. Com o passar das aulas, Viviane percebeu que era normal não se encontrar em todas as áreas e constatou que gostava de redigir textos mais profundos, conhecimento fundamental para sua trajetória. “E aí eu comecei a entender que, na verdade, não era que eu era burra, incapaz, mas que não era a minha forma de escrever”, explica.
Em 2020, surgiu a oportunidade para uma vaga de trabalho como social media e marketing político. Esse novo desafio tornou-se o início de uma carreira cheia de histórias, aprendizados e conquistas. O principal problema encarado foi ter que lidar com a expectativa de que o mercado de trabalho seja semelhante à graduação, na qual há espaço e liberdade para colocar em prática o que se aprende em sala de aula.
Com esse impasse, entendeu a importância de experimentar áreas que não estava acostumada. “É frustrante, às vezes, mas é muito bom também, porque eu consegui ter outras habilidades”. Antes, ela não sabia editar uma foto, mas depois desse trabalho aprendeu sobre edição, design, filmagem e fotografia. “Eu sou várias funções em mim, tudo eu sei fazer um pouco”, diz, realizada.
Convivência
“Eles viam as cruzes e os túmulos, mas não sabiam que toda a região era um cemitério”, comenta Viviane, sobre seu livro “Que terreno somos nós?: Retratos da rua Campos Santos, Imperatriz, Maranhão”. A jornalista cresceu ouvindo histórias sobre o Buraco Fundo, uma área conhecida por sua associação com o tráfico de drogas e homicídios. Sua mãe a alertava sobre o perigo a caminho da igreja: “Olha, não desce, porque lá é muito perigoso”.
No entanto, foi durante uma aula em 2018, conduzida pelo professor Alexandre Maciel, que a então estudante de jornalismo começou a reconsiderar sua visão sobre a rua. Ele desafiou os alunos a se questionarem a respeito de temas ignorados pela mídia e isso a levou a refletir sobre a importância de observar o que costuma ser considerado “comum” ou “problemático”.
A rua Campos Santos, no bairro Nova Imperatriz, é uma região marginalizada pelos meios de comunicação e pela sociedade desde a década de 1970, com frequência associada à criminalidade e à exclusão. Com uma abordagem humanizada e ética, Viviane buscou mostrar a pluralidade e a identidade desse lugar, distanciando-se da narrativa sensacionalista que por tanto tempo o definiu.
Viviane conta que, a princípio, passou a visitar a comunidade da rua Campos Santos para escolher suas possíveis fontes para o livro. Realizou entrevistas curtas com elas para compreender como eram as suas vidas e os motivos de se fixarem ali. “A partir disso eu sabia quem eram meus personagens, mas até então não sabia o que eles haviam passado de fato”.
O projeto durou quase dois anos até sua data de entrega, período de diversas dificuldades. Uma das principais foi a pandemia, já que dois moradores que seriam muito importantes para entender a história da comunidade acabaram falecendo vitimadas pelo vírus antes que pudessem ser entrevistados. Outros, no entanto, sobreviveram. “A dona Maria Neuza pegou Covid-19 e ficou meses em coma. Mas deu tudo certo. Ela era uma personagem muito importante, porque era a primeira moradora da rua”.
Para Viviane, também era essencial mostrar a contribuição de cada morador para a rua. Entre todos os personagens, ela destaca dois. O alfaiate Lourival Rodrigues lutou para que existisse uma congregação cristã, que acabou se concretizando na Igreja Evangélica Assembléia de Deus Alfa e Ômega, em 2010. Já Dona Raimundinha reivindicou o terreno para a construção da Igreja Católica São João Batista, primeiro espaço religioso da Campos Santos, em 1995. “Ela foi muito importante no trabalho de transformar o olhar para a comunidade de um lugar perigoso para uma rua de pessoas trabalhadoras, que ajudaram a desenvolver a comunidade”.
Nos primeiros trabalhos da universidade Viviane já tinha pensado em escrever uma vivência sobre a rua, mas desistiu, por medo: “Algum jornalista poderia escutar a minha história e escrever primeiro”. Desde o começo do seu trabalho de campo para o TCC, porém, a universitária encontrou uma recepção calorosa dos moradores, que a acolheram como se fosse da família. Uma história que a tocou foi a do casal com um homem cego que vende peixe nas ruas de Imperatriz.
Ela queria incluir esses personagens em seu livro, mas, devido a experiências negativas passadas com jornalistas, a esposa do homem hesitou em colaborar: “Contavam a história dele como se fosse um coitado”. Mesmo após explicar que tudo seria feito com a autorização deles, a mulher e o marido decidiram não participar.
Apesar desse contratempo, Viviane relata que a vivência com os outros moradores foi muito natural. Ela sentiu que fazia parte da comunidade, e o acolhimento que recebeu reforçou sua determinação de contar a história de um lugar frequentemente injustiçado. O seu livro procura apresentar uma perspectiva diferente da rua Campos Santos, mostrando que, apesar da criminalidade associada ao local, seus habitantes são pessoas de bem que contribuíram para o desenvolvimento de Imperatriz.
Um dos perfis escolhidos foi o de Maria Neuza Rozal da Silva, uma das moradoras mais antigas, e ela confirmou que a rua Campos Santos, no passado, era um cemitério clandestino. Após comprar o terreno e construir a sua casa, dona Maria costumava ver cruzes e túmulos, mas não sabia que toda a área já tinha sido um local para sepultar os mortos. Certo dia, surgiu uma goteira em sua casa, que cavou um buraco no chão de barro e revelou o cadáver de uma criança, o que fez Maria perceber que tinham construído em cima das sepulturas.
Segundo Viviane, essa era uma das suas dúvidas enquanto jornalista durante a produção do livro. “Eu perguntava: ‘Aqui era um cemitério?’ e muitos diziam que não era”. A jornalista explica que quem morava na comunidade tinha medo de como ela iria abordar o assunto. “Falavam isso, que eu estava equivocada”. Mas alguns personagens confirmaram que se tratava de uma área de sepultamentos. O terreno foi loteado para os moradores em 1978, durante a gestão do prefeito Carlos de Amorim. Na época, Imperatriz assistia uma das suas maiores taxas de crescimento populacional e a área periférica ficava longe do centro da cidade.
“Eu não sabia que tinha acontecido uma chacina lá, mas eu sabia que era um lugar perigoso”, informa Viviane. A tragédia citada ocorreu no dia 16 de abril de 2003, na rua Campos Santos. Uma das vítimas foi um ex-aluno da professora Maria Raimunda Barbosa. Essa outra personagem sofreu uma tentativa de assalto poucos dias antes do ocorrido. Um dos assaltantes era seu aluno, que pediu ao seu comparsa para não a assaltar, pois era sua professora.
De acordo com o relato de Maria a Viviane, aquela foi a última vez que viu esse rapaz antes dele ser morto em uma chacina a poucos metros de sua casa. “Eu sabia que havia algo mais profundo, que eu poderia acessar através dos moradores”, ressalta Viviane. Maria contou a história com muita tristeza e a repórter percebeu a sua paixão profissional pelo estudante. “Às vezes, a gente não entende como um professor é capaz de amar um aluno. Eu vi esse amor nela, como uma mãe”.
A jornalista menciona que não consegue escrever se antes não tiver um panorama geral do tema, com datas e informações completas, por exemplo. “Minha cabeça trava, fico só olhando para a tela do computador e não sai nada”. Viviane também relembra que, em suas entrevistas, apenas escutava. “Quando você interrompe, a memória do entrevistado trava e eles não conseguem trazer algumas coisas que são muito importantes para a escrita”. Ela fazia uma pergunta e deixava o personagem falar por horas. “Acho que é a melhor forma de trazer um texto mais profundo”.
Desafios e lições
Outro obstáculo técnico foi decidir quais das cerca de 1,7 mil fotografias ilustrariam a obra. “Eu fui muitas vezes à comunidade fotografar. Quando sentei e vi a quantidade que tinha acumulado eu pensei: ‘Meu Deus, como eu vou colocar nesse livro todas essas fotos?’”. A jornalista acolheu sugestões da sua orientadora, a professora Yara Medeiros, sobre como selecionar as imagens e, só então, a edição voltou a fluir.
Ficou combinado que cada perfil teria 10 fotos. Mas havia um tipo de retrato que não poderia estar de fora da obra: os moradores em frente às suas residências. “Eu queria passar a sensação de que o leitor estava recebendo um convite do personagem para entrar na sua casa e conhecer sua história”. Outro detalhe é que os quatro primeiros perfis viriam em preto e branco, já que além da vida dos moradores, a rua Campos Santos representa a memória de uma cidade.
Era importante para Viviane que as fotografias referentes às rotinas das crianças fossem coloridas. Ela gostaria de expressar uma perspectiva de futuro. A escritora não escondeu sua empolgação ao recordar as brincadeiras de rua ainda vivas entre os pequenos moradores da região que pode presenciar. “É muito bom ver que tem crianças que ainda são crianças.”
Hoje, a jornalista manifesta sua gratidão pelo acolhimento dos moradores, já que a resposta positiva deles confirma o sucesso de seu projeto. O livro não só revela o outro lado da rua Campos Santos, mas também serve como um testemunho da resiliência e dignidade de seus habitantes, que muitas vezes recebiam uma imagem negativa. “Foi nesse momento que eu entendi que tinha que escrever esse livro, eu precisava deixar algo que realmente fizesse sentido”.
Angústias da profissão
A sobrecarga é a maior preocupação relacionada à comunicação, para Viviane Reis. No início da sua carreira, o excesso de trabalho era recorrente, pois não sabia recusar nada, mesmo que causasse desgaste e ultrapassasse seus limites. “Você sabe que precisa ser humano com você mesmo, sabe? Acha que você dá conta de abraçar o mundo, mas não dá”.
Pensando no futuro, Viviane espera que os comunicadores saibam negar o que não cabe a eles e valorizar os seus próprios trabalhos, para não aceitarem o que ultrapasse seus limites. “Foi um processo para eu entender o meu valor também. E desejo que os profissionais sejam mais valorizados”.
No entanto, a assessoria de comunicação ainda não é a profissão ideal para Viviane. “No mercado de trabalho é tudo muito rápido, sabe? É muito cru”, lamenta. A decisão de cursar jornalismo foi tomada durante o ensino médio, mas mesmo com tantas barreiras durante a sua carreira, Viviane nunca se arrependeu da escolha. “Era um sonho de Deus para mim, então eu não poderia abortar esse sonho”. Permitir o contato com outras áreas para adquirir conhecimentos e experiências é necessário. Mas a jornalista anseia pelo seu retorno à escrita sensível, como experimentou ao elaborar o livro-reportagem.
Conselhos
De acordo com Viviane, a pessoa, desde o início da sua graduação, deve entender seu papel de transformar a sociedade. Muitos profissionais da área da comunicação não entendem o que é ser jornalista e não conseguem enxergar seu trabalho mais além. “Essa questão da humanização tem que partir muito do próprio jornalista”, destaca a assessora.
Ela também analisa que muitos repórteres, hoje em dia, estão cada vez mais reféns da tecnologia. “Às vezes a gente quer muito ir para as redes sociais e não olha as pessoas que estão em volta da gente”. Na opinião da comunicadora, o jornalista não pode perder essa percepção e deve se distanciar do preconceito de que pessoas simples não têm história para contar. Como destaca, mesmo que não quisermos, certas histórias precisam ser reveladas.
Para a escritora, é importante que os profissionais da mídia estejam sempre próximos do ser humano, pois, se você é uma pessoa distante, nunca conseguirá humanizar o seu texto. Viviane lembra, por exemplo, de sua conexão com a avó. Quando estão juntas, ela conta repetidas vezes histórias que a neta não se incomoda de ouvir mais uma vez. “Eu gosto de escutar porque, além de ser uma terapia para ela conversar e se distrair, é também uma forma de eu entender como era a infância dela”, compartilha. Ainda aconselha que os acadêmicos de jornalismo se espelhem naqueles professores da universidade preocupados com seu futuro. “Porque esse é o melhor caminho que a gente pode trilhar. É ver o que há de bom nas pessoas e trazer para a gente.”
*Este perfil foi elaborado a partir de uma entrevista coletiva organizada pelos (as) estudantes do 1º semestre de Jornalismo da UFMA. O texto final, resultado da edição dos exercícios da disciplina Redação Jornalística, é a primeira publicação desses futuros jornalistas.