João Marcos comenta sobre suas experiências com a ficção e o jornalismo
Cristal Santos
Filemom Duarte
Gabriel Cruz
Jaimerson Fernandes
Lucimarques Santos
Nicole Bianca
Sara Carvalho
“A escrita é você andar de mãos dadas com o desconhecido, com a incerteza”, afirmou o jornalista e escritor João Marcos dos Santos Silva em entrevista coletiva com alunos do 1° período de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Ele contou com detalhes os aspectos mais gratificantes e desafiadores enfrentados enquanto profissional da comunicação e escritor de ficção e obras jornalísticas.
Natural de Imperatriz-MA e fã apaixonado por “Crônicas de Nárnia”, João Marcos escreve desde os 13 anos de idade e é autor de obras de fantasia, como “O círculo de fogo” (2022) e “À Sombra da Gameleira” (2021), um livro-reportagem que narra a história da cidade de João Lisboa-MA. Aos 26 anos, ele transita por diferentes gêneros literários, sempre trazendo à tona suas raízes culturais.
João Marcos anunciou seu novo livro, uma “fantasia regionalista”, intitulada “Curacanga”, que está com o pré-lançamento marcado para o dia 14 de setembro, na Bienal Internacional de Livros de São Paulo e será lançado oficialmente em João Lisboa, em novembro. O personagem principal é um jornalista paulista chamado Francisco. Ele participa de um concurso de crônicas e vence o prêmio, que é uma viagem ao interior do Maranhão para cobrir a construção da Rodovia Belém-Brasília, no final dos anos 1950. O romance começa com um assassinato em uma pequena cidade, uma história influenciada pelo convívio e tradição oral e em pesquisas no folclore maranhense.
Origens da escrita
A paixão pela escrita e pela fantasia nasceu no quinto ano do Ensino Fundamental, com as repetidas vezes em que sua professora pedia para que os alunos redigissem ou lessem histórias infantis. Ele recorda que por seu contato inicial ter sido com contos de fadas, seu estilo teve origem influenciada pelo místico. “Gosto de ver minha cidade como um lugar fantástico”.
Mas havia certa dificuldade em olhar seu espaço como mágico. Para João, é fácil considerar Londres ou a Dinamarca como lugares fascinantes, mas fantasiar a Beira-Rio ou a Praia do Cacau não é tão simples. O escritor acredita que no processo da ficção é preciso estar muito aberto e atento a qualquer foto, piada ou palavra. Tudo influencia a construção de suas obras.
O primeiro livro do jornalista foi escrito aos 13 anos e nunca foi divulgado. Mas em 2012, seguindo a linha da ficção, João começou a escrever “O círculo de fogo”, trilogia que teve a sua primeira parte publicada em 2022. João Marcos destaca que os outros volumes já estão redigidos, mas em constante revisão para futura distribuição. Enquanto isso, ele se dedica ao mestrado em Comunicação na UFMA, no qual estuda obras da autora maranhense Andréia Oliveira, que já biografou o músico João do Vale e a escritora Maria Firmina dos Reis. João busca, como pesquisador, compreender o contexto regional inserido nos livros-reportagem dessa escritora.
A graduação em jornalismo não foi algo planejado, mas sim um acontecimento do acaso. Seu sonho de formação da infância sempre esteve ligado à arte. “Eu tinha certeza desde criança, não queria uma profissão ‘tradicional’, como médico, engenheiro ou advogado”. Apesar de não ter premeditado o curso de comunicação, hoje ele se vê apaixonado pela área e ressalta que esse imprevisto foi bom, pois abriu uma vasta gama de possibilidades.
João Marcos tentou tornar sua trajetória na universidade a melhor experiência possível. Mas recomendou ter como base o olhar para si mesmo, pois cada caminhada é diferente. “A gente tem que entender que realmente precisamos não só passar pela academia por passar”, aconselhou.
Decisões
Quando estava no final do curso, João Marcos trabalhava como social media e, com a pandemia da Covid-19, percebeu que era uma atividade que lhe trazia muito desgaste. “Aí eu abri mão desse emprego que eu tinha, cheguei em casa e falei: ‘Olha, não vou trabalhar nesse período. Eu vou terminar o meu TCC, que é o meu livro. Então eu vou me dedicar só pra fazer isso’”. A partir desse momento, escrever sobre a história de sua cidade natal, o município de João Lisboa, significou uma realização pessoal.
O jornalista é grato por ter tido apoio da família para dedicar-se apenas à pesquisa e escrita do seu livro naquele momento. Mas pondera que essa não é a realidade de todos e estaria sendo contraditório se recomendasse o abandono de obrigações de trabalho em nome da escrita, por mais que ela represente um trabalho de inspiração. “A arte demanda isso. Mas a gente tem boletos pra pagar, uma vida social. Tem gente que tem filho, cuida de casa. Então você não precisa ser injusto com sua realidade”, frisa João Marcos.
Foram necessários dois anos para a produção do livro-reportagem “À sombra da Gameleira”. Após defender a obra como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), em 2021, João foi contemplado no edital da Lei Aldir Blanc, de fomento à cultura e, com o prêmio recebido em dinheiro, conseguiu publicá-la de forma independente. A partir daí surgiu outro desafio para o escritor, que se perguntava: “Como vou vender 500 exemplares?”.
Decidido a revelar os rostos por trás daquele projeto, João utilizou seus conhecimentos como social mídia. Ele selecionou personagens de destaque da sua obra, sobretudo as pessoas comuns que ajudaram a fazer a história de João Lisboa, e produziu o máximo de conteúdo possível para as redes de divulgação. O seu esforço se mostrou recompensador, pois conseguiu não somente esgotar a tiragem inicial, mas também ter seu livro elencado como leitura obrigatória em algumas escolas da cidade.
“As pessoas começaram a compartilhar e eu saquei da identificação, identidade: ‘É o meu parente’, ‘Fulano que vai lançar um livro que tem a história do meu vizinho escrita’”, detalha o escritor. O lançamento, um sucesso, foi acompanhado de uma exposição fotográfica de todas as imagens que ele havia recebido, além da exibição de raros registros em vídeo de eventos importantes do município.
O escritor comentou que “À sombra da Gameleira” não trouxe apenas reconhecimento profissional, mas também mudou a forma como a população de sua cidade o reconhece. “Já fui barrado na rua várias vezes pelas crianças. Então é muito massa esse retorno da sociedade. Eu não posso dizer que João Lisboa não abraçou, porque abraçou sim”.
Para João Marcos, seu livro-reportagem é resultado não só de seus esforços. “Porque a gente não faz nada sozinho. Por isso mesmo, no final do livro coloquei uma lista de todas as pessoas que entrevistei e que foram colaboradoras. Uma forma de agradecimento aos que me ajudaram muito para construir essa história.”
Ficção e reportagem
O processo de escrita de ficção é complexo, na sua opinião. Para João, não existe uma ferramenta específica para todos os livros. Para desenvolver “O círculo de fogo”, uma obra de ficção, ele precisou ler bastante, principalmente sobre mitologias. “Minhas ideias surgem como imagens na minha mente. Visualizo cenas e as escrevo em cadernos, o que ajuda a organizar o processo criativo”.
Ele busca inspiração nos personagens e situações que observa ao seu redor. Durante a produção de “À sombra da Gameleira”, João entrevistou um senhor chamado Geraldo. Com esta fonte, teve contato com os mitos e acontecimentos do povoado, mas preferiu reservar para formular uma obra de ficção, “Curacanga”. Já na escrita de livros-reportagem, o processo pede uma pauta, incentivada por acontecimentos sociais. “Para um texto jornalístico é sempre necessário manter o foco e não apenas fazer literatice, como diz o escritor Ruy Castro”, defende João Marcos. Neste caso, não há a possibilidade de fazer acréscimos inventados pelo autor, conforme diferencia o escritor.
Além de livros, pesquisas e muitas conversas e escutas, a música também é uma grande aliada no processo criativo de João Marcos. “Eu sou o maior fã da Aurora no Brasil, e muitas músicas dela me inspiram a escrever. Também curto muito lofi, sabe aquelas playlists no Spotify da meninazinha com fone? Eu amo! É perfeito para entrar no clima e escrever.”
Certas músicas marcam tanto um período de escrita que é como se ele voltasse no tempo ao ouvi-las. “Quando escrevi ‘À sombra da Gameleira’, teve um set que me acompanhou. Toda vez que escuto, é como se eu estivesse de novo naquele momento, escrevendo o livro. É muito marcante”.
Conselhos
“Eu acho que é preciso colocar objetivos claros para você e não os do seu amigo”, disse João Marcos. Em sua opinião, a base de uma carreira bem-sucedida está no compromisso com o trabalho sério. “Eu acredito que a gente precisa estudar, ler os textos. Eu sempre coloco na minha vida que tudo aquilo que eu preciso fazer, isso às vezes pode ser bom, às vezes ruim, eu preciso fazer com qualidade”. O entrevistado destaca que a excelência é crucial, independente das circunstâncias.
Ele também aborda como se deve manter um equilíbrio saudável e a busca pelo autoconhecimento. “Não se desgaste a um ritmo de trabalho insustentável. Trabalhe com eficiência, dando o seu melhor. Mas cuide de você, da sua saúde mental e emocional. Considerando até mesmo a terapia como uma ferramenta para entender suas próprias questões”, sugere o jornalista.
João mencionou, inclusive, o suporte psicológico atrelado à espiritualidade como alicerces sólidos durante os quatro anos desafiadores de um curso universitário. “Precisamos nos entender, ver a nossa realidade, que às vezes não é fácil, acolhedora. Porém, ter fé que as coisas vão melhorar, que vai dar certo”.
Embora alerte que toda trajetória profissional é marcada por altos e baixos, João Marcos recomenda a perseverança. “Isso se trata de erros e acertos: um dia você ganha, um dia você perde e a vida é assim mesmo. Cada passo é uma vitória e uma parte do seu crescimento”.
*Este perfil foi elaborado a partir de uma entrevista coletiva organizada pelos estudantes do 1º semestre de Jornalismo da UFMA. O texto final, resultado da edição dos exercícios da disciplina Redação Jornalística, é a primeira publicação desses futuros jornalistas.