Moradora desde 1985, ela relembra os desafios e conquistas de um dos bairros mais nobres e procurados de Imperatriz
Por Lara Sofia
Antes de Maria da Conceição Alves de Sousa, conhecida como Dona Conceição construir suas memórias no Santa Inês, o bairro já carregava sua própria história, uma história feita de recomeços, improvisos e resistências. Nascido na década de 1970, ao redor do Cemitério Campo da Saudade e das antigas áreas chamadas de Quinta do Jacob, o Santa Inês surgiu como muitos bairros de Imperatriz: simples, afastado, com poucas ruas definidas e quase nenhuma infraestrutura.
Nos primeiros anos, era comum que moradores se unissem para resolver o básico, alguns compravam os próprios postes de madeira, outros improvisavam ligações para ter energia. A água encanada não chegava, o esgoto era inexistente e a poeira (ou a lama, no inverno)fazia parte da rotina. Foi nesse cenário, ainda em processo de construção e acolhimento mútuo, que Dona Conceição encontrou um novo começo. Ela chegou ao bairro em janeiro de 1985, após uma grande enchente provocada pelo Rio Tocantins. “Na época, morava na Beira Rio e perdi quase tudo. Foi essa situação que me trouxe pra cá”, relembra.
O recomeço não foi fácil. Ao chegar, Dona Conceição foi morar na Rua da Sombra, que ficava atrás do cemitério, ainda a céu aberto. “No dia seguinte, me deu vontade de voltar pra minha cidade natal. O lugar era muito assombroso. Da porta de casa, eu via os sepultamentos. Tinha muito medo”, conta, entre risos, com a leveza de quem transformou o medo em memória.
Com o acolhimento dos vizinhos, o estranhamento deu lugar à convivência. E foi por meio de uma dessas vizinhas que Dona Conceição conheceu um grupo político local e conseguiu
seu primeiro emprego.“No dia 25 de março de 1985 comecei a trabalhar como professora na Escola Mutirão, que hoje é a Escola Maria Francisca. Em março do ano seguinte, tive
minha carteira assinada como professora responsável pela escola”, lembra com orgulho.
Do velho ao novo Santa Inês
Ao falar sobre o Santa Inês, Dona Conceição o descreve como um símbolo de acolhimento epertencimento. “Pra mim, é como se fosse o pai e a mamãe que me acolheram quando eu mais precisava. Foi aqui que consegui trabalho, moradia, e criei meus filhos. Acredito que esse é o meu território, o meu espaço de vida.” Ela se recorda de quando o bairro era visto com desconfiança. “Antigamente, o povo tinha medo de vir pra cá. Quando a gente pedia uma corrida e dizia que era pro Santa Inês, o motorista se assustava. Hoje é diferente. É um bairro como outro qualquer, um bom lugar pra morar. Graças a Deus, nunca sofri violência aqui.”

Foto: Arquivo pessoal de Conceição
Quem chega hoje ao Santa Inês dificilmente imagina como ele era nos primeiros anos. “O bairro era pequeno, as casas todas de tábuas. Já tinha energia, mas não tinha rede de esgoto nem água potável. Aos poucos, as ruas foram tomando forma, as pessoas foram melhorando suas casas e o bairro foi crescendo.” A partir dos anos 2000, com a chegada dos condomínios horizontais, o Santa Inês passou a ser dividido, pelos próprios moradores, entre “Velho” e “Novo”. Uma transformação que atraiu novos moradores e modificou a paisagem do bairro. Essa modernização, porém, não apagou vínculos comunitários existentes. Ao contrário: tradições culturais se fortaleceram, como o Arraiá da Dona Francisca, e novas iniciativas coletivas surgiram, entre elas, o pomar comunitário criado pelos moradores em um espaço antes tomado pelo lixo e que, hoje, é uma praça pública com academia ao ar livre, obra realizada pela Prefeitura Municipal de Imperatriz.
Como parte desse contexto de mudanças e conquistas, a professora recorda as pessoas que, segundo ela, ajudaram a construir a história da comunidade. “Entre tantas, destaco o senhor Luiz Ferreira Chaves, o Luizinho, que lutou pela igreja e construiu a capelinha que hoje é a Paróquia Santa Inês. Faço parte dela como catequista e já fui coordenadora”. Ela cita também José Lopes, o “Tele”, que presidia a Associação de Moradores e trouxe os primeiros serviços de infraestrutura; Maria Francisca Pereira da Silva, que mobilizava os jovens com grupos culturais; e o saudoso José Carneiro, o “Buzuca”, que batalhou pela criação da Creche Jair Rosignoli. “Nem todos tiveram o reconhecimento merecido, mas cada um deixou sua marca. E admiro muito a professora Maria Delfina, uma das primeiras do Santa Inês, que trabalhou na antiga Adelina Lopes e tem uma história muito bonita aqui.”
O preço do progresso
Entre tantas mudanças, Dona Conceição sente falta da convivência que marcava os primeiros anos do bairro. “Antes, os vizinhos sentavam nas calçadas, conversavam até tarde, as crianças brincavam na rua. Hoje isso acabou. Todo mundo vive na correria. Esse é o preço do progresso”, reflete com um sorriso melancólico. Ogulhosa de sua trajetória, Dona Conceição resume sua contribuição com simplicidade e afeto: “O que eu trouxe pro Santa Inês foi a colaboração na educação de crianças, jovens e adultos. Desde que cheguei, dediquei minha vida a isso. O bairro me deu oportunidades e, em troca, tentei retribuir com trabalho e amor.” Hoje, aos 40 anos de convivência com o Santa Inês, ela segue no mesmo lugar ,o bairro que um dia a assustou, mas que acabou se tornando sinônimo de pertencimento e memória.