Baixinha, a pioneira dos bares no Conjunto Nova Vitória

Entre paneladas, serestas e pagodes, Luzeni Ferreira da Silva transformou o Nosso Lanche em símbolo de resistência e memória do bairro.

Por Laécio Rodrigues

Em uma recente feijoada no seu bar, Luzeni Ferreira da Silva, a Baixinha, de 65 anos, trabalhou por mais de doze horas ininterruptas. Quando a banda parou, por volta das dez da noite, clientes animados pediram “traz a caixinha de som para finalizar!”. Ela, com o humor ácido e a honestidade de quem carrega o peso do trabalho nas pernas, não hesitou: “Já finalizou! Estou nessa labuta o dia todinho, desde as nove da manhã. Eu pra morrer aqui, é um instante”. Essa frase potente, que mistura cansaço e humor, resume perfeitamente a proprietária que ergueu, a partir de uma pequena estrutura, um dos primeiros e mais duradouros pontos de encontro da comunidade: o Nosso Lanche.

O bar, localizado na Rua Coletora Um, nº 20, na entrada do Conjunto Nova Vitória, é a memória afetiva do local. Baixinha, que reside ali desde 1987 e comanda o estabelecimento desde 1992, personifica a resiliência desse bairro, que nasceu isolado e distante do centro de Imperatriz, na época cercado por matas e florestas densas. Embora a região ainda seja afastada, o Nosso Lanche é hoje um ponto estratégico que pulsa sob o ritmo dos pagodes e das serestas que ela insistiu em promover, mas parou de realizar regularmente devido ao cansaço após tantos anos de dedicação.

Luzeni, a Baixinha, é a pioneiras dos bares e mais queridas moradoras do bairro (Foto: Arquivo Pessoal)

A cara, a coragem

Natural de Mirador (MA), Baixinha chegou ao Conjunto Nova Vitória em 1987, trazendo consigo as três filhas — Martina, Aline e Alice. A mudança ocorreu em busca da casa própria, por meio dos programas sociais de habitação da época. O bairro ainda na fase de suas primeiras ocupações, era a ponta mais distante da expansão urbana de Imperatriz e exigia esforço obstinado de seus primeiros moradores para prosperar. O bairro, nascido do desmembramento da Fazenda Vitória na década de 1980, surgiu de um projeto da Companhia de Habitação Popular do Maranhão (Cohab), juntamente com a Empresa Maranhense de Administração de Recursos Humanos e Negócios Públicos (Emarhp) para a criação de casas populares.

No local onde o bar está hoje, havia apenas uma mata fechada nos fundos, onde o pessoal pescava peixe bodó em uma lagoa, e os sapos cantavam à noite, um contraste gritante com a movimentação atual. Por volta de 1992, um amigo, Brito, abriu o estabelecimento de forma simples e o repassou a Baixinha pouco tempo depois. Ali, a recém-proprietária decidiu que era hora de inovar, mesmo que a base fosse quase zero. “Só tinha a cara e a coragem e minhas 3 meninas”, lembra.

Ela começou vendendo comida, como a tradicional panelada, mas o destino do negócio mudaria ao adicionar algo a mais em seu cardápio: sanduíches. Foi assim que nasceu o nome que permanece até hoje: “Nosso Lanche”. Sem nenhuma experiência para fazê-los, duas clientes pediram: “Faça dois x-tudo para cada uma!”, “Eu peguei o cardápio e disse: ‘Espera aí, deixa eu ver como é que faz. Vocês ficam aí prestando atenção que eu nunca fiz isso não’”, conta. “Fritei a carne e elas foram me ajudando e estava difícil porque eu não tinha prática nenhuma, daí fui e montei tudo direitinho e elas elogiaram muito, até hoje elas vêm aqui e lembram dessa história.”

“Só tinha a cara e a coragem e minhas 3 meninas” – As filhas de Luzeni, Alice, Martina e Aline (Foto: Arquivo Pessoal)

Serestas, pagode e histórias

A visão da Baixinha não parava na chapa e nas panelas de comida caseira. Para além de alimentar o bairro, era preciso dar a ele entretenimento. Ela decidiu investir em eventos que fizessem o Conjunto Nova Vitória vibrar e atrair gente de toda a Imperatriz.

A primeira seresta, com o seresteiro Leão, foi um sucesso de público, mas também um desastre financeiro. O local encheu tanto que o amigo Ribinha – que a ajudava na ocasião – ficou nervoso com a demanda de pedidos e simplesmente tirou a toalha do ombro e foi embora. Naquela época, a cobrança era feita pela contagem de cervejas secas na mesa, sem fichas. Com o nervosismo e a saída repentina do ajudante, a clientela continuou bebendo e, sem controle nenhum, muitos foram embora sem pagar. “Fiquei com um prejuízo enorme, mas mesmo assim não desisti”, afirma.

A insistência deu frutos. Por anos, o Nosso Lanche se tornou o palco fixo do pagode do grupo “Couro & Corda”, formado por integrantes que eram policiais civis da cidade e serestas com vários artistas da região. “Vinham pessoas de vários cantos da cidade para cá, o evento era muito famoso, muita gente ainda lembra”, diz Baixinha. No entanto, por volta de 2005, a realização de festas e pagodes deixou de ser regular. Com o passar dos anos e o cansaço acumulado, Baixinha decidiu reduzir a frequência, realizando-os apenas de forma esporádica, apesar de o bar ainda contar com palco e espaço amplo para receber esses tipos de eventos.

Um lar chamado Conjunto Nova Vitória

A Baixinha também acompanhou a pacificação do Conjunto Nova Vitória. Em tempos mais difíceis, ela era roubada frequentemente por alguns jovens que frequentavam o bar e escondiam caixas de cerveja cheias na mata. Hoje, a realidade é outra. “Tenho uma relação muito boa com esse bairro, é seguro, hoje em dia ninguém mexe nas minhas coisas, é tudo tranquilo graças a Deus”, afirma.

O Bar da Baixinha, que ficou mais conhecido informalmente por esse nome, começou com a visão de uma empresária solo e com a ajuda da família e clientes amigos gentis, se consolidou como um ponto de referência. O Nosso Lanche não é apenas um negócio; é um marco geográfico, um baú de memórias afetivas e um termômetro da vida no Conjunto Nova Vitória. Se a evolução do bairro é medida pela sua capacidade de trocar o perigo e a mata por segurança e entretenimento, o Bar da Baixinha é a prova de que a comunidade venceu e continua viva.

O passado glorioso das festas de pagode sempre retorna. Na última feijoada, ao tocar um pagode antigo que relembrava os tempos áureos de grandes rodas de pagode no local, a vibração dos clientes foi unânime: “Nossa, que saudade desse tempo”, “Baixinha, volta com os pagodes no fim de semana!”.

Luzeni, a querida e conhecida Baixinha sorri, com o cansaço disfarçado pela nostalgia: “Fiquei pensando… acho que vou voltar com o pagode”. E diz com certeza: “Se eu pudesse voltar no tempo, eu teria a mesma decisão de ter meu bar, claro, com algumas diferenças”.

Luzeni, com os netos. O amor e a união da família são a força que sustenta seu Bar (Foto: Arquivo Pessoal)

O Bar como personagem

O Nosso Lanche passou por mudanças ao longo dos anos, mas sempre manteve a personalidade de sua dona. Hoje, com um amplo espaço que inclui palco para música ao vivo, dois banheiros externos (masculino e feminino) e uma área generosa para mesas, o bar funciona das 18h às 23h, de terça-feira a domingo, focado na venda de bebidas alcoólicas e não alcoólicas.

A chapa de sanduíches, que deu o nome ao local, não existe mais, mas a tradição de comida caseira é mantida com a venda de panelada e caldos. Além disso, o local incentiva o comércio local: Baixinha cede espaço para terceiros, como o “Espetinho da Sandra” e um trailer na lateral que vende pastéis e hambúrgueres.

“A minha vida inteira só foi dedicada a isso aqui, a crescer isso aqui. Não comprei nada para mim não, sempre que pegava em dinheiro era para investir nisso aqui”, revela. Hoje, o bar é bem estruturado e localizado, é motivo de orgulho, mas também de piada interna. O que ela conseguiu estruturar hoje também serve como moradia, já que Luzeni, apesar de ter uma casa na rua próxima, reside em um espaço grande e confortável dentro do próprio bar há vários anos. “O povo sempre diz: ‘A Baixinha é sempre no quebra-quebra, faz isso e faz aquilo’”, brinca.

Ela decidiu: “Agora eu não quebro mais nada, agora tá bem feito”. Seus olhos demonstram a experiência acumulada por mais de 30 anos de trabalho em pé, mas brilham com uma sagacidade temperada por um humor ácido e uma honestidade que desarma. Ela não se preocupa em agradar quando a hora de fechar chega: “Eu sempre digo: ‘Depois da meia-noite, não aparece nada que preste, imagine duas da manhã’”.

A minha vida inteira só foi dedicada a isso aqui.” – Fachada do bar Nosso Lanche (Foto: Laécio Rodrigues)

Cair, levantar e transformar

O bar não foi apenas palco de festas, mas também de acidentes e dramas que se tornaram anedotas. As histórias mais marcantes de Baixinha são aquelas que atestam a sua força física e emocional para se reerguer.

Uma vez a confusão migrou de um bar vizinho. Um cliente, a quem ela se recusava a servir bebida por ordem da mãe dele, se envolveu em uma briga com a própria irmã e veio direto para o bar dela. A irmã veio atrás e, no auge da discussão, o agrediu com um empurrão. O homem, muito alto e embriagado, caindo pelo forte empurrão da irmã, agarrou ela e, os dois foram ao chão imediatamente.

“Ele se agarrou comigo e caímos só o ‘bolo’ ali no meio da rua, e o povo do bar tudo rindo. E nós dois ‘entranhados’ no chão e eu gritando: ‘Me solta coisa ruim, por que é que tu veio logo se agarrar comigo?’”, narra sorrindo. Ela acredita que se ele não tivesse caído com ela, ele teria se machucado muito e, nisso teria ajudado o cliente de uma queda mais séria e mortal.

Em outra ocasião, um rapaz acelerou uma moto grande, sem saber que a marcha estava engatada. Ao acelerar, a moto veio com tudo para cima de Baixinha. “Bateu em mim que eu voei longe, caí na beira da calçada, quebrei o braço e me levaram para o hospital.” O acidente, embora grave, foi mais um obstáculo superado na saga do bar. Afinal, a proprietária que “voou longe” com uma moto desgovernada e se agarrou ao destino incerto, mesmo cansada, não tem medo de continuar.