Poe Camyle Macatrão
‘’O bairro de Santa Rita
tem uma história bonita.
A origem deste nome
é de uma santa bendita.
A rua, a igreja, a paróquia e o bairro
são em homenagem a Santa Rita.”
Quem escreveu esses versos me recebeu com um sorriso no rosto e um copo de suco de acerola. Lucília do Nascimento Lima tem 75 anos, é mãe de cinco filhos, avó de 14 netos e bisavó de um bisneto. Nasceu na cidade de Dom Pedro, no Maranhão, e saiu da terra do babaçu ainda jovem. Veio para a região Tocantina acompanhando os pais, em direção a um povoado chamado Marrecos, nos arredores da cidade onde atualmente é Vila Nova dos Martírios. Morou lá durante oito anos, até que, junto com o marido, veio para Imperatriz.
Chegou ao bairro Santa Rita em meados dos anos 1980, logo após a construção da primeira capelinha de Santa Rita de Cássia, ainda feita de palha. A comunidade católica no bairro ainda engatinhava quando dona Lucília começou a fazer parte dessa história. Naquela época, o bairro, localizado às margens do riacho Capivara, tinha poucos moradores e sofria com a falta de água potável e doenças como a malária. Foi na fé que a comunidade construiu suas casas, suas histórias e também sua devoção à Santa das Causas Impossíveis. “Hoje é o bairro das quatro Ritas: o bairro, a rua, a igreja e a paróquia”, conta.
Naquele período, Lucília assumiu para si a responsabilidade pela comunidade que a acolhera. Movida pelo desejo de transformar a realidade local, passou a atuar de forma ativa na busca por melhores condições de vida para os moradores. Foi assim que ajudou a fundar a Associação de Moradores do Bairro Santa Rita e o Partido dos Trabalhadores (PT) — iniciativas que surgiram da união e da força coletiva de habitantes que sonhavam com um bairro mais digno para todos.
Desde então, o grupo de moradores passou a lutar por melhorias e por mais qualidade de vida no Santa Rita. Apesar dos avanços obtidos ao longo dos anos, ainda há desafios importantes a serem enfrentados. “Já conseguimos algumas coisas, mas ainda falta bastante: escolas de qualidade, asfalto nas ruas, entre outras”, afirma.
Dona Lucília fez de tudo pela igreja e pelo bairro: fundou o Clube das Mães, auxiliou na formação da Associação de Moradores do Bairro, coordenou atividades da igreja, atuou como catequista, integrou o PT e assumiu a liturgia. Com o tempo, a paróquia e a comunidade foram crescendo: vieram mais fiéis dispostos a assumir responsabilidades
Hoje, por conta da idade e de alguns problemas de saúde, ela já não participa tão ativamente quanto antes da vida paroquial, mas segue acompanhando as missas e os festejos, embora evite tarefas que exijam muito. “Tô sempre participando das coisas, mas sem muitas tarefas. Nesse último festejo eu falei: contribuo com o que posso, o resto vocês se virem! Já assumi durante quase 50 anos, agora deixo para os mais jovens”, lembra aos risos.
Nasce uma poeta
Entre rezas, festas e encontros comunitários, a inspiração para fazer poesia nasceu. Foi na fé e nas vivências do dia a dia que Lucília descobriu sua veia poética e percebeu, com o tempo, que a fé e a rima caminham lado a lado.


A poesia surgiu cedo na vida de Lucília, ainda na infância. Seu tio gostava de ler romances enquanto seu pai cantava. Em determinado momento, o pai decidiu cantar os romances que o tio lia e, enquanto ele cantava, ela decorava todas as letras. “Teve um momento em que ele esquecia e eu relembrava: ‘a letra é assim, meu pai’”, diz, nostálgica. Assim, entre versos e canções, aprendeu a rimar e a escrever poesias inspiradas nas coisas simples do dia a dia, frases curtas e impactantes que formam estrofes de quatro a seis versos, rimando e se completando entre si.
Lembra que, apesar de rimar com muito prazer, a poesia também é matemática. Explica que rimar é essencial para uma poesia bem escrita: a primeira frase pode ser fraca, mas a segunda tem que vir mais forte; a terceira é completa, e o final da quarta deve imitar o final da segunda e a sexta, o da quarta. “Tudo tem que dar certo na maneira de pronunciar. Não importa qual for a palavra usada, mas a terminação dela tem que rimar.”
Seu primeiro livro de poesias rimadas foi publicado em fevereiro de 2002, inspirado em uma tradicional festa no povoado Alvorada 1, no município de Amarante, onde se reuniam cristãos de quatro vertentes: católicos, batistas, assembleianos e adventistas, todos em sintonia. Em maio do mesmo ano, publicou o segundo, contando a história do bairro e da Igreja Santa Rita. Reuniu-se com os primeiros moradores, coletou fotografias antigas e decidiu registrar em versos a história do lugar que a acolheu de braços abertos e onde vive até hoje.
Com o tempo, Dona Lucília foi se aperfeiçoando na arte de escrever livros rimados em forma de poesia. Ao todo, somam-se 11 obras publicadas, dos mais variados temas, de padres a grandes personalidades, passando até por histórias de sua própria família. Cada livro reflete vivências marcantes da sua trajetória de vida.
Atualmente, ela não escreve mais livros. O último foi publicado em 2024 e reúne a história de todos os padres, párocos, vigários e seminaristas que já passaram pela Paróquia Santa Rita de Cássia. Mesmo assim, ela confessa que não parou de rimar: “Quando alguém me vê lá na igreja ou em outro lugar e precisa de uma mensagem, já esperam que saia uma poesia”, diz sorrindo. Enfatiza que não rima sob pressão: analisa e cria frases rimadas com calma, de acordo com a história da pessoa. “Eu não sou uma poeta espontânea, não faço poesia de repente. Eu faço planejada, de acordo com o assunto de que estou falando.”
Hoje, Lucília é cidadã imperatrizense de corpo, alma e título. Recebeu oficialmente a honraria em 2022, na Câmara de Vereadores, por todos os seus feitos pela cidade e pelo bairro onde mora há 44 anos. “Pra mim, receber esse título foi uma honra, foi uma caminhada muito bonita”, afirma, orgulhosa.
Militante, mãe e poeta, Lucília construiu em Imperatriz um legado. Contou através de poesias a história de dezenas de pessoas e com a comunidade ajudou a transformar a história dos moradores da região. Revela que não pretende deixar o bairro: “ Vai ser aqui mesmo que vou prestar minhas contas com Deus. Já tenho meu lugarzinho guardado no cemitério de referência daqui, o Campo da Saudade”, finaliza serena.