“Isso aqui é minha vida”: o brechó de rua de Socorro em Imperatriz resiste entre vendas e incertezas

Em frente ao Calçadão de Imperatriz (MA), vendedora sustenta a família com brechó montado na rua. Ponto estratégico e clientela fiel garantem boas vendas, mas permanência no local está ameaçada.

Por: Lara Sofia

Da praça a rua

Todos os dias, em frente à movimentada Praça de Fátima, no coração de Imperatriz (MA), uma estrutura simples é montada: araras com roupas, caixas com sapatos, brinquedos usados e bolsas à venda. Quem comanda tudo é Socorro Barros da Silva, 50 anos, vendedora, mãe de cinco filhos e responsável por um brechó que, mais do que renda, representa dignidade.

“Desde que começou a obra, eu tô aqui fora. Trabalho aqui há sete anos. Antes era ali dentro da praça, agora tô na rua mesmo”, conta ela.

A adaptação foi forçada, a Igreja Nossa Senhora de Fátima está passando por uma obra de revitalização, com o objetivo de concluir a nova Catedral e sua praça, que têm reinauguração prevista para 13 de outubro de 2025 de reforma em andamento há mais de um ano, Socorro teve que sair do espaço onde vendia há anos. O ponto atual, na calçada bem em frente à praça ,colado ao Calçadão de Imperatriz, tornou-se seu novo “ponto comercial”.

Socorro Barros em frente ao seu brechó (foto por: Lara Sofia)

Clientela fiel e diversificada

Socorro vende roupas femininas, masculinas, infantis, calçados, bolsas e brinquedos. As peças vêm de doações, igrejas e compras feitas por ela mesma. O lucro vem da revenda, com margens acessíveis para o público:

“Se eu compro uma peça por R$ 10, vendo por R$ 15. Vestido de R$ 70, R$ 80, sandália de R$ 20. Depende da peça. E vendo muito”, relata.

Além do atendimento presencial, Socorro diversifica as vendas usando WhatsApp e grupos de clientes. “Tenho um grupo da praça. Quando o movimento tá fraco, levo roupa pra amigas em bazares. Mas a maioria vende aqui mesmo. É todo dia, não falho.”A clientela é variada donas de casa, estudantes, funcionários públicos e até empresários. “relata.

Cliente do brechó da Socorro Barros garimpando roupas (foto por: Lara Sofia)


Local estratégico e economia local

O brechó de Socorro não está em qualquer lugar. O ponto atual fica em frente à Praça de Fátima, que por sua vez está localizada diante do Calçadão de Imperatriz, centro pulsante do comércio popular da cidade.

Com cerca de 273 mil habitantes, Imperatriz é o segundo maior polo econômico do Maranhão e atende não apenas sua população urbana, mas também dezenas de municípios da Região Tocantina. O setor de comércio e serviços representa uma das principais fontes de renda e emprego da cidade , em 2023, foram mais de 6.400 novas empresas abertas, e cerca de 34% dos empregos formais criados vieram do comércio.O Calçadão, localizado na Av. Getúlio Vargas, reúne lojas, bancos, terminais de ônibus, escolas, lotéricas e prestadores de serviço.

 Com fluxo constante de pedestres ao longo do dia, o espaço é usado também para eventos, feiras e campanhas públicas. Tudo isso cria um ambiente fértil para pequenos vendedores.

“Aqui passa muita gente todo dia. Aqui vende. É ponto turístico, gente do interior, gente que vem pagar conta, tudo para aqui”, resume Socorro.

Ameaça de despejo e falta de resposta
Apesar da localização estratégica e das boas vendas, a permanência de Socorro no local é incerta. Ela relata ter ouvido comentários de que ambulantes poderão ser retirados da área, o que a deixa apreensiva:

“Tão dizendo que não querem ninguém aqui. Ainda não me mandaram sair, mas o povo fala. E eu tô com medo. Tô até com medo de entrar em depressão.”

Segundo informações do site da diocese de Imperatriz, em 27 de junho de 2023, no auditório da Cúria Diocesana de Imperatriz, foi assinado um termo de cooperação técnica entre a Diocese de Imperatriz, representada por Dom Vilsom Basso, e a Prefeitura Municipal. O acordo previa, entre outras ações, a revitalização da praça sob responsabilidade da Diocese, enquanto caberia à Prefeitura não apenas a retirada das atividades comerciais do local, mas também a apresentação de alternativas para sua realocação. Essa preocupação com a continuidade do trabalho de vendedores, lanchonetes e feiras foi compartilhada por ambas as partes durante as tratativas.

Entramos em contato com a atual gestão municipal para obter informações sobre o andamento dos compromissos firmados, mas até o momento não obtivemos resposta.

Preconceito

Como alternativa, cogita mudar-se para outro ponto da cidade, próximo a um shopping, mas teme perder a clientela e a movimentação que sustenta o negócio.

Mesmo com o sucesso do brechó, Socorro relata ainda enfrentar preconceito, tanto por trabalhar na rua quanto por vender roupas usadas: “Tem gente que olha torto, não encosta. Mas eu respeito. O que não dá é julgar. Aqui é tudo pra mim. Sustento meus cinco filhos e meu marido só com isso. Pago escola, pago curso no, compro comida. Tenho orgulho.” Relata a dona do brechó.

Resiliência e resistência
Ela mantém um ritmo constante de trabalho e diz que só para quando realmente precisa: “É todo dia. Não falho. Se falhar, não tem comida.”

A história de Socorro vai além do comércio. Seu brechó é um reflexo da resiliência das mulheres periféricas que sustentam famílias inteiras a partir do trabalho informal. Em uma cidade que gira em torno do comércio e da circulação de pessoas, ela construiu , com lona, caixas e roupas ,um espaço de dignidade, afeto e sobrevivência. Mesmo em meio ao asfalto, ao barulho do trânsito e às incertezas, Socorro segue firme. Vende, acolhe, escuta, negocia. E transforma cada venda em um ato de resistência.