Em frente ao Calçadão de Imperatriz (MA), vendedora sustenta a família com brechó montado na rua. Ponto estratégico e clientela fiel garantem boas vendas, mas permanência no local está ameaçada.
Por: Lara Sofia
O som do trânsito se mistura ao burburinho do Calçadão, gente apressada, buzinas, vendedores ambulantes. Entre o fluxo intenso de pedestres e o calor típico de Imperatriz (MA), um espaço pequeno chama a atenção: manequins, algumas araras improvisadas e uma mulher que arruma cuidadosamente as roupas expostas.
É ali que Socorro Barros da Silva, 50 anos, mãe de cinco filhos, trabalha todos os dias. O brechó de rua que ela montou em frente à Praça de Fátima é o sustento da casa e, para ela, também uma forma de resistência. “Desde que começou a obra, eu tô aqui fora. Trabalho aqui há sete anos. Antes era ali dentro da praça, agora tô na rua mesmo”, conta, ajeitando uma pilha de vestidos coloridos.
A praça está em reforma por causa da revitalização da Catedral de Nossa Senhora de Fátima, e a mudança de espaço forçou Socorro a se adaptar. Agora, em frente à obra, o brechó é parte da paisagem da rua, entre o pó da construção e o movimento do comércio.

Socorro Barros em frente ao seu brechó (foto por: Lara Sofia)
As peças que chegam até o brechó têm muitas origens: algumas são doações, outras são compradas por Socorro em bazares de igrejas ou de vizinhos. Ela separa, lava, dobra e precifica uma a uma, com um olhar atento para o gosto das clientes. “Se eu compro uma peça por R$ 10, vendo por R$ 15. Vestido de R$ 70, sandália de R$ 20. Depende da peça. E vendo muito”, explica.
O pequeno espaço funciona como uma loja a céu aberto, onde cada conversa vira uma negociação. Entre um cliente e outro, Socorro troca mensagens pelo celular, mostrando fotos de novas peças. Ela criou um grupo no WhatsApp para clientes fixas, onde avisa sobre promoções e novidades. “Tenho um grupo da praça. Quando o movimento tá fraco, levo roupa pra amigas. Mas a maioria vende aqui mesmo. É todo dia, não falho” relata.
Mesmo sem vitrine nem fachada, o brechó de Socorro tem algo que muitas lojas não têm: confiança. Cada cliente que para para “garimpar” parece fazer parte de uma rede de apoio silenciosa.
O local onde Socorro trabalha não foi escolhido por acaso. O brechó fica em um ponto estratégico: entre o Calçadão e a Praça de Fátima, no centro comercial mais movimentado da cidade. Ali circulam diariamente milhares de pessoas, vindas de bairros periféricos e até de municípios vizinhos.
Segundo dados da Prefeitura de Imperatriz, o município concentra o segundo maior polo econômico do Maranhão, com o comércio como principal atividade geradora de emprego e renda. Essa movimentação cria oportunidades para vendedores informais, que encontram nas calçadas o espaço possível para trabalhar. “Aqui passa muita gente todo dia. Aqui vende. É ponto turístico, gente do interior, gente que vem pagar conta… tudo para aqui”, resume Socorro, sem interromper o atendimento a uma cliente.
O brechó sobrevive em meio a bancas, feirantes e sons de carros de som que anunciam promoções. A rua, mais do que um cenário, é o palco onde se desenrola uma história de sobrevivência.

Cliente do brechó da Socorro Barros garimpando roupas (foto por: Lara Sofia)
Mesmo com o sucesso nas vendas, a permanência de Socorro na calçada é incerta. A obra de revitalização da Praça de Fátima prevê a reorganização do espaço e a retirada de comerciantes informais. Ela ainda não recebeu notificação oficial, mas o medo de perder o ponto é constante.
“Tão dizendo que não querem ninguém aqui. Ainda não me mandaram sair, mas o povo fala. E eu tô com medo. Tô até com medo de entrar em depressão”, desabafa.
O temor não é apenas pela renda. O brechó é também uma forma de pertencimento, um espaço conquistado ao longo dos anos. O risco de remoção representa, para ela, mais do que a perda de um ponto de venda: é o fim de um cotidiano construído com esforço.
De acordo com a Diocese de Imperatriz, a revitalização da praça deve ser concluída até outubro de 2025, com a parceria da Prefeitura. O projeto prevê novas áreas verdes e a “ordenação do comércio informal”, mas não há informações públicas sobre como será feita a realocação dos ambulantes.
A rua é um espaço de encontros, mas também de julgamentos. Socorro diz que, muitas vezes, enfrenta o preconceito de quem associa o trabalho informal à falta de dignidade.
“Tem gente que olha torto, não encosta. Mas eu respeito. O que não dá é julgar. Aqui é tudo pra mim. Sustento meus cinco filhos e meu marido só com isso. Pago escola, curso, compro comida. Tenho orgulho.” Enquanto fala, ela arruma uma arara de blusas e brinca com uma cliente antiga. A cena mostra o contraste entre a dureza da rotina e a leveza que ela tenta manter.
A fala de Socorro ecoa as discussões sobre o papel do trabalho informal feminino nas cidades brasileiras. Segundo dados do IBGE, mais de 40% das mulheres ocupadas no país atuam de forma autônoma ou sem carteira assinada ,muitas delas em atividades como a de Socorro, invisíveis nas estatísticas, mas essenciais na economia urbana.
A rotina de Socorro começa cedo e termina quando o movimento da rua diminui. Montar e desmontar o brechó diariamente exige força e persistência. Mesmo nos dias de chuva, ela improvisa lonas para proteger as roupas e segue vendendo.
“É todo dia. Não falho. Se falhar, não tem comida”, diz com firmeza.
Mais do que um ponto de venda, o brechó representa autonomia e esperança. Em meio à pressa da cidade, ele é um lembrete de que cada pequeno espaço ocupado na rua é também uma forma de resistência.
Entre o barulho dos carros e o vai e vem dos transeuntes, Socorro transforma o improviso em sustento e o cotidiano em história. Seu brechó é mais do que comércio ,é símbolo de luta, persistência e afeto.