Associação de Proteção e Assistência aos Condenados estimula a inclusão

Ressocialização na metodologia Apac promove interfaces entre o social e o educacional

Ludmara Soares

Em meio ao cenário tradicional das prisões brasileiras, no qual o encarceramento costuma ser sinônimo de abandono social, sofrimento e repetição do crime, a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) surge como uma alternativa que aposta na recuperação da pessoa e não apenas na punição. Em Imperatriz (MA), a unidade local vem se destacando como exemplo desse modelo prisional humanizado, em que  o condenado é chamado de “recuperando” e convidado a reconstruir sua história.

Fundada em 29 de setembro de 2006, a entidade é filiada à Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC) desde 15 de agosto de 2011, o que garante a adesão à metodologia e princípios em nível nacional.  O prédio da instituição foi construído por meio de parcerias entre o poder judiciário, voluntários da sociedade civil e recuperandos. Além de celas, a unidade possui oficinas de trabalho, salas de aula e espaços de convivência.

O artesanato, a educação formal e os cursos profissionalizantes são pilares do processo de recuperação. A metodologia aplicada reforça o pensamento do fundador, jornalista e escritor Mário Ottoboni, ao rejeitar a ideia de que os presos são irrecuperáveis, pois a sociedade acaba por marginalizar o apenado ao acreditar que ele não é digno de confiança. Dessa maneira, ao utilizar dos métodos, reforça-se a valorização humana, por meio, por exemplo, da manutenção do vínculo entre a comunidade e o condenado. A intenção não é somente que consiga uma profissão, mas mantenha uma fonte de referência.

O principal propósito da APAC é, portanto, promover a reintegração social do detento, por meio igualitário. A prisão deixa de ser apenas um espaço de punição para se tornar um lugar de recomeço. Diferente do sistema prisional convencional, a instituição aposta  em um método que une disciplina, espiritualidade, trabalho e educação como caminhos para a verdadeira recuperação. A associação busca valorizar a dignidade da pessoa privada de liberdade, oferecendo-lhe oportunidade real de mudança. Nada de agentes armados ou vigilância ostensiva: a segurança é garantida por portões simples e pela confiança. “Aqui não é o cadeado que segura, é a nossa consciência”, comenta um recuperando.

Apac fica em prédio alugado localizado na avenida Beira- Rio, em Imperatriz (foto: Ludmara Soares)

Educação e trabalho

Dentro dos muros da Apac, a proposta é reconstruir histórias e é por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA) que muitos têm reencontrado o caminho do aprendizado e da esperança. Atualmente, são oferecidas turmas dessa modalidade para os anos iniciais (1º ao 5º) e finais (6º ao 9º) do ensino fundamental. Os  recuperandos têm acesso programas de diminuição  de pena, como o projeto “Remição pela Leitura”, que reduz o tempo de reclusão por meio de atividades de leitura, escrita e interpretação. Também são oferecidas oportunidades de certificação por meio do Encceja PPL e do Enem PPL, exames voltados para pessoas privadas de liberdade, que possibilitam concluir os ensinos fundamental e médio.

A educação vai além do conteúdo escolar. Por meio do programa Brasil Alfabetizado, alguns recuperandos que chegaram sem conhecer as letras, já receberam certificados de alfabetização. Muitos deles nunca haviam tido a chance de concluir os estudos fora do cárcere. Em 2024, por exemplo, vários estudantes da unidade foram reconhecidos por suas conquistas durante uma cerimônia oficial realizada pela Prefeitura de Imperatriz. Outro destaque é o investimento na formação dos educadores que atuam na Apac. A Secretaria Municipal de Educação promove encontros e ciclos formativos para os professores do EJA, com o objetivo de discutir práticas pedagógicas, diretrizes curriculares e formas de atuação no contexto da educação prisional.

O contexto educacional vai muito além das salas de aula. Acontece diariamente, em cada palestra, conversa e sobretudo no trabalho coletivo. Os  recuperandos assumem funções reais em  diversos setores internos, aprendendo na prática o valor da responsabilidade e da convivência. Mas educar, dentro da Apac também é reconstruir. Um dos momentos mais importantes nesse processo é o curso “A escala da rumo ao viver sem drogas: como viver em sobriedade”, ministrado pela assistente social Marinilda Bomfim Pereira de Araújo e pelo pedagogo Roberth Eduardo Souza dos Santos.

Sala de aula onde são ministrados o curso “Como viver em Sobriedade” e o EJA (foto: Ludmara Soares)

Nesse curso, são discutidos temas como limites pessoais, prevenção de recaídas e o papel da família na recuperação. Os momentos são de aprendizado e também de desabafo. Alguns recuperandos reconhecem o peso do passado e a dificuldade de mudar, enquanto outros falam sobre o desafio de controlar as próprias emoções, como relata um interno. “Meu limite é pequeno. Eu sou explosivo. Preciso aprender a ter autocontrole”.

Uma frase dita pelo pedagogo Eduardo durante uma das aulas traduz bem o espírito da unidade. “A Apac é mãe. Corrige, mas cuida. Ensina o recuperando a caminhar sozinho”. Para ele, o papel da instituição vai além de um espaço físico de cumprimento de pena: é um lugar de recomeço. Como uma mãe, ela acolhe, orienta e disciplina. Mas, acima de tudo, oferece ao recuperando algo que muitos nunca tiveram: a chance de se reconstruir.

Além desse aprendizado prático, outros momentos reflexivos ganham destaque. O colaborador Marcílio Borba Cortez conduziu uma palestra sobre ciclos, trazendo uma mensagem de esperança ao enfatizar que acredita que os recuperandos podem, sim, sair dali não apenas com um alvará de soltura, mas preparados para recomeçar. Durante a conversa, temas delicados foram discutidos, como a vitimização de crimes, a ausência de culpa e a importância de romper padrões destrutivos.

Esses momentos são essenciais no processo de reconstrução pessoal. Cada um é chamado a refletir sobre suas escolhas e planejar novos caminhos. Além das palestras, acontecem rodas de conversa sobre valores éticos, debates sobre o impacto das drogas, oficinas de autoestima e ações educativas que incentivam a quebra do ciclo da criminalidade. A cada atividade, os recuperandos aprendem que são protagonistas da própria mudança. Na Apac, mais do que cumprir uma pena, eles constroem um futuro.

Assistente social da unidade, Marinilda Bomfim, em palestra sobre a conquista de uma vida sem drogas (foto: Ludmara Soares

Serviço Social

Na Apac, o serviço social ocupa um espaço fundamental no processo de ressocialização. A assistente social da unidade, Marinilda Bomfim Pereira de Araújo, destacou que a reconstrução dos laços familiares é uma etapa indispensável da recuperação. Segundo ela, a ausência ou fragilidade desses vínculos está, muitas vezes, ligada ao histórico de abandono e exclusão social vivido pelos recuperandos antes do crime. Por isso, fortalecer essas relações significa devolver a eles uma rede de apoio emocional que os ajuda a seguir em frente.

Com esse objetivo, a Apac promove oficinas e encontros voltados às famílias, como o Curso de Formação e Harmonização Humana para Familiares, que busca capacitar pais, mães, companheiros e outros parentes a compreenderem melhor o processo de recuperação. Nesses encontros, são discutidos temas como a importância do acolhimento, do perdão e do diálogo dentro da família. A assistente reforça que o círculo familiar não é apenas visita: ela é parte ativa da recuperação.

Além disso, comemorações como o Dia das Mães e o Dia dos Pais são oportunidades especiais em que encontros presenciais reforçam o vínculo afetivo, com mensagens, músicas e momentos de reconciliação. Segundo relatos de funcionários da unidade, essas datas ajudam o recuperando a se sentir apoiado no processo, lembrando que o berço de afeto também faz parte da recuperação.

Como destacado em conversas, muitos recuperandos chegam na instituição com laços familiares quebrados ou enfraquecidos, e essas celebrações são vistas como oportunidades para retomar relações. Pequenos gestos que, dentro da unidade, têm um significado imenso: lembrar que ninguém está sozinho na reelaboração da própria história.

Assistente social Marinilda Bomfim Pereira de Araújo, no setor psicossocial (foto: Ludmara Soares)

Espiritualidade

Embora a fé não seja imposta, a espiritualidade tem um papel profundo e transformador dentro da rotina da Apac. Ela não aparece como obrigação, mas como uma oportunidade de reconexão consigo mesmo, com os outros e com um sentido maior da vida. Em meio aos muros, os recuperandos participam de cultos, leituras bíblicas, músicas de louvor, rodas de oração e reflexões diárias, que criam momentos de interiorização, paz e esperança.

A religiosidade na unidade não se limita à religião: ela é um caminho de reencontro com a dignidade. Durante uma dessas celebrações, um recuperando, emocionado, compartilhou: “A pior prisão é da mente. Aqui, estou aprendendo a me libertar de mim mesmo”. Esse tipo de depoimento é comum entre aqueles que, mesmo privados da liberdade física, encontram um novo significado para suas vidas por meio da fé, do silêncio e da escuta.

 A rotina espiritual auxilia os recuperandos a enfrentarem seus próprios traumas, medos e culpas, abrindo espaço para o perdão, inclusive a remissão de si mesmos. A  presença de voluntários religiosos de diferentes credos também fortalece esse processo, promovendo valores como respeito, amor, perdão e transformação interior. A fé não é usada como sentença, mas como ponte de cura. E mesmo aqueles que chegam céticos acabam reconhecendo, aos poucos, que algo muda quando a alma se acalma. Como costuma-se dizer lá dentro: “A Apac cuida do corpo, mas também abraça a alma”.

Artesanato

A  Apac desenvolve oficinas de trabalho e artesanato como parte da metodologia de ressocialização dos seus recuperandos. Os detentos confeccionam objetos artesanais, que são posteriormente vendidos na própria unidade ou em exposições públicas. Esses trabalhos são valorizados como forma de ocupação e reabilitação mental, proporcionando aos participantes um propósito e habilidades que podem ser úteis após a saída da unidade.

Os tipos de artesanato podem variar, incluindo peças de carpintaria, tapetes, objetos de decoração, almofadas, jarros, redes de pesca e até mesmo maquetes. Utilizam-se materiais diversos, muitas vezes reciclados, como papel de jornal, palitos e sacolas plásticas.

Alguns produtos artesanais produzidos dentro da fundação por meio do trabalho dos recuperandos (foto: Ludmara Soares)

Já os produtos artesanais são vendidos, muitas vezes na própria organização ou em eventos e feiras culturais na cidade, como o Salão do Livro de Imperatriz – Salimp, ou no Calçadão. A renda gerada com a venda ajuda os apenados financeiramente e também pode ser uma fonte de sustento para suas famílias.

 O artesanato é parte fundamental da metodologia Apac, que busca a valorização humana e a recuperação dos condenados. Ao produzir algo de valor, os apenados resgatam sua dignidade e demonstram à sociedade sua capacidade de mudança e contribuição.

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, desenvolvido em parceria com a disciplina Laboratório de Produção de Texto I (LPT), chamado “Meu canto tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.