Repórteres: Déborah Barbosa e Nicole Bianca
Fotos: Déborah Barbosa
Seria possível transformar a natureza em uma forma de renda sem degradar o meio ambiente? Há muitas atividades que podem ser realizadas onde há a utilização e valorização de recursos naturais de uma forma sustentável e significativa, sem comprometer a preservação de tais recursos, como empreendimentos que envolvem agroecologia, apicultura, cultivo de plantas, ecoturismo, e a criação de produtos como extrato de óleos, cosméticos e alimentos. São várias as formas criativas de transformar elementos da natureza em peças que conectam sustentabilidade, renda e tradição e, entre elas, está o artesanato do artesão Nilson Henrique Machado dos Santos.
Nascido em Niterói, no Rio de Janeiro, o artesão de 53 anos compartilha sua história e relação com o artesanato do Rio e de Imperatriz no Maranhão. Aos 18, iniciou sua carreira como artista plástico quando cursou pirografia, uma técnica artística de gravação utilizada para decorar madeira, couro e outros materiais utilizando um aparelho movido a calor. Foi por meio da produção de quadros pirografados em madeira que Santos se interessou pelo artesanato e passou a desenvolver não somente peças pirografadas como várias outras peças utilizando especificamente a madeira como matéria prima.
Em 2015 veio para Imperatriz e se interessou pelo artesanato local, Santos se encantou com a utilização de sementes e cabaças presentes nas produções artesanais imperatrizenses e começou, assim, a se especializar no artesanato do Maranhão. No mesmo ano suas produções chamaram a atenção da presidenta da Centro de Artesanato de Imperatriz (ASSARI), Simone Fonseca. Ela enxergou o talento e a criatividade em suas criações, dando assim a oportunidade de fazer parte do ASSARI. Dentro da instituição, há uma organização que permite não só a exposição e venda de produtos, mas também a realização de feiras em outros pontos da cidade. No entanto, apesar do espaço oferecer oportunidades de renda e visibilidade, ainda há desafios como a falta de divulgação, a ausência de propaganda em meios de comunicação, isso dificulta o alcance de novos públicos e o crescimento das vendas.
Um dos períodos mais desafiadores para o setor cultural foi durante a pandemia da COVID-19. Com a necessidade de isolamento social, eventos culturais foram cancelados, feiras suspensas e espaços de exposição fechados por tempo indeterminado. Nesse contexto, milhares de profissionais da cultura se viram repentinamente sem renda, e os artesãos, que em grande parte dependem da venda direta e presencial de seus produtos, foram impactados. No entanto, mesmo em meio à crise, houve uma conquista importante, a criação de políticas públicas emergenciais voltadas ao setor cultural. Entre elas, as leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo, que surgiram com o propósito de minimizar os impactos da pandemia sobre trabalhadores da cultura em todo o Brasil. Essas leis foram fundamentais para garantir não apenas suporte financeiro, mas também para reafirmar a importância da arte e da cultura como pilares da sociedade.
Apesar de todos os desafios enfrentados ao longo da vida, Santos sempre se destacou pelo seu bom humor, carisma e autenticidade. Sua alegria contagiante e a forma única com que se expressa fazem dele uma figura inesquecível. Suas obras, produzidas a partir de elementos da natureza, refletem não apenas criatividade, mas também a paixão que carrega por sua arte. Nesta entrevista em formato pingue-pongue, conhecemos mais sobre quem ele é, não apenas um artesão talentoso, mas uma verdadeira inspiração. Seu jeito simples e cativante transforma conversas em momentos memoráveis, fazendo com que qualquer pessoa pare para ouvi-lo.

“No tempo das cavernas inventaram a roda, pela roda inventaram o carro, o trator e tudo. Então, se fosse para usar o artesanato para ser uma coisa útil mesmo, de verdade, ele tinha que ajudar muito o meio ambiente”
Imperatriz Notícias: Os materiais que você utiliza são coletados por você ou você compra de algum fornecedor específico?
Nilson Henrique Machado dos Santos: A maioria dos materiais sou eu mesmo quem coleta. Vou até as matas buscar a taboca, por exemplo. Outros consigo aqui mesmo em Imperatriz, porque a cidade tem bastante matéria-prima. O problema é que muitos moradores não aproveitam esses materiais — como a semente de açaí, que é abundante, mas acaba sendo jogada no lixo em vez de ser transformada em uma biojoia. Por isso, infelizmente, tenho que comprar em Recife. O mesmo acontece com a palha de buriti: aqui tem bastante, mas as pessoas não trabalham com ela para fazer esteiras, como fazem em São Luís. Então, mesmo tendo o material disponível por aqui, a gente precisa comprar de fora, porque ninguém vende.
IN: Qual peça das que você já produziu que você mais sente orgulho?
NHMS: Teve várias peças que me deram muito orgulho, especialmente as que produzi como presente na época da pandemia. Foram feitas para médicos e professoras que não podiam trabalhar naquele momento tão difícil do coronavírus. O governador da época, Flávio Dino, comprou R$ 5 mil em material de cada artesão para presentear essas pessoas. Essas peças são de um ano que a gente nunca vai esquecer — não porque foi um ano bom, mas porque foi muito marcante. E quem tiver uma dessas peças pode ter certeza: foram feitas de coração.
IN: Como é que você valoriza e precifica as suas peças?
NHMS: Eu valorizo as peças de acordo com o tempo de trabalho. Tem coisa que faço rapidinho e coloco um valor mais acessível. Tem muita gente que vem ao Maranhão, a Imperatriz, querendo levar uma lembrancinha. Quando a família é grande, a pessoa quer levar algo para cada um, então precisa ser algo bonito e barato. Já outras peças, que levo uma semana ou até um mês para fazer, eu coloco um preço maior. Essas geralmente são compradas por pessoas que moram aqui mesmo em Imperatriz, porque, por causa do tamanho, fica difícil de transportar. Mas ainda tem gente que leva peça grande, mesmo com o valor mais alto.
IN: Como você lida com a sustentabilidade no seu trabalho?
NHMS: Isso também é importante, a maioria das tabocas que eu pego já estão quebradas, porque o vento já quebrou, vou lá e só tiro. Não corto árvore, eu pego o resto da madeira de construção quando desmontam uma casa, vejo se a madeira é boa, então pego para fazer tipo uma reciclagem das madeiras.
IN: Como você percebe as mudanças climáticas na sua produção? Como a disponibilidade de recursos e o clima?
NHMS: Isso aí é para todo mundo também ter consciência, não é só cortar uma árvore e tirar uma árvore do lugar, é jogar lixo na rua, é não respeitar o outro no trânsito. Isso tudo está ajudando a acabar com o mundo, e são as pessoas que estão fazendo isso. O mundo não está acabando, o ser humano que está acabando com o mundo…Você tem que pegar os mais novos e dar um conselho para respeitar o meio ambiente e plantar pelo menos uma árvore.
IN: Você considera que o seu trabalho é também uma forma de preservar e valorizar o meio ambiente?
NHMS: Sim, a maioria dos trabalhos dos artesões até hoje, o artesanato veio da antiga, não é de agora. O pai de Jesus já era artesão, ele era carpinteiro, ele era artesão também. No tempo das cavernas inventaram a roda, pela roda inventaram o carro, o trator e tudo. Se fosse para usar o artesanato para ser uma coisa útil mesmo, de verdade, ele tinha que ajudar muito o meio ambiente. As pessoas fazendo as coisas certas, não desmatando, não ficando de olho grande, querendo cada vez plantar mais soja, querendo mais dinheiro e tirando árvores, isso é ruim para o meio ambiente.
IN: Quais os principais desafios enfrentados pelo artesão que trabalha com materiais naturais?
NHMS: É saber com qual semente certa você vai trabalhar. Não precisa pegar um monte de coisa e ficar guardando em casa, entendeu? E sem fazer nada. Tem pessoas que vão pegando coisas, vão colando, colando, colando, e de repente fica uma poluição. A pessoa não sabe nem o que fez e quer vender. Então, quando a pessoa pega as coisas e sabe o que vai usar certinho, tudo fica bonito. O cliente gosta e acaba comprando antes de chegar aqui.
IN: Qual a sua opinião sobre quem se apropria do título de artista ao revender peças de materiais prontos como se fossem autorais? Como isso afeta o reconhecimento de quem realmente domina a técnica?
NHMS: Tem o cantor e tem o compositor, quando o cantor vai cantar, a maioria deles não falam nem o nome do compositor que fez a música. Aí ele usa a voz dele porque o compositor ninguém sabe. Então, o camarada vê que o outro está ganhando dinheiro, está fazendo as coisas bonitas, ele procura não aprender nada. Ele procura a malandragem pra ficar comprando coisa, achando que está enganando todo mundo, mas chega uma hora que Deus pesa a mão e fica ruim. Eu odeio pessoa que que ficam passando por cima do outro, quer ter olho grande só por causa de dinheiro. Não quer nem ter amizade com o cliente, entendeu? Quer mesmo só ganhar um dinheiro e ficar depois rindo, quer vender umas coisas caras para os outros. Não tem amizade. Tem clientes meu, que tem meu telefone, quando fazem aniversário, mando feliz aniversário para eles, mando Feliz Natal, Páscoa, entendeu? A gente tem uma amizade.
IN: A competição entre artistas é saudável ou prejudicial? Em sua opinião, até que ponto ela contribui ou atrapalha o desenvolvimento da arte?
NHMS: Vamos botar assim também. Onde vocês duas estão estudando, fazendo faculdade, quando uma não sabe a outra está tentando ajudar para ter a mesma profissão, mas cada um na sua área. Então, quando a pessoa quer ser um artesão e quer aprender, eu dou aula as vezes lá no Tatajuba ensinando a outras pessoas a aprender a profissão. Aí a pessoa fazendo o teu trabalho, né? E você passando o teu conhecimento para outra pessoa, a tendência é sempre melhorar, porque Deus abençoa quem ajuda a outra.
IN: O reconhecimento artístico depende mais do talento ou do jogo de mercado?
NHMS: O mercado, para falar a verdade, no artesanato ele não influi muito não, porque tudo que você compra na loja, você vai na outra e encontra também. Nosso artesanato, você nunca vai encontrar em nenhuma loja. Por isso que quando a gente vai fazer feira lá no Calçadão, a prefeitura não implica com a gente, porque eles sabem que no Calçadão não tem mercadoria nossa. Se a gente estivesse vendendo coisa do Paraguai, e essas coisas que eles vendem lá, é lógico que eles iam dar o custo para fazer a feira lá. Então a nossa mercadoria aqui, cada um tem uma coisa diferente, que nem eu sei o que eu vou vender, entendeu?