“A psicologia não pode ser omissa”, defende coordenadora do projeto Saúde Mental LGBTQIAP+

Professora Iranny Sousa, do Ceuma, comenta os avanços e desafios das ações do grupo terapêutico

Ana Luiza Marinho

Ana Luiza Nogueira

Camila Feliciano

Emilly Castro

Leticia Nascimento

Luca Araújo

Luísa Cruz

Sthéfanne Fraga

Tassiana Oliveira

Vinícius Oliveira

“O papel da psicologia é lutar em qualquer situação em que os direitos humanos estejam sendo ameaçados”, relata a psicóloga Iranny Sousa Marinho, professora do Centro Universitário do Maranhão (Ceuma). Esta perspectiva ética e social está refletida também na sua trajetória profissional, já que é a idealizadora e coordenadora do projeto de extensão Saúde Mental LGBTQIAP+ (SMAP) da instituição. Dedicada ao acolhimento e apoio especializado aos integrantes dessa comunidade, ela e sua equipe realizam atendimentos psicológicos online e dinâmicas de grupo.

Professora Iranny Sousa defende a atuação humanizada dos profissionais da psicologia. (Crédito: Ascom da Uemasul)

Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário Luterano de Palmas (Ceulp), especialista em Cuidados Paliativos pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e mestranda na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO),

a professora conta que, a princípio, não planejou trabalhar com essa temática. “Tudo aconteceu de forma muito natural”. Ela começou sua carreira no meio hospitalar, dedicando-se aos cuidados paliativos e à terapia da dor — áreas em que o foco recai, sobretudo, sobre as relações familiares.

Foi nesse ambiente, em contato com equipes multidisciplinares, que Iranny percebeu o forte conservadorismo presente tanto entre os profissionais quanto em meio aos familiares dos pacientes, bem como na sociedade como um todo. A professora Iranny conta que o início da docência fez com que se sentisse segura para falar mais abertamente sobre os temas da comunidade, mesmo com as dificuldades enfrentadas pelo SMAP. “No contexto de Imperatriz, a gente convive com muito preconceito. É muito desafiador trabalhar com esse projeto”.

A psicóloga também presta consultorias e capacitações sobre diversidade e gênero em organizações. Sua experiência inclui passagens pelo Serviço de Atendimento Domiciliar da Unimed e pela Coordenadoria de Reintegração Social de São Paulo, com foco em psicologia e pesquisa em políticas públicas.

Origem

Tudo começou em 2022, com um pequeno grupo terapêutico voltado à população LGBTQIAPN+ dentro do Ceuma. Idealizadora e coordenadora, Iranny acompanha de perto o crescimento das ações e sonha com um futuro mais autônomo. A intenção é que o SMAP seja transformado em um núcleo de inclusão e diversidade, no qual seja possível trabalhar com outras pautas e minorias, inclusive em outros municípios, como Estreito e Açailândia. “Queremos alcançar a população como um todo, e não só quem está dentro da universidade. A ideia é que ele se torne independente, mais livre para crescer e atender outras demandas”.

Embora seja psicóloga de formação, Iranny participa do grupo como professora e coordenadora. “A presença de um psicólogo técnico seria fundamental, principalmente com o tamanho que o projeto vem tomando”, destaca. A iniciativa, que hoje reúne 20 participantes ativos e conta com cerca de 70 pessoas interessadas, é um espaço de diversidade, inclusão e debate sobre a saúde para a população LGBT. “Começamos com apenas seis pessoas, e ver essa procura é muito significativo”, comemora Iranny.

Ações do projeto de extensão Saúde Mental LGBTQIAP+ (SMAP) são marcadas por afeto. (Crédito: Acervo pessoal)

Iranny detalha algumas medidas necessárias para participar do grupo terapêutico. O primeiro passo é o acolhimento, quando são coletadas informações das pessoas. Em situações mais graves, existe um plantão psicológico, no qual um estagiário fica disponível para o atendimento e assistência, caso venha a ser necessário. Além da ajuda médica, o projeto conta com o auxílio para casos de violência e risco de morte. “Os estagiários são bem direcionados, nesse sentido, de saber o que fazer em cada situação”, frisa.

Além das ações terapêuticas, a equipe elabora produtos com potencial criativo e comercial. “Temos alunos incríveis, que desenham, criam jogos de RPG, desenvolvem ideias com muita competência”, elogia Iranny. O SMAP promove, ainda, atividades culturais como o Cine-Psi — sessões de cinema seguidas de debates sobre pautas LGBT —, saraus e rodas de conversa, ampliando o diálogo e a inclusão na comunidade acadêmica.

FOTO 3- Cine-Psi é uma das iniciativas do SMAP para promover o debate sobre a diversidade. (Crédito: acervo pessoal)

A saúde sexual é uma das frentes que mais exigem atenção. Muitos dos participantes chegam ao grupo já com diagnósticos como HIV ou outras ISTs. “Ainda há muita desinformação. Queremos acolher e orientar, oferecendo um espaço seguro para discutir esses temas”, deseja a professora coordenadora.

Desafios

Com uma rotina dividida entre o trabalho como psicóloga e professora, Iranny admite que o tempo é curto para se dedicar totalmente à iniciativa. “Queria poder estar mais presente ou ter outros colegas acompanhando”. Mesmo assim, as ideias continuam surgindo em grande quantidade. “Sou apaixonada pelo projeto e por tudo que ele representa”.

A professora lembrou um episódio de violência contra o projeto que a marcou muito. O SMAP foi divulgado em uma postagem no Instagram, elaborada pelo Imperatriz Online. Porém, a publicação teve uma grande repercussão, o que levou a um aumento da quantidade de comentários negativos sobre a comunidade e a ação. Esse acontecimento fez com que Iranny se sentisse aflita. “Muitos deles, em vez de responder pela página [do SMAP] respondiam pelo perfil pessoal, então eu fiquei preocupada deles sofrerem uma retaliação ou violência”, pontua a psicóloga.

Em meio a retrocessos políticos e sociais, Iranny também enfrenta desafios estruturais e acadêmicos enquanto constrói redes de acolhimento e cuidado para pessoas em situação de vulnerabilidade. “Às vezes eu tenho a sensação de que é uma luta solitária, mas sei que não estou sozinha, pois tenho meus alunos”.

Mesmo com todos os desafios enfrentados, integrantes do SMAP mantém as posturas de acolhimento. (Crédito: Acervo pessoal)

Ao ser questionada sobre os principais desafios que o projeto enfrenta, Iranny conta que muitas vezes percebe a omissão dos seus colegas de trabalho, inclusive em eventos promovidos pelo grupo, como nos saraus. “Alguns alunos me contaram sobre o olhar e falas preconceituosas de outros professores”, relembra. Entretanto, apesar das barreiras, Iranny vê nessas adversidades mais motivação para continuar agindo a favor dos direitos das pessoas LGBTQIAPN+ no âmbito imperatrizense. “Eu tenho muito orgulho do que a gente faz”.

Comprometimento social

Crítica à postura historicamente elitista da psicologia, Iranny sustenta que a profissão precisa se reinventar e assumir sua responsabilidade social. Muitos profissionais de psicologia, após concluírem a graduação, acabam se direcionando exclusivamente à área clínica e não se engajam com os aspectos sociais da profissão, especialmente com relação às minorias.

Para a professora, é fundamental que a formação dos psicólogos seja mais ampla e contemple o entendimento das desigualdades e das múltiplas realidades vividas pelas pessoas. “Às vezes a gente tá ali usando aquela mesma ementa, aqueles mesmos autores, dentro de uma perspectiva hegemônica, e nada muda né?!”, reflete a psicóloga. Segundo ela, a verdadeira formação em psicologia deve preparar o profissional para atender o ser humano em sua complexidade, seja qual for a sua origem, classe, raça, gênero ou orientação sexual.

I Sarau de Exposição Artística da Comunidade LGBTQIAP+ trouxe resistência por meio da arte. (Crédito: acervo pessoal)

Outro ponto levantado por Iranny é que pessoas pertencentes à comunidade LGBTQIAP+ tendem a preferir ser atendidas por psicólogos que também tenham essa orientação. “Quando a pessoa vem me pedir indicação, e essa pessoa é LGBT, ela vai perguntar:  ‘Ah o psicólogo é LGBT também? Eu prefiro um psicólogo LGBT porque eu tenho receio de não ser acolhida’”, expõe.  Para ela, isso é um reflexo de uma formação fragmentada. “Se eu tenho que passar pela mesma dor daquela pessoa pra atender ela, então eu não tô estudando pra atender o ser humano. Eu tô estudando pra atender determinada população”.

A professora cita, ainda, a necessidade da criação de uma lei específica com o objetivo de identificar e relacionar situações de homofobia. Iranny evidencia a importância de programas governamentais direcionados à saúde da população LGBTQIA+. “Acho importantíssimo a gente ter políticas públicas voltadas à saúde, não só a sexual, que se olhe para a saúde LGBT de uma forma integral”.

*Este perfil foi elaborado a partir de uma entrevista coletiva organizada pelas (os) estudantes do 1º semestre de Jornalismo da UFMA. O texto final, resultado da edição dos exercícios da disciplina Redação Jornalística, é a primeira publicação dessas (es) futuras (os) jornalistas.