Repórteres: Emanuely Victoria e Gabriel Cruz
Fotos: Emanuely Victoria
A trajetória do artista Silvino de Souza Matos – atualmente com 59 anos, nascido no município de Ourém do Pará – que veio para o interior de Imperatriz com dois anos de idade nos meados dos anos 1970, começou de forma autodidata já no princípio de sua vida. Fazia desenhos no papel de personagens das séries clássicas da época, como “Os Flintstones” e “Lula Lelé”, e, assim, as pessoas da sua rua viam o seu trabalho. “Pra mim, nunca foi um desafio a encarar” relata Silvio, sobre essa sua rápida familiarização e interesse com o desenho tradicional, até vendendo cada folha de desenho por R$1,00 em 1975, quando tinha 9 anos.
Na época, era pago para fazer trabalhos de escola de artes das outras pessoas. Ele menciona que quando tinha oito anos, Zeca Rodrigues, seu falecido primo que também era artista, lhe presenteou uma pintura de um pirata e logo saiu na rua para mostrar a todo mundo. “Te dou três anos pra virar profissional”. Foi o que Silvio diz ter ouvido de Zeca. Ele declara ter ficado animado com a previsão. Essa experiência prévia, mostrando e vendendo sua arte de uma forma mais comum e informal quando criança, foi o grande pontapé para o que ele se tornaria futuramente.
Seu progresso artístico continuou fazendo trabalhos publicitários com sua arte: pinturas de parede e muros, principalmente fachadas de lojas. Nunca era um simples letreiro. Silvio sempre buscava dar um toque artístico e uma identidade a cada trabalho com uma ilustração, saindo com sua maleta indo de loja em loja oferecendo seu serviço. Em uma delas, foi contratado para um trabalho de pintura de fachada e uma pintura interna de uma loja, e no intervalo entre elas, precisava de uma tela também para a decoração. Acabou que o orçamento do serviço da pintura interna e da fachada, que demorou cerca de uma semana, foi o mesmo valor do quadro que ele pintou em um dia. Ao perceber que era muito mais prazeroso para Silvio pintar um quadro, do que ter o esforço do trabalho braçal que era pintar fachadas e paredes, afirma: “Eu fiquei empolgado, e vi que a caminhada é por aqui”.
Ao conseguir a oportunidade, em 1993, com 27 anos de idade, viajou para São Luís e, após conseguir contatos, fez sua primeira exposição no Centro Criativo Odylo Costa Filho, apresentando suas telas e o seu trabalho artístico inspirados em nomes como Candido Portinari, Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti. O público recebeu suas pinturas em tela achando que Silvio era veterano, mas que ainda estava a amadurecer a sua arte. Como agradecimento a sua presença, recebeu um telegrama do secretário de cultura pela sua qualidade na amostra do trabalho na exposição, e a partir disso, voltando para Imperatriz, também trouxe as exposições para a cidade no shopping da época, Shopping Timbira.
Com a ajuda da mídia, começou a espalhar seu nome e talento, e foi em mais uma viagem para exposição no Banco do Brasil Agência Central no Sudeste. Recebeu dois convites simultâneos para expor suas artes internacionalmente: um em Beverly Hills, na Califórnia, e o outro em Milão, na Itália. Estava arrumando as telas para expor junto com Agostinho Noleto em uma publicação de seus livros, mas logo teve de levá-las para viagem ao ter a passagem paga por um patrocinador que viu talento em sua arte. Também com o apoio de seu público, a sua arte foi exposta internacionalmente bem-sucedida. “Eu chegando em Milão, vendo as placas tudo diferente, e passando na minha cabeça, eu sendo lá de Imperatriz, e estou do outro lado do mundo, representando minha cidade” relembra Silvio.
Deixando telas para trás, com sua marca no exterior, retornou ao Brasil e viajou por outros estados como Goiânia, Brasília e São Paulo, trabalhando de contrato com suas pinturas encomendadas e com feiras de suas telas. Cansado dos shoppings, foi para as galerias, e até comprou uma própria em Guarujá, São Paulo. Produzia suas próprias artes, e logo as vendia, mas Silvio encontrou desgaste na vida corrida e solitária na cidade grande, e retornou para Imperatriz, onde não lhe faltou serviço. Ainda durante 5 anos, expôs no Imperial Shopping.
Seu estilo único chamava atenção de olhares positivos e negativos, o uso de formas destacadas e cores fortes similares dos artistas brasileiros na época do modernismo que misturavam o surrealismo que inspiraram as suas telas e fizeram o traço de Silvio Mattos ser o que é até hoje. Mesmo com o olhar de pessoas que preferem o realismo e fidelidade à anatomia humana, nunca mudou a preferência do que Silvio transparece em suas artes: O cotidiano do brasileiro simples, representado por personagens ribeirinhos, de interior, que representa e reforça também a cultura brasileira.
Nessa entrevista, Silvio Mattos mostra seu ponto de vista e opinião sobre questões atuais sobre a arte: o que já foi, do que ela é, e o que ela pode se tornar. Questões sobre principalmente cultura e humanidade, e a principal importância real da arte para o ser humano.
Imperatriz Notícias: Qual foi a parte mais difícil de se consolidar como um artista conhecido em Imperatriz?
Silvino de Souza Matos: A parte mais difícil é quando você bate numa porta pra conseguir um espaço e a pessoa, sabe, ignora sua proposta. Aquilo ali é frustrante. Como eu sou muito persistente, muito perseverante, procuro nunca ficar numa porta só. Sempre vou noutra e noutra. Se nove disse não, uma vai dizer sim. Então, a palavra-chave é persistência. No começo de carreira sempre é mais difícil. Poucos te conhecem, ninguém acredita. Mas isso é mais por falta de conhecimento mesmo.

“Todo mundo que nunca pintou um quadro na vida quer pintar um quadro abstrato, mas que não tem nenhum embasamento, não consegue rascunhar uma mão, fazer um esboço desenhado, sabe”
IN: Após mais de 40 anos como artista, qual foi a lição mais importante que a arte lhe ensinou?
SM: Que é muito bom uma pessoa carregar sua bagagem com um pouco de humildade, sabe. Quando eu estava iniciando a arte eu era muito soberbo. Achava que eu era o Picasso contemporâneo. Então quando você descobre que é um aprendiz e se mune dessa humildade, você acha uma saída pra chegar no topo.
IN: Para você, qual é o próximo passo na busca pela valorização da arte em Imperatriz?
SM: Chegou o Tatajuba, aqui, que tem as portas abertas para os artistas. Já estive no Tatajuba. Então, a valorização que precisamos é investir mais nesse segmento. E com esse projeto agora, da lei Rouanet, tem aberto muitas portas para artistas novos. Também há mais escolas de artes. Porque muitas vezes (as pessoas) evitam entrar numa galeria, porque acham que não é pra eles. Mas se você tiver acesso direto a mais escolas de arte, isso ajuda muito no crescimento da valorização.
IN: Sua arte geralmente envolve a abstração de certos elementos, como corpos humanos e cenários de fundo. Qual habilidade ou técnica mais contribuiu para sua produção artística nos últimos anos?
SM: É todo um conjunto de ensinamentos básicos. Eu gosto, particularmente, por exemplo, do trabalho de abstracionismo, mas ele é muito… Vandalizado.
IN: Por quê?
SM: Todo mundo que nunca pintou um quadro na vida quer pintar um quadro abstrato, mas que não tem nenhum embasamento, não consegue rascunhar uma mão, fazer um esboço desenhado, sabe. Acha que é só chegar lá, jogar um monte de tinta e já tá ok. Aí banaliza, porque ele quer vender o quadro dele por três mil. Não tem nenhuma noção básica e quer vender o quadro por três mil porque ele vê um cara que tem 50 anos pintando e pensa que já é assim, só chegar lá e vender o dele por três mil.
IN: Como um artista tradicional, que realiza suas obras à mão, qual é sua opinião no uso de Inteligência Artificial na criação de arte nos dias atuais?
SM: Acho que tudo bem, mas o que me entristece é que se pode roubar a arte de muitos artistas, né, como tem acontecido. Nessas lojas que vendem produtos da China, roubou muito sim. Até que vandalizou. A pessoa não sabe, não tem noção do que é comprar uma arte feita à mão e do que é comprar uma coisa feita numa impressora, imprimida. Então, por falta de conhecimento, muitos optam por uma coisinha descartável, que vai durar dois, três anos e vai jogar fora. É a diferença de uma coisa feita a mão, que tem toda uma essência, toda uma história por trás, feita com amor, num momento de expressão único, em que cada um é cada um. Então, rouba o mercado, sim.
IN: Como você vê a arte em Imperatriz? Você acha que ela é reprimida de alguma forma?
SM: Não, não vejo isso não. A arte é esse processo de não poder apoiar, aí se não pode, se vira e pronto, mas não acho que é oprimida. Muito pelo contrário, é uma escalada crescente.
IN: E na sua época, nos anos passados?
SM: Sim, já houveram tempos muito mais hostis, muito mais. Bem mais difícil, era sim reprimido. Muitas vezes, até por quem deveria apoiar mais.
IN: Você acha que conseguiria seguir outro ramo sem ser o artístico? Quem seria Silvio Matos sem a influência da arte?
SM: Olha, eu sempre gostei muito da agricultura, acho que eu seria um agrônomo. Porque acho que estou muito ligado às plantas. O artista, se ele não for sensível às coisas da natureza, vai ficar faltando alguma coisa pra ele.
IN: De acordo com uma pesquisa realizada pelo IBGE, a média salarial do maranhense em 2024 era de 2049 reais. Considerando isso, você acha que a arte é acessível no Brasil?
SM: Eu acho que sim. Muito mesmo. Cada um compra uma arte que está adequada ao seu bolso. A arte não é tão valorizada hoje no Brasil. Então se você tiver bom gosto, você pode fazer uma economia e comprar um quadro. Se você não pode comprar um quadro de 20, 30 mil, você acha um mais barato, é de boa.