Por: Maria Eduarda Santos
O grupo de fotógrafos de aves “Maranhaves” se dedica a observar e registrar as diferentes espécies da região desde 2015. A iniciativa surgiu através do biólogo José Wilson Carvalho de Mesquita, que nasceu em São Luís e atua no ramo do registro de pássaros há pelo menos 13 anos. Atualmente a equipe conta com quase 50 observadores. O Maranhão é o décimo estado com mais aves registradas no Brasil por meio do mapeamento.
Também especialista em aves, Will Mesquita (como é chamado profissionalmente e pelos amigos), conta que começou a fotografar por indicação médica para tratar o transtorno de ansiedade, e que a curiosidade ao encontrar aves desconhecidas o levou a conhecer o “WikiAves”, uma plataforma online para mapeamento de pássaros em todo o Brasil. “O WikiAves me permitiu catalogar todos os registros que eu estava fazendo, aprender muito sobre identificação de aves e também gerar mapas, o site tem essa funcionalidade onde a gente consegue produzir mapas com todos os pontinhos [locais] onde você já fotografou. Todos os pontinhos específicos de uma espécie”, explica.
Foi por meio da plataforma que o biólogo teve um maior contato com essa comunidade e levando em conta o cenário da preservação das aves, criou o Maranhaves, que já passou pelas cidades de São Luís, São José de Ribamar, Raposa, Paço do Lumiar, Bacabeira, Morros, Barreirinhas, Itapecuru, São Benedito do Rio Preto, Arari, Caxias, Açailândia e Imperatriz.
Colaborar dentro da chamada ciência cidadã também é um dos objetivos do grupo através do WikiAves. “Em alguns registros que foram feitos aqui no Maranhão nos últimos anos, a gente tem coisas interessantíssimas, como algumas aves que nunca tinham sido fotografadas no estado, e aves brasileiras que só possuem registro aqui no Maranhão” pontua o observador.
Will acrescenta também que esse trabalho contribui na produção de dados que podem ser utilizados em trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado, teses de doutorado e tem potencial para ir além. “Podem ser usados para a questão da conservação e espécies ameaçadas de extinção”.
Em relação às descobertas, ele relembra de quando fez o primeiro registro do “Papa-lagarta-do-mangue”(Coccyzus minor) no estado. Em um passeio com amigos pelo município de Raposa, o grupo ouviu o canto do pássaro e tiveram a confirmação da sua existência naquela região. “Ficou todo mundo maluco, assim, ‘caramba, tem mesmo!’”
Já em um segundo momento, Will voltou ao local, juntamente com outro integrante do Maranhaves, com o intuito de registrá-lo. “A gente chegou lá e meio que deu tudo errado. O dia estava feio, começou a chover… e quando estávamos voltando, eu olhei na maré baixa e inicialmente pensei que fosse um pica-pau, quando peguei o binóculo para tentar identificar, era o Papa-lagarta. Nessa hora parece que o sol brilhou porque esquecemos de tudo e começamos a fotografar”.
Outra lembrança é de quando encontrou a ave “Jacu-de-estalo” (Neomorphus geoffroyi), que é considerada “de mata”, pois prefere andar do que voar. Ele afirma que ela era considerada a ave mais difícil de ser fotografada no Brasil, devido a crença de que não era possível atraí-la, fazendo com que o encontro fosse totalmente por acaso. “Entre nós, comentamos que ela era o ‘Santo Graal’ dos observadores de aves daqui”, brinca.
Em parceria com um colega também biólogo que estudou e desenvolveu uma técnica para atrair o animal, Wilson conseguiu fotografar o Jacu no povoado de São Benedito, onde seu pai morava. “Já tinha praticamente uma década que eu tinha vontade de ver, pelo menos”.
Para Wilson, a questão de atrair a atenção das aves para garantir o click é uma questão polêmica na comunidade de observadores no geral, mas especificamente no Maranhaves, é permitido o uso do aplicativo de sons de aves, Merlin, de forma controlada. ”Normalmente, nas saídas fotográficas, o membro mais antigo controla o uso para garantir o uso parcimonioso da ferramenta”.
Rosana Barros, observadora do grupo que atua em Imperatriz e região, prefere esperar que as aves apareçam. Ela entrou no grupo a convite de Will e, nesse ano começou a participar ativamente do mapeamento online, apesar de já ter um acervo sólido de registros feitos em épocas passadas. A fotógrafa já catalogou 179 espécies diferentes, entre elas a Garça-tricolor (Egretta tricolor), encontrada no município de Alcântara. “Tem duas espécies que eu considero mais difíceis: a Garça-tricolor e o Rabo-branco-do-maranhão”, comenta.
Ela conta que o Rabo-branco-do-maranhão (Phaethornis maranhaoensis) é uma espécie de beija-flor nativo do estado. “Ele existe no Maranhão, no Tocantins e um pouquinho no Piauí, mas é basicamente nosso”.
Apesar de ter começado a colaborar na catalogação mais recentemente, ela que também é jornalista, explica que seu interesse por aves despertou ainda no período da graduação, quando nas práticas da matéria de Fotojornalismo, conseguiu registrar sua primeira ave. Sobre o funcionamento do WikiAves, ela destaca o trabalho conjunto de cientistas, fotógrafos e biólogos. “Dá para publicar sem identificar e os pesquisadores do próprio site vão lá e me dizem ‘olha, essa é tal espécie’” e se eu errei, ele questiona”.
Para a fotógrafa, o valor científico dessas ações está no fato que além de buscar espécies novas para aumentar o acervo, ela pode ajudar no reconhecimento da cidade como local de observação e pesquisa. ”Quando eu vou viajar para um município, já olho quantas espécies foram registradas lá, porque a partir daí, posso perceber a contribuição que posso dar”, conclui.
Quem também contribui na área desde 2018 é Roberto Almeida, observador que assim como Will, teve a oportunidade de fotografar o Jacu-estalo e muitas outras aves. “Foi com certeza a melhor vivência”. O primeiro contato dele com esse trabalho, foi quando adquiriu uma câmera superzoom (com muito zoom) e assim, passou a observar os pássaros de sua cidade e a conhecer mais sobre eles. “Fiquei maravilhado. Daí pra frente fui buscar as espécies da minha região que eu via no mapa do WikiAves e nunca mais parei”.
Tendo passarinhado em diversos biomas brasileiros como Amazônia, Pampas, Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica, o fotógrafo de aves já vivenciou algumas situações inusitadas. “Com uma galinha do mato, toquei o playback e ela veio pra cima de mim… outra foi uma perdiz que disparou um voo tão perto que eu cai”, relembra.
Dificuldades e (outros) benefícios de se “passarinhar”
Dentre os obstáculos que envolvem o mapeamento de pássaros, Will destaca o acesso a áreas privadas. “Por exemplo, na ilha de São Luís, as áreas mais conservadas são restritas: Reserva da Vale e Reserva da Alumar”. Para Rosana, outra dificuldade é a falta de observadores no estado. No total são 528 maranhenses cadastrados no mapeamento online. “O que é muito diferente de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul que tem a cultura de se ’passarinhar’ e já tem de 2 mil a 14 mil usuários”, observa.
“A gente tem muito espaço para o crescimento dessa atividade que comprovadamente possui, entre todas as outras características, melhoria das condições de saúde das pessoas: diminui a ansiedade, ajuda a baixar a pressão sanguínea e melhora o estado geral físico do praticante. Então, é uma atividade extremamente positiva”, aponta Will.
Já Roberto acrescenta que as pessoas não precisam de um equipamento profissional para entrar no ramo. “Qualquer um pode começar, mesmo que só com um playback e um caderninho”. Ele destaca que um passo importante é justamente o registro e estudo do canto das aves, algo que não requer materiais sofisticados. “Aí, quando tiver o equipamento, já terá uma boa experiencia para facilitar o encontro. Nem tudo é somente fotografia”.
Uru Podcast
Através da revista especializada em observação e estudo de aves “Uru”, com o objetivo de atrair mais pessoas para a prática e espalhar o conhecimento sobre as espécies, Wilson criou o Uru Podcast. De acordo com ele, atualmente, o podcast conta com mais de 50 episódios que exploram o universo das aves e estão disponíveis em plataformas de áudio como o Spotify e Deezer. “Já teve uma série sobre aves que já foram extintas, atualmente tem uma série sobre aves consideradas únicas devido a suas características e entrevistas com especialistas”.
Serviço
Para conhecer o trabalho dos observadores, o WikiAves e o Uru Podcast, acesse:
WikiAves:
https://www.wikiaves.com.br/index.php
Maranhaves: https://www.instagram.com/maranhavesbirdwatching
Uru Podcast: https://www.revistauru.com/podcast
Perfis dos observadores:
Rosana Barros: https://www.wikiaves.com.br/perfil_rosanabarros
Will Mesquita: https://www.wikiaves.com.br/perfil_jwillmesquita
Roberto Almeida: https://www.wikiaves.com.br/perfil_b89602a749b87c9