Casamento Põocatiji-Krikati adapta tradições ancestrais

Pepyaká Krikati

Matrimônio no território indígena do Maranhão passa por mudanças sociais

A cerimônia do casamento tradicional marca um importante momento para o povo Põocatiji-Krikati, habitantes do território indígena Krikati, localizado na região sudoeste do Maranhão, denominados “os povos do cerrado”. Os anciãos da aldeia contam que hoje, quando os mais jovens querem se casar, pedem a mão da moça e depois os familiares conversam entre si para decidir a data do casamento. Logo após, tem início uma preparação até o dia em que a cerimônia será realizada. Mas o matrimônio passou por mudanças ao longo dos anos, adaptando-se às transformações sociais.

O homem, para pedir a mão da mulher, primeiro precisa avisar toda a família. Depois disso, eles marcam um dia para que os familiares se reúnam e conversem entre si. Sobrinhos, sobrinhas, tios, tias, avós e avôs da futura esposa dirigem-se à casa do pretendente, e dão início a uma longa conversa, na qual os primeiros a falar são os familiares da mulher.

Só a partir do encontro das duas famílias completas, é possível firmar o compromisso de se respeitarem uns aos outros. A partir desse momento, todos se chamam de cunhados e cunhadas por causa da união entre o casal. Depois que o encontro se encerra, os familiares escolhem uma data e um mês para a preparação do casamento. Esse período pode variar de seis meses a um ano, pois é necessário organizar a alimentação. Além do casamento, há uma festa tradicional, na qual é preciso haver comida para todos, pois há corrida de tora e cantoria.

Preparativos

No casamento indígena dos Põocatiji, quem vai em direção ao “altar”, que neste contexto é a casa onde a futura esposa mora, é o noivo, enquanto a mulher o espera por lá. Antes disso, há todo o processo de preparação: o homem é pintado no pátio, como é chamado o centro da aldeia, com pintura corporal de urucum e pau de leite, para colocar as plumas. Todos os familiares e amigos o acompanham nesse momento. Depois que concluem a preparação do noivo, eles aguardam para serem chamados para ir em direção à casa da família da noiva.

Enquanto isso, a noiva também é preparada com tinta de urucum para pintura corporal e colocam seus colares e adereços. Depois, ela só aguarda o noivo que está vindo do pátio. Então começa a cerimônia, e quem dá conselhos é um ancião da aldeia, falando da importância do casamento e das dificuldades que irão enfrentar juntos.

No casamento indígena dos Jê Timbira, do qual os Põocatiji-Krikati fazem parte, não há beijos no final da cerimônia. Em vez disso, entregam colares e pulseiras para algumas pessoas importantes que estavam presentes no momento e que pediram esses itens. Não se pode negar a entrega dos artesanatos, pois assim é e sempre foi, um rito que perdura até hoje.

Lembranças

Jonas Pynheh e Arlete Krikati, grandes lideranças do povo Gavião, são casados e relatam que, antigamente, a conversa entre os familiares dos futuros noivos já ocorria quando ele e ela ainda eram crianças. “Se você não gostasse dessa pessoa, não podia fazer nada, pois tinha sido um acordo entre os pais. Se você tivesse sorte, casaria com a pessoa prometida e ambos se dariam muito bem no casamento. Assim era no começo”, explica Jonas.

Outros relatos sobre o ritual do passado indicam que era necessário que os jovens que tinham sido prometidos para se casarem tinham que ajudar os familiares. A mulher fazia o trabalho para a família do rapaz, como cozinhar, entre outras atividades relacionadas à casa. Enquanto o homem prestava serviços para os parentes da futura esposa, como caçar ou trabalhar no roçado. Assim, se criava uma relação prévia entre as famílias até ambos concretizarem o casamento. Quando se casam, quem se muda para a casa dos sogros é o homem.

Os adereços são essenciais para o ritual, como pinturas corporais, pulseiras e colares. As biojóias fazem parte da cerimônia. Hoje em dia, as miçangas são usadas para fazer esses adereços. Antes disso, eram feitos de tiriricas e tentos, sementes que são base dos colares. O povo Põocatiji sempre usou e tirou da natureza tudo que lhes era ofertado. Assim é um casamento tradicional do povo Põocatiji.

Experiência pessoal

Acompanhei o casamento do meu irmão. Um ano antes do evento, nossos familiares e os da noiva se reuniram, seguindo o  ritual do nosso povo. Nesse encontro, todos têm a oportunidade de falar. Após um ano, começam os preparativos. Pulseiras e colares são preparadas para a noiva e o noivo, que serão adornados com pinturas corporais de urucum e pau de leite para inserir as plumas.

Meu irmão foi levado ao pátio para ser pintado e adornado com plumas, pulseiras e colares. Já a noiva foi preparada na casa dos pais. Quando as pinturas corporais e outros preparativos foram concluídos, o noivo, que aguardava no pátio, foi em direção à noiva, acompanhado por todos os seus familiares. As cerimônia ocorrem pela tarde, na hora em que o sol já baixou um pouco.

Casamento tradicional do povo Põocatiji-Krikati na TI Krikati, no sul do Maranhão. (foto: Krayka Krikati)

Puxcwyj Krikati comenta que “ antigamente só se casava se fosse um bom caçador e um bom trabalhador”, ressaltando que muita coisa mudou desde então. Hoje em dia, o casal senta na cadeira na frente do ancião, que vai iniciar a cerimônia. Era costume, antes, mas em algum caso ainda perdura, que o noivo e a noiva deitem no pano estendido no chão, com as suas cabeças voltadas para frente do conselheiro ancião.

“Eu me lembro que houve uma corrida de tora antes do meu casamento. Fomos pintados no pátio e depois levados para a casa dos meus sogros para realizar a cerimônia. Na época, eu morava na aldeia Raiz, onde o casamento aconteceu”, relembra Quiipej Krikati. A aldeia a qual ele se refere é a segunda mais antiga do Território Krikati. Já na chamada corrida de tora os homens carregam troncos de buriti ou de barri.

Hoje ela reside na aldeia São José, T.I. Krikati, aldeia sede da T.I. Quiipei Krikati relata que, quando se casou, não se lembra bem se foi em 2006 ou 2007, antes da cerimônia de casamento houve uma corrida de tora entre os partidos de cima (cyj) e baixo (hary), grupos de corredores que competem entre si na aldeia.

Josivan Po’heh Krikati, cujo casamento ocorreu em 2019, disse que a melhor parte da cerimônia ocorreu à tarde, quando foi levado ao pátio para ser pintado, antes de ir ao encontro da noiva, que o esperava na casa dos pais dela. “A tarde estava muito bom demais, e começaram a me pintar e depois disso até o momento de seguir em direção à minha mulher, essa parte foi muito legal para mim”, relembra.

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, chamado “Meu canto também tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.