“Os ‘tiozão’ do rock tão fazendo churrasco e polindo as armas deles”: entrevista nada comportada com Anderson Lima

Repórteres: Gabriel Antunin, Ketcia Freitas, Júlia Victoria

 

Nascido e criado no meio musical, Anderson Lima, 36 anos, é um cantor, instrumentista e compositor imperatrizense, que tem um grande fascínio pelo rock. O gosto pela música foi herdado pelo seu pai, que é instrumentista com experiência em flauta e violão. Embora o lado paterno tenha forte influência por suas preferências musicais, Anderson cresceu ouvindo também a mãe e a irmã cantando no coral da Igreja, o que aproximou ainda mais sua relação com a música. Além disso, possui outra irmã, Ariana Conceição,  licenciada na área.

Anderson cursava Direito na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), quando decidiu acompanhar uma amiga [nome] de faculdade em seus shows promovidos em bares e restaurantes na cidade de Imperatriz. O jovem musicista gostou da experiência e passou a acompanhar também outros colegas cantores, o que o influenciou a deixar o curso de Direito para viver da música.

Apesar de não ter licenciatura, Anderson Lima frequentou aulas de piano, o que lhe concedeu conhecimentos musicais como leitura de partitura, fator que o habilitou a dar aulas para alunos da rede de educação privada de uma escola em Imperatriz. Atualmente, não leciona mais. Porém se apresenta como músico em Imperatriz, Açailândia e outras cidades da região Tocantina, além de eventos privados. Criou com amigos a Banda Melquiades, nome dado em referência a um personagem do livro “Cem anos de solidão” de Gabriel García Márquez.

No período pandêmico, Anderson participou de transmissões ao vivo pela internet, algumas promovidas por ele mesmo em seu canal, chamando amigos e buscando contornar as dificuldades impostas pelo isolamento, outras como convidado do veículo de comunicação Imperatriz Online.

Em suas redes sociais o artista faz questão de exibir seu posicionamento político, assumindo-se convictamente como uma pessoa de esquerda. “A minha posição política, eu não criei em grupo de WhatsApp. Eu criei lendo. Eu criei no movimento estudantil. Isso faz parte de mim!”, relatou o artista durante a entrevista. Em 2020, quando o Presidente da República Jair Bolsonaro anunciou sua vinda à Imperatriz em 29 de outubro, foram colocadas propagandas na cidade em favor do político, o que despertou o interesse de Anderson para manifestar sua opinião contrária como forma de protesto. Para isso, iniciou uma “vaquinha” online em prol de arrecadar dinheiro para produzir um outdoor em resposta aos até então instalados. Após a veiculação, o anúncio foi incendiado e o músico sofreu diversas ameaças veladas.

Nessa entrevista, Anderson Lima comenta sobre o cenário musical de Imperatriz, a relação entre o rock e a política, sua vivência com a música, e as consequências do outdoor anti-bolsonaro.

“A minha posição política eu não criei com grupo de WhatsApp trocando figurinha. Eu criei lendo. Eu criei no Movimento Estudantil, e isso faz parte de mim. Não negocio isso com ninguém”

 

IMPERATRIZ NOTÍCIAS: O senhor apresentou-se em transmissões ao vivo, as lives, durante a pandemia. Como foi essa experiência?

ANDERSON LIMA: Eu fazia dois tipos de Live, pelo celular, que fiz aqui no meu escritório, onde ficam meus instrumentos e todo o equipamento de música. Uma [live] era mais para beber com os amigos e para espantar o tédio e a loucura de estar trancado, as outras já com produção com estrutura de som e tudo com transmissão via YouTube. Teve uma até que o David Carvalho ajudou, o do Imperatriz online, que é amigo meu de infância. A Live também foi uma maneira tanto de manter a saúde mental, quanto de captar algum dinheiro. Porque teve muita gente que foi parceira. O pessoal desses ambientes que a gente toca, eles financiaram as lives também. A classe de música estava trancada esperando o edital do governo, que saiu só seis meses depois. Como se fosse uma esmola. A gente teve que se virar, reunir uma galera e todo mundo fazer suas lives.

IN: Então esse momento da pandemia foram os momentos mais difíceis que você consideraria para o pessoal da  música, por exemplo?

AL.: A pessoa que trabalha com música é autônoma. Ela vai captar mais dinheiro com música ao vivo. Assim, a pandemia “teve um lado bom”, bem entre aspas mesmo. Que a galera se vira com outros tipos de captação de recursos, com outras mídias. Eu não posto muita coisa, eu posto mais publicações de caráter pessoal, não profissional. A galera teve  que gravar, teve que colocar material no YouTube fazer release, fazer portfólio. Foi difícil, mas hoje tá um pouco mais fácil. Em uma hipótese de haver novamente a pandemia, aumentar o número de casos, a primeira classe sacrificada vai ser a classe artística.

IN: Tendo visto ainda essa questão da dificuldade, como é que o senhor vê o atual cenário artístico aqui de Imperatriz?

AL.: Eu posso falar a partir do meu ponto de vista, que é do músico que toca ao vivo. Às vezes a gente tem a ideia também que o músico tá morrendo de fome, não é bem por aí. Deixei de dar aula, deixei de trabalhar com a sala de aula, porque o salário é bem menor. Tem artista aqui em Imperatriz, que  fatura uma nota. Essa galera que trabalha com sertanejo, com os ritmos mais dançantes, de casas de show, ganha bem melhor do que qualquer profissional liberal. Uns 10 mil reais por mês. Dá de viver bem.

IN:  No seu perfil do Instagram você compartilha muito suas leituras, como as outras artes, como a literatura, afetam o seu trabalho?

AL: Afeta muito. Eu amo outras mídias. Eu e meus amigos somos um grupo onde a gente gosta muito de quadrinho e de mangá, sou Fã de One Piece (mostra tatuagem do mangá), de game e literatura. A minha banda por exemplo, Melquiades, é um personagem de “Cem anos de solidão” que leva o gelo a Macondo. É bom ter esse link com outras artes e tudo, porque serve para transformar o que a gente está sentindo, vivendo e tornar a vida mais leve.

IN: É perceptível que você é politicamente ativo na internet. Tendo em vista isso, como é que você vê o cenário atual?

AL: Eu sou obviamente de esquerda. Me considero social democrata, sou de esquerda.  A minha posição política eu não criei com grupo de WhatsApp trocando figurinha. Eu criei lendo. Eu criei no Movimento Estudantil, e isso faz parte de mim. Não negocio isso com ninguém. Acontece muito aqui em  Imperatriz eu ouvir:  “Você não pode falar sobre isso, você não pode postar sobre aquilo”. Eles querem “carteirar”, querem mandar na minha consciência e isso tudo acontece muito. Essa cidade é nojenta. A rede social é minha, é pessoal.  Claro que eu posso [postar]. “é porque você trabalha com o público”, não importa.  Você vai  comprar é o meu serviço, eu não vou chegar, tocar no restaurante para galera que vota determinado candidato, e ficar militando lá. Milito nas redes sociais pessoais. As profissionais eu deixo [sem política]. Eu acho que isso tem um nome muito claro: quando a pessoa quer mandar na tua consciência, quer mandar no teu posicionado político, o nome a gente sabe, é  Fascismo. E acabou-se.

 

“O rock and roll é transgressão, desde o rebolado de Elvis à letra sensual do Robert Plant, por exemplo: o movimento punk, com letras políticas. Deveria ser anticapitalista, a maioria das bandas tem um teor político. Eu cresci ouvindo isso, eu respiro isso, eu amo isso”

 

IN: O rock é um gênero conhecido pela sua forte cultura de levante político, como o senhor vê isso?

AL: O rock and roll é transgressão, desde o rebolado de Elvis à letra sensual do Robert Plant, por exemplo: o movimento punk, com letras políticas. Deveria ser anticapitalista, a maioria das bandas tem um teor político. Eu cresci ouvindo isso, eu respiro isso, eu amo isso. O Pink Floyd, a  galera não consegue ler a letra e entender que aquilo ali é um discurso de justiça social, um discurso que está dentro do espectro da esquerda. Enfim, há bandas de direita também. Infelizmente o rock, hoje é um ninho de “tiozão” chato, que é conservador, pela família, é triste ver.

IN: Anderson, você acha que a música pode influenciar nas eleições desse ano?

A.L: Influencia sim. Eu respeito e gosto de outros artistas dos gêneros mais em alta, mas eu não consumo. Por exemplo, o pop atual brasileiro: a Anitta, a Pablo, eu acho essencial que tenha  artistas como elas, que levantam uma bandeira política, apoiando o Lula agora, por exemplo. Eu acho que elas influenciam muito mais do que do que o gênero que eu me insiro, entende? A pessoa fazer o jingle do Lula, com certeza tem um impacto. Coisa que antes era o rock poderia fazer, agora não faz! Os Tiozão do rock tão fazendo churrasco polindo as armas deles. Se for pegar a letra de funk, completamente sem moralismo, acho muito transgressivo, sobre a libertação do corpo, do teu discurso enquanto indivíduo: você tem autonomia, você pode fazer o que você quiser. Aí o roqueiro vai lá e fala:  “essa música só fala besteira” com julgamento moral. Cara?  A gente não pode ter um julgamento moral com arte, não se faz dessa forma.

IN: Falando nisso, houve a colocação de um outdoor contra o Bolsonaro em frente à Unimed que foi realizado através do dinheiro de uma campanha online promovida por você. Poderia falar um pouco mais sobre isso?

AL:  A galera aí que tem dinheiro espalhou um monte de outdoor pela cidade falando “bem-vindo, presidente”. Direito deles. Então eu falei: “gente, vamos fazer uma vaquinha e produzir um outdoor cobrando também os processos, os crimes, que o governo do presidente está sendo investigado. A gente fez uma vaquinha no Facebook. Colaborou muita gente, até quem eu nem imaginei. Aconteceu de tocarem no fogo no Outdoor e eu sofri umas ameaças veladas também no tempo. Descobri quem era e fiquei quietinho em casa. Esperar o quê da galera democrata. Ficou meio macabro.

IN:  Você sofreu ameaças depois do outdoor anti-bolsonaro, pode nos contar mais sobre?

AL: Foram ameaças veladas em grupo de WhatsApp, chegou a mim os prints, só que eu deixei quieto, me resguardei, fiquei em casa por uns tempos, não quis sair na rua. Os caras ficavam compartilhando minha foto, me chamando de vagabundo. Um deles falou que ia dar um tiro na minha cara.  Enfim, não compensa mexer com isso, deixa quieto e  bola para frente. Eu não quis pagar para ver, porque muitas vezes é só o cara lá latindo, coisa que essa galera gosta de fazer, vestir a capa de machão e tudo, mas eu não quis pagar para ver. É melhor ficar à distância. Bem democrata eles, só eles podem demonstrar a opinião. Eu não prestei queixa, deixei quieto mesmo.

IN: Tendo em vista que os lugares que você se apresenta, como o Madame Bistrô, é um ambiente elitizado, você já perdeu alguma oportunidade de emprego por conta do seu posicionamento político?

AL: Sim, claro, já chegaram falando: cara, tu não pode fazer isso não, senão não vou te contratar. Eu dependo do meu trabalho pra pagar a escola do meu filho e tudo, mas com esse tipo de gente não dá para viver, eles querem sabotar você, né? “A gente não pode permitir que ele fale isso, que fale aquilo porque eu não concordo”. Isso tem nome né? Para mim isso é uma atitude de “proto-fascista”. às vezes acho que meu comportamento é exagerado, mas acho que é melhor se  afastar mesmo do que conviver com esse tipo de coisa. Eu tenho  pessoas que mesmo estando em  espectro político [diferente do meu] a gente se dá muito bem. Não tem a ver com posição política, às vezes é o caráter. Os lugares que eu toco são lugares da Elite, mas os donos sabem dos meus símbolos, do meu engajamento político.

Bate Bola:

I.N: Álbuns Favoritos.

A.L: “Clube da esquina” do Milton, “Transa” do Caetano e “Doolitle” do Pixies

I.N: Um livro.

A.L: “O evangelho segundo Jesus Cristo” do José Saramago

I.N: Um autor.

A.L: Gabriel García Márquez.

I.N: Uma HQ.

A.L: “Sandman”.