A escola tem papel essencial no desenvolvimento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA)

Quanto mais cedo uma criança com TEA for inserida no ambiente escolar, mais facilidade ela terá para conviver bem com as demais pessoas.

 

Repórteres: Anna Maria Fonseca, Renata Lima, Sophia Becker

Foto: Anna Maria Fonseca.

A psicopedagoga Leude Moura Queiroz em seu local de trabalho.

Com o objetivo de informar e diminuir o preconceito contra indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA), o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, dia 2 de abril, foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2007, de acordo com a Unidade Interdisciplinar de Políticas Inclusivas (UPI), da Universidade Federal de Viçosa (UFV). O Ministério da Saúde reconhece que as intervenções psicossomáticas, incluindo a preparação de pais e cuidadores para lidar com crianças autistas podem reduzir as dificuldades de comunicação e socialização, possibilitando bem estar e qualidade de vida para elas.

Nesse processo também é fundamental o papel de uma psicopedagoga durante o período de adaptação e desenvolvimento das crianças com TEA no ambiente escolar. A pedagoga Leude Moura Queiroz relata que a boa relação de crianças autistas com a escola colabora para o desenvolvimento emocional e social.

Leude Moura, graduada em pedagogia, se especializou em psicopedagogia para melhor atender seus alunos que possuem TEA. A profissional atua em uma escola da rede particular de Imperatriz, no turno matutino e vespertino, com crianças de dois anos de idade.

A psicopedagoga relata o processo de observação que é feito nas crianças e algumas estratégias utilizadas para a inclusão delas no espaço escolar. Além disso, comenta a importância do acesso às informações sobre o TEA no processo de aceitação dos pais, como esses conhecimentos contribuem para uma melhor compreensão em relação aos filhos com essa condição, que se mostra por desafios na habilidade de interação social, comportamentos repetitivos e impacto na comunicação verbal e não verbal.

 

Imperatriz Notícias: Como é feito o processo inicial de socialização das crianças com TEA?

Leude Moura Queiroz: É um pouco diferente, porque essa mudança de ambiente causa certo medo, que é normal nessa faixa etária, como são crianças de dois anos, sempre essa adaptação a novos ambientes é difícil, e para eles é mais difícil ainda. Então, tem que acolher, fazer todo um processo de inclusão neste período de adaptação, porque é tudo muito novo.

 

IN: Muitas crianças com TEA não gostam da quebra de rotina, de conhecer pessoas novas, vocês têm estratégias para trabalhar isso?

LMQ: A gente sempre trabalhou com alguns materiais pedagógicos, como lata, palito de picolé e imagens. Tudo isso já ajuda bastante na adaptação deles. Demora umas duas ou três semanas para que eles consigam ficar tranquilos, sem chorar, participando e interagindo. Na medida do possível a gente vai fazendo essa inclusão.

 

IN: Você usa esses materiais pedagógicos para fazer eles entenderem os sentidos e se sentirem melhores tocando essas coisas, se relacionando com o ambiente?

LMQ: Cada um tem o seu jeitinho individual de aprendizagem e com eles não é diferente. Eles tinham o seu modo de aprender, de interagir, um gostava de ouvir música, o outro o som já atrapalhava (por causa da sensibilidade auditiva). Sempre teve que ir trabalhando individualmente, o som para um ajudava, para o outro não, porque cada um tinha o seu nível. Foi tentando aos pouquinhos, respeitando o limite, respeitando o tempo de cada um, sempre com esses materiais, com essas intervenções pedagógicas (métodos alternativos de ensino, como o uso de objetos e ilustrações).

 

IN: Qual a importância da escola em todo esse processo de desenvolvimento dos alunos com espectro autista? 

LMQ: A escola é muito importante no desenvolvimento dessas crianças, porque é na escola que elas vão aprender, desenvolvendo essa questão social, cognitiva e comportamental junto às outras crianças no convívio social. É aqui que elas vão encontrar esse ambiente que proporciona acolhimento e desenvolvimento social. A inclusão é isso: incluir essas crianças junto às outras crianças, inserindo elas no meio. Desenvolvendo, trabalhando com elas o cognitivo, o social e ajudando também as outras, porque tem crianças que não entendem o porquê do comportamento dessa criança que possui o TEA.

 

IN: Diagnósticos de TEA são dados pela psicopedagoga?

LMQ: É uma equipe multidisciplinar, eles que fazem esse diagnóstico. Nós pedagogos, o que podemos fazer é um relatório falando como é o comportamento dessa criança dentro da sala de aula, junto com as outras crianças, quando a mãe não tem nenhuma desconfiança. Às vezes acontece, em casa, a mãe que tem dois, três filhos, já consegue observar a diferença do comportamento. Então, a própria mãe busca o pediatra e começa todo o processo. Realmente, quem fecha o diagnóstico é o neuropediatra.

 

IN: Já aconteceu de vocês darem um relatório para os pais e eles não aceitarem? Com a afirmação “meu filho não tem isso”?

LMQ: Acontece muito. Uns 2 anos atrás a gente percebia que os pais não aceitavam tanto, hoje em dia, eu percebo que com as informações ao alcance de todos, os pais estão mais informados sobre. Aquela questão da negação, não vemos tanto como antes, os pais estão aceitando mais, porque é um assunto que está na mídia. É muito falado, muito questionado. Hoje em dia acontece ainda dos pais também terem essa negação, mas eles já chegam aqui mais abertos, falando do assunto. Antes nem se falava, partia do pedagogo essa suspeita, esse alerta para os pais.

 

IN: Essa maior aceitação dos pais também pode estar relacionada com a certeza de que o convívio social na escola, a partir do acompanhamento dos profissionais necessários, dará uma melhor qualidade de vida para a criança?

LMQ: Sim, os pais estão tendo acesso a essas informações. Antes partia da escola, hoje não, os próprios pais buscam. Eles estão muito ligados nas informações sobre o autismo, tanto que observam o comportamento e eles mesmos buscam, lá fora, um acompanhamento com o pediatra. Os pais ficam um pouco perdidos, mas chegam até a gente já tendo passado por toda a equipe, que mandam: “coloca na escola, ele tem que estudar”. Então eles trazem para escola.

 

IN: Em uma fala do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, ele diz que crianças especiais geram atraso no nível escolar dos outros alunos e também sobre ter escolas específicas para colocar essas crianças. Qual o seu pensamento sobre essa fala de uma pessoa tão importante como o Ministro da Educação?

LMQ: Não entendo o porquê da fala dele e ainda mais partindo de uma pessoa que é da área, o Ministro da Educação. Eu não concordo. Fico até emocionada, porque imagino ter um filho e não aceitarem ele em uma escola, como eu trabalho na área vejo como são crianças maravilhosas. Quanto mais cedo a mãe perceber e fazer essa observação, vai ser melhor para a criança, quanto mais cedo for diagnosticado é melhor para se trabalhar, ele vai chegar lá no fundamental bem desenvolvido, não vai ter tanta dificuldade de aprendizagem, de socialização com as outras crianças.

A inclusão é muito importante, porque isolar essas crianças, fazer uma escola só para elas, já foi visto que não dá certo, elas começam a ter os mesmos comportamentos observando a companhia que tem e vão imitando. As crianças com o TEA observam muito e entendem tudo, por mais que você pense que elas não entendem. Se você estimular essa criança desde cedo a interagir, a participar no grupo, ela vai ficar tranquila, vai chegar em outro ambiente que tem muita gente, uma igreja, por exemplo, e não vai se assustar porque está acostumada, já está inserida.

 

Entrevista produzida para a disciplina Técnicas de Entrevista e Reportagem (2021.2), ministrada pela professora Nayane Brito.