A dignidade que advém do algodão

O direito da mulher sobre a higiene menstrual é uma questão de saúde pública e a distribuição de absorventes caminha, indissociavelmente, ao lado do princípio da dignidade humana.

 

Repórteres: Clara Teles, Deumárya Oliveira, Guilherme Carneiro, Lúcio Silva e Máyra Christina.

Foto: Acervo pessoal.

 

Na foto, a Defensora Pública do Estado do Maranhão, Tayná Medeiros.

 

O tema escolhido para a entrevista foi a “Pobreza menstrual no Brasil: desigualdades e violações de um direito básico”.

A expressão “pobreza menstrual” é utilizada para denominar a falta de acesso a produtos de higiene menstrual, de infraestrutura sanitária adequada em casa e na escola e de conhecimentos necessários para esse período do ciclo reprodutivo. As brasileiras que mais sofrem com essas condições adversas são as que vivem em situação de pobreza e vulnerabilidade na cidade e no campo.

A falta de informação e acesso a absorventes e outros itens de higiene pessoal indispensáveis para pessoas que menstruam (mulheres, meninas, homens trans e demais pessoas com útero) é um problema que atinge um número expressivo de cidadãs, que ficam impossibilitadas de cuidar de sua saúde íntima. Dados da ONU apontam que, no mundo, uma em cada dez meninas falta às aulas durante o período menstrual. No Brasil, segundo a Agência Senado, esse número é ainda maior: uma entre quatro estudantes já deixou de ir à escola por não ter absorventes.

De acordo com o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, divulgado pelo Unicef e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), em 28 de maio, Dia Internacional da Dignidade Menstrual, mais de 4 milhões de estudantes frequentam colégios com estrutura deficiente de higiene, como banheiros sem condições de uso, sem pias ou lavatórios, papel higiênico e sabão. Desse total, quase 200 mil não contam com nenhum item de higiene básica no ambiente escolar. Os dados da Agência Senado indicam que a situação é ainda pior quando se leva em conta que 713 mil meninas não têm acesso a nenhum banheiro (com chuveiro e sanitário) em suas casas. E outras 632 mil meninas vivem sem sequer um banheiro de uso comum no terreno ou propriedade.

Para comentar sobre essa temática, a Defensora Pública do Estado do Maranhão, Tayná Medeiros Pereira, titular da 2ª vara do Núcleo Regional de Lago da Pedra, concedeu uma entrevista para os acadêmicos do 2º período do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão – UFMA Campus Imperatriz. A defensora é formada em Direito pela Faculdade SEUNE/AL e pós-graduanda em Direito Penal e Criminologia pela PUC/RS.

 

Imperatriz Notícias: Vamos falar um pouco sobre a campanha, o tema dessa nossa conversa. Poderia nos explicar o que é a campanha e qual o seu objetivo?

Tayná Medeiros: A Defensoria Pública do Estado do Maranhão, em parceria com o Movimento Mulheres de Axé do Brasil (Núcleo do Maranhão), iniciou uma Campanha de Combate à Violência Menstrual, com o objetivo de arrecadar absorventes e coletores menstruais que serão doados a mulheres em situação de cárcere e meninas beneficiadas pela ONG Mulheres de Axé. As doações inicialmente poderiam ser feitas entre os dias 05 e 25 de julho, mas o prazo foi estendido até o dia 20 de novembro.

A campanha tem a finalidade de difundir esse tema tão pouco debatido e informar a população sobre esse problema de saúde pública, que é a pobreza e a violência menstrual, e consequentemente, obter doações para ajudar no enfrentamento do problema. A menstruação é processo natural do corpo feminino, mas ainda é tabu para muitas mulheres e cercado de desinformação… A violência menstrual é a falta de acesso das pessoas que menstruam (mulheres, meninas, meninos trans e não binárias) a recursos, infraestrutura e conhecimento para que tenham plena capacidade de cuidar da sua menstruação.

IN: Qual o principal motivo que levou a Defensoria a pensar nessa campanha?

TM: A partir do Levantamento Nacional realizado pela antropóloga Mirian Goldenberg, que entrevistou mulheres de todo o Brasil, com idade entre 16 a 29 anos, mostrou dados alarmantes sobre pobreza menstrual, que é a falta de acesso a itens básicos de higiene durante a menstruação por falta de informação ou de dinheiro. O absorvente e outros produtos de higiene menstrual são ainda hoje vistos como cosméticos e são tributados como tal. Esse problema afeta, principalmente, as mulheres de baixa renda, mulheres em situação de rua e as encarceradas. Ademais, o problema afeta também o pleno exercício do direito à educação das jovens e adultas, pois existem estudos que comprovam que 1 em cada 4 jovens já faltou aula por não poder comprar absorvente.

Foi essa situação de vulnerabilidade que motivou a Defensoria, juntamente com outras entidades sociais e entes governamentais a realizar uma campanha de conscientização e amparo a essas mulheres tão marginalizadas, sobretudo as em situação carcerária.

IN: É uma campanha muito importante e necessária. Onde podem ser feitas as doações?

TM: As doações podem ser feitas por qualquer pessoa em alguns pontos até dia 20 de novembro, a saber: Núcleos da DPE/MA na Capital e no interior, Centro de Tambores de Mina Ilê Ashé Ogum Sogbô (Endereço: Rua Nossa Senhora das Graças, nº 62, Liberdade – São Luís/MA), Secretaria Municipal de Direitos Humanos do Município (SEMDHU) e demais secretarias do Município de Paço do Lumiar, Fórum Des. Sarney Costa (Bairro Calhau) e Secretaria da Mulher (Palácio Henrique de La Roque – Calhau).

IN: Quem serão as beneficiadas por esse projeto?

TM: A campanha visa beneficiar meninas de Axé (uma organização política, social e cultural de Mulheres de Religiões de Matriz Africana e Afro brasileiras, de alcance nacional, de apoio às mulheres, que tem um núcleo na capital do estado e é parceira da Defensoria na campanha, além de beneficiária) e mulheres em situação de cárcere.

IN: Você mencionou que as possíveis beneficiárias da campanha serão as mulheres em situação de cárcere. Por que essas mulheres se tornaram objeto de atenção dessa campanha?

TM: Essas mulheres têm seus direitos mais básicos violados. A situação é muito grave nos presídios, pois esses ambientes são pensados para homens e não para mulheres. É tanto que os kits de higiene que são distribuídos, são os mesmos, tanto para homem, quanto para mulher. O que é uma negligência em relação à questão do gênero e viola os direitos humanos dessas mulheres, as quais, segundo estudos, muitas vezes precisam recorrer a pedaços de pano, pedaços de algodão e até miolos de pão para conseguirem continuar suas atividades diárias menstruadas.  Por isso, existe hoje, no país, um debate mais amplo sobre o assunto. Movimentos de mulheres, deputadas militantes nas causas feministas e várias instituições estão abraçando essa causa e tentando dar a visibilidade merecida. Não obstante, a Deputada Federal, Tabata Amaral, tem um projeto que prevê a distribuição gratuita de absorventes em espaços públicos: escolas, presídios, postos de saúde.

O que é válido, pois se a camisinha é distribuída em locais públicos, por que não o absorvente também, né? O tema precisa ser debatido e normalizado. O que nunca pode ser normalizado é a violência menstrual e o tratamento desigual de gênero.

IN: É o primeiro projeto social que a defensoria se propõe a fazer ou já fizeram outras ações parecidas?

TM: Quanto aos projetos da Defensoria Pública, temos vários. Citando alguns, temos o Projeto Defensoria na Comunidade, que leva atendimentos para aqueles lugares mais distantes dos núcleos regionais; a Campanha de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa 2021; Projeto de Núcleos Ecológicos; e também campanhas para garantir mudança de nome social de transexuais. Muitos de conscientização, outros de práticas.

IN: Qual o impacto pessoal desta campanha na sua vida, sabe, como mulher?

TM: O impacto na minha vida é a empatia e olhar humanizado para mulheres que vivenciam situações que fogem da minha realidade e aprender a debater e a defender o direito dessas mulheres mesmo que eu nunca tenha passado por nada do que elas passam…

É isso que eu tento absorver diariamente do meu trabalho, empatia e resistência para defender coisas com as quais me deparo, porém, não vivencio.

 

Entrevista produzida para a disciplina Técnicas de Entrevista e Reportagem (2020.2), ministrada pela professora Nayane Brito.