“Falta de conhecimento, pura ignorância”, diz o venerável mestre da maior loja maçônica de Imperatriz, sobre as pessoas que associam a Ordem a rituais satânicos

 

                                   Repórteres: Ana Campos e Agda Anastácio

                              Fotos: Ana Campos e Agda Anastácio

 

Pra quem não tem muita familiaridade, a maçonaria é um tema que gera muitas curiosidades e até mesmo certos preconceitos. A Ordem maçônica é uma instituição progressista, que se auto intitula discreta e tem sua filosofia baseada em símbolos e rituais, que em sua maioria, são conhecidos somente pelos próprios membros. A maçonaria teve sua origem na Idade Média, a partir das reuniões entre os pedreiros e construtores que possuíam o conhecimento da construção civil, que por uma questão de sobrevivência, guardavam os segredos da profissão temendo que as técnicas caíssem em domínio público. Então, a organização que conhecemos hoje como maçonaria, nasceu com o propósito de garantir a hegemonia do conhecimento e ao mesmo tempo, possibilitar um intercâmbio de informações entre a irmandade dos construtores. Com o passar dos séculos a Ordem passou a ser estritamente simbólica, os membros maçônicos não seriam mais construtores matérias e sim homens dedicados a construção do edifício moral da humanidade.

De acordo com a última pesquisa realizada pela List of lodges, considerada a mais importante publicação com informações sobre a maçonaria regular em todos os continentes, em 2011, o Brasil tinha mais de 200 mil maçons, distribuídos aproximadamente em seis mil lojas. Em Imperatriz, atualmente estima-se que existam mais 240 maçons, subdivididos em oito lojas que existem em diferentes pontos da cidade.

Nessa entrevista, o Imperatriz Notícia propôs desmitificar e compreender melhor o universo maçônico. Para isso entrevistamos o venerável mestre eleito Carlos Airton Sanches, ele foi recentemente escolhido  ao cargo e assumirá a partir do ano que vem o maior templo maçônico da cidade, a Loja União e Fraternidade de Imperatriz n° 10, passando a liderar 68 membros que frequentam a Loja.

O Imperatrizense Sanches, de 47 anos, professor universitário e funcionário público na área de Educação Física, teve seu primeiro contato com a maçonaria ainda na infância, através do pai que é maçom há 44 anos. Apesar de ter um familiar membro na Ordem, o venerável mestre  eleito só passou a integrar a maçonaria na vida adulta, aos 37 anos de idade, quando se sentiu preparado e pronto para iniciar na vida maçônica. “Decidi aceitar o convite de entrar na Ordem quando me senti preparado psicologicamente e financeiramente, porque pra mim a maçonaria não é um hobby ou estilo de vida, mas sim uma condição espiritual do ser”, explica.

Ao longo de dez anos participando da instituição, e segundo ele, aprendendo a trabalhar uma nova consciência moral regida pelos princípios da organização, Sanches recebeu a nomeação de venerável mestre eleito, há pouco tempo ,o cargo é na hierarquia da Ordem o mais alto posto de uma loja maçônica. O venerável mestre é escolhido pelos membros a cada 12 meses, atuando como administrador e orientador da loja. “Tenho que ser acima de tudo um perfeito reflexo de liderança e sabedoria para meus irmãos, agindo de forma que eu consiga transmitir orientações sem ser mandatário ou autoritário, porque isso findaria o vínculo do sentimento de admiração nos liderados em relação a mim”,Ressalta Sanches.

Em um caloroso bate papo com uma das mais altas autarquias da maçonaria, abordamos alguns temas polêmicos que envolve a Ordem, como: mitos, rituais, politica, religião e o papel da mulher na organização.

 

Imperatriz Notícias: Quais os pré-requisitos para ser um membro da maçonaria? E porque as pessoas não podem ser auto candidatar, tem que haver uma indicação?

Carlos Airton Moraes Sanches:  Dentre os pré-requisitos o homem deve ser livre, ou seja, deve ter opinião própria, não deve ter restrições com a justiça, deve ser harmonioso para com os vizinhos, não infringir a lei e ser virtuoso. Acredite em um Ser superior. Que conviva dignamente com as pessoas.

IN: E porque as pessoas não podem ser auto candidatar, tem que haver uma indicação?

CAMS:Nós membrosesperamos que as virtudes, os adjetivos, as qualidades sejam reconhecidas na pessoa através de um maçom, pois quando alguém se autocandidata se coloca em uma situação de vaidade, onde quebraria a lógica daquilo que buscamos na Ordem que é a consciência moral, a construção de um ser melhor, sem vícios e soberba. Para ser iniciado na maçonaria é preciso do convite de algum membro, que antes irá analisar as relações familiares e profissionais do possível candidato, e sua conduta.

IN: Porque os membros precisam acreditar em algum tipo de deus superior?

CAMS:A crença em um ser superior chamado pela fraternidade de Grande Arquiteto do Universo- ela é um pré-requisito para que haja a harmonia entre os membros, pois quando existe o credo nesse ser, há também uma força na pessoa, onde ela levará para o ambiente do convívio entre os maçônicos. Vamos pensar comigo, é importante essa crença, pois não tem como estar em um lugar em que todos creem e você não, isso consequentemente geraria desarmonia. Então a espiritualidade, essa relação com esse ser superior é o que caracteriza, se o homem pode realmente participar da maçonaria.

IN: Por mais que as lojas maçônicas sejam independentes uma das outras, o ritual de iniciação é feito por todas as lojas maçônicas do mundo. Porque esse ritual é tão importante?  

CAMS: O ritual de iniciação, assim como em toda instituição que possuem rituais, tem como objetivo que a pessoa vivencie a experiência desse novo momento da vida dela. E o ritual de iniciação da maçonaria simboliza o renascimento da forma mais simbólica possível, o renascimento de ideias e conhecimentos.  É necessário passar por esse momento porque ele realmente simboliza a transposição do Ser para a ordem. A pessoa que está passando pelo ritual ele precisa crer que aquele momento é único e que ele representa uma nova porta de conhecimento e ideia. Por mais que a pessoa seja altamente sábia, como por exemplo, saber falar várias línguas, ter cargos relevantes na sociedade ou possuir um grau intelectual altíssimo. O iniciando precisa crer que é um novo homem depois daquele momento e que o processo de iniciação representa um novo marco pra vida dele.

IN: É mito ou verdade essa questão dos códigos maçônicos? Segundo pesquisas, para proteger os membros vocês utilizam códigos, e esses códigos contribuem para que vocês se reconheçam independentemente da situação.  Através de frases, palavras secretas ou até mesmo apertos de mão específicos. Isso é realmente verdade?  Vocês fazem o uso disso para se identificarem e comprovarem a legitimidade?

CAMS:   É uma boa pergunta, será se realmente existe isso [risos]?  Eu uso minha carteirinha de identificação quando vou à Loja. Assim como a especulação da sociedade discreta, isso também é discreto, é bastante nosso. As pessoas que não estão na ordem vão continuar imaginando, pensando ou sonhando nessas especulações. Porém, como eu havia dito sobre a carteirinha, talvez possam existir pessoas que falsifiquem tais documentos ou usem as vestimentas da ordem sem ter nenhuma ligação. É a partir daí, que existirão situações que somente aquele que foi iniciado e é um verdadeiro maçom, terá condições de identificar a legitimidade de tal membro.

IN: Por que existe esse certo paradigma de associar a instituição a rituais satânicos?

CAMS: Essas são concepções geradas historicamente e tem muito a ver com ignorância, com o desconhecimento da Ordem, geralmente as pessoas relacionam os símbolos e imagens a esse aspecto de “satânico”, mas a maioria nunca veio aqui no templo, se elas viessem talvez até achassem bonito, e talvez fossem ver que aqui não tem nenhum “satanás” e nenhum bode, e que temos é uma bíblia sagrada bem no centro do nosso templo.

INEsse ano vocês fizeram O Baile do Maçom e ele foi aberto para a comunidade de Imperatriz, isso é uma meta de vocês para que de alguma forma se minimize esses aspectosnegativos que a sociedade tem em relação à maçonaria?

CAMS: Sim, o baile é uma forma de estabelecer uma relação com a sociedade, as pessoas vêm para cá, participam, dançam, se divertem, e sempre estamos ajudando também, seja servindo a cerveja e até pegando as cadeiras, nós somos homens comuns da sociedade. Outra forma de contato é, por exemplo, o padre Francisco que vem aqui com bastante frequência, ele já deu palestras, abençoou nossas posses, além disso recebemos pessoas de outras igrejas, que vêm para nossa área de lazer, existem membros da nossa loja que participam na igreja diretamente, ou seja, são barreiras que têm sido quebradas.

IN: Durante uma pesquisa percebemos que a maçonaria esteve presente em vários momentos marcantes no Brasil, como a Proclamação da República, a Redemocratização do Brasil, e nos dias atuais nesse cenário de crise política e econômica, como é que a maçonaria tem atuado nessa questão?

CAMS: Desde as primeiras situações ocorridas em que tiveram oportunidades de intervenções da maçonaria, foi claro que alguns sujeitos eram participantes da Ordem. Mas hoje nossa intervenção é mais baseada na questão especulativa “de quem deveria ou não estar no comando do governo”. A gente observa e comenta a atuação das pessoas envolvidas no governo e em certos momentos até percebemos pessoas que nem são da Ordem, mas tem um perfil que facilmente poderia ser. Por exemplo, sabemos que o nosso vice-presidente o general Mourão é maçom, assim como outros que fazem parte do governo atual, muitas pessoas são contra, mas para nós o que vale é o que ele está fazendo ali, se a forma que age, está de acordo com os princípios da Ordem. É claro, que queríamos poder intervir mais politicamente de maneira que pudéssemos contribuir mais com a sociedade. Por exemplo, fazendo valer o combater a corrupção, trazer mais   igualdade e justiça social ao país.

IN: Você comentou sobre o vice-presidente, em uma entrevista ele afirmou que quase todas as lojas maçônicas do Brasil são adeptas ao governo atual. Isso se aplica as lojas de imperatriz?

CAMS: Na minha visão e isso não é um parecer, mas uma percepção minha do momento atual, muito dos irmãos e não somente os irmãos da ordem da cidade, mas pessoas ligadas à maçonaria, acreditam que a linha de pensamento do governo de ser contra a corrupção condizem com nossos princípios. Porém não dá pra prever se o governo vai ser ou não corrupto e cumprir com o que falaram no decorrer de toda a campanha. A gente vive em um país imenso com muitas pessoas, então não dá pra generalizar um apoio total. Certamente muitos irmãos tiveram pensamentos controversos, porém foram respeitados, porque acima de qualquer coisa a gente prega a liberdade de expressão e o livre arbítrio. Jamais imporíamos aos membros da ordem em quem votar ou qual governo apoiar, isso não faz parte dos princípios da maçonaria.

“com o passar do tempo às mulheres ganharam espaço na ordem maçônica, só que não de forma originarias”

IN: As normas de muitas instituições possuem cláusulas “pétreas”, que são cláusulas imutáveis. Isso ocorre em alguns artigos da constituição brasileira, por exemplo, em que mesmo que todos os deputados e senadores aprovassem por unanimidade algum tipo de mudança, mesmo assim esses artigos não poderiam ser modificados. Na maçonaria também funciona dessa forma, possuindo “landmark” imutável quando se trata do ingresso de mulheres como membro?

CAMS: Sim, os Landmarks da maçonaria são imutáveis, apesar de não serem tão extensos como a constituição Brasileira. Essa questão da não participação da mulher nos rituais maçônicos tem várias explicações, vou citar dois exemplos de explicação citados por Kennyo Ismail,pautados na questão histórica e sexual utilizadas por alguns pesquisadores. À questão histórica, como a ordem surgiu através dos construtores da época, ou seja, com os pedreiros e arquitetos e isso era um trabalho destinado aos homens, as mulheres não participavam, pois não entendiam do conhecimento do oficio operário. Sobre a questão sexual, os membros são considerados irmãos, então é meio contraditório imaginar você tendo algum tipo de relação sexual com as mulheres que participariam da ordem. Existem várias outras teorias e não se sabe se são verdades ou não. A questão é que quando você aceita participar da ordem você deve seguir e aceitar as regras.

IN: Mais não é meio contraditório que com mais de mil anos de existência, a maçonaria que prega a aceitação das diferenças e tem entre seus princípios contemporâneos a defesa da não discriminação, ainda exista uma grande resistência à participação das mulheres?

CAMS:  Então, com o passar do tempo às mulheres ganharam espaço na ordem maçônica, só que não de forma originarias, ou seja, não são oficializadas pelas instituições que normatizam as Lojas. Porém, existem oficinas maçônicas femininas, mas elas existem apenas de forma pratica, não são reconhecidas. Como exemplo, em Portugal existe a Loja maçônica mista, onde há a participação feminina. Na nossa loja especificamente, a mulher tem um papel fundamental, as esposas dos membros são conhecidas como “samaritanas” e elas atuam com o papel filantrópico de organizar as ações sociais.