“Informação é poder. É preciso que o cidadão conheça seus direitos”, alerta o promotor do consumidor de Imperatriz

Texto e fotos de Marita Ventura

Bíscaro: “Bem, na promotoria as coisas são bem variadas. Agora nós recebemos muitos questionamentos especialmente envolvendo a Cemar e Caema”

Este ano o Código de Defesa do Consumidor completou 27 anos de existência e, desde a sua criação, tem como principal finalidade a restauração do equilíbrio entre consumidor e fornecedor. Mas, apesar de ser um divisor de águas no ordenamento jurídico brasileiro, de acordo com o promotor de Imperatriz, Sandro Bíscaro, o cidadão, de um modo geral, ainda desconhece muitos dos seus direitos e, além disso, não sabe como ou a quem recorrer no momento em que se sente prejudicado.

Em entrevista, o titular da Promotoria de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Maranhão (MP-MA) em Imperatriz, Sandro Bíscaro, que assumiu o posto desde 2013, destaca a necessidade da denúncia e da busca pelos direitos por parte da população. Fala da aproximação cada vez maior do Ministério Público com as causas sociais e de cada atuação diferenciada dos órgãos direcionados para essa área.

Formado em Direito em Minas Gerais, pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), e Mestre em Interesses Transindividuais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), o promotor, que atua na área há dez anos, também fala sobre as dificuldades no exercício da função e onde a instituição ministerial deve investir em melhorias, admitindo que, para um atendimento eficaz e de excelência à comunidade, são necessárias mudanças no Ministério Público inclusive tendo como espelho padrões europeus.

Imperatriz News: Vamos iniciar falando sobre o Código De Defesa do Consumidor. Como você avalia o Código e até que ponto ele fortalece e deixa o consumidor mais seguro diante dos seus direitos?

SB: Olha, Marita, o Código do Consumidor foi o maior avanço, sem dúvidas, na defesa do consumidor brasileiro porque antes os direitos eram regulados pelo código civil como meras relações contratuais. Já o Código do Consumidor vem pra reconhecer uma hipossuficiência, uma inferioridade do consumidor em relação aos fornecedores de produtos e serviços e, por isso, conferir mais direitos a ele com o objetivo de equilibrar a balança. Por exemplo: no processo civil comum entre partes iguais, o ônus da prova incube a quem alega, ou seja, eu provoco uma batida no seu carro e se você quiser me cobrar você tem que provar o seu direito. Na esfera do consumidor não. Basta que o consumidor alegue o dano e é o fornecedor que tem que provar que não foi ele quem causou aquele dano. É diferente. A tônica do Código é exatamente essa, conferir mais direitos ao consumidor, partindo do pressuposto de que ele é a parte mais frágil na relação.

Imperatriz News: Com relação a atuação da Promotoria do Consumidor. As pessoas, às vezes, confundem quando devem denunciar algum abuso, na promotoria, no Procon ou mesmo na Defensoria Pública?

Sandro Bíscaro: É interessante,  porque em casa a minha secretária particular, ela costuma dizer assim, “doutor Sandro, o senhor vai pra defensoria hoje?”, e aí eu respondo, “não é defensoria, é promotoria” (risos). São órgãos que se confundem porque são muito parecidos, mas existe uma diferença grande entre os três. A promotoria trata das causas coletivas, sociais, ou seja, nós somos atacadistas. A defensoria é varejista. Não se trata de mais ou menos importante do que o outro,  trata-se de segmentos diferentes. Então, nós temos uma clientela macro, coletiva. É claro que também fazemos atendimentos e tratamos de questões pontuais. A defensoria já tem a vocação individual, mas eventualmente também faz a coletiva. Já o Procon também trata das questões mais individuais.

IN: Então, na prática, qual a diferença? Quando o consumidor deve procurar um ou outro?

SB: Certo. Vou dar um exemplo. Se der um problema no celular da Marita, ela vai ter que se virar, ir no Procon, vai reclamar na loja, entrar com uma ação no juizado especial cível. Agora, se aquele problema não foi só no celular da Marita, foi o lote de numero tal, com doze mil celulares que vieram com problemas, aí o Ministério Público vai ter que intervir. São causas sociais, transindividuais, que ultrapassam a individualidade. Eu estou com um inquérito civil contra o Bob’s porque não estava apresentando de modo ostensivo a tabela nutricional dos sanduiches dele e se você passar no Bob’s, hoje, já vai ver que tem uma tabelinha no balcão.  Nesse caso, é algo que atinge a comunidade de forma coletiva, então é atuação do Ministério Público.

“É preciso que o cidadão conheça os seu direitos. Se o consumidor chega no estabelecimento e demonstra que conhece os direitos dele, as pessoas respeitam. “

IN: Aqui em Imperatriz, qual problema gera maior demanda na Promotoria do Consumidor e como você avalia esse problema?

SB: Bem, na promotoria as coisas são bem variadas. Agora nós recebemos muitos questionamentos especialmente envolvendo a Cemar e Caema. Talvez pela gama de clientes deles que é muito grande, né, então naturalmente, estatisticamente e proporcionalmente são os que, muito mais, vão ser demandados. Mas, é bom registrar que, ambos nos atendem com demonstração de vontade para solução do problema.

IN: Como o senhor define o nível de informação do consumidor hoje em relação aos seus direitos e deveres?

SB: Olha, é um nível baixo de conhecimento que vem impregnado com um problema cultural de querer que o estado tutele tudo. E mais, o problema de vitimização e terceirização da culpa que chamo também. Sempre se achando vítima, que alguém tem que tutelar o seu direito, e não é  assim. O consumidor tem que ser mais proativo, mais participativo também. Não é só noticiar o problema a um órgão estatal, ao Ministério Público e depois se distanciar como se ele não tivesse nenhuma responsabilidade ou interesse com isso.

IN: Falando em proatividade, ou em jogar o problema para o Ministério Público, existe ainda uma passividade do consumidor contemporâneo em relação a denúncias que deveriam ser feitas, mas pensam ‘Ah, vou deixar de lado porque não vai dar em nada’?

SB: Muito grande. E é exatamente esse discurso, ‘não vai dar em nada’. Na verdade isso, ao meu ver, é uma desculpa de quem é omisso, de quem não busca os seus direitos, e não tem espírito de civismo e coletividade. Isso é muito presente em nós brasileiros que fomos explorados pelos portugueses que são altamente individualistas. Então, ele sai com o discurso de que não vai dar em nada, mas na verdade ele não quer exercer os seus direitos e nem as consequências desse exercício.

IN: A média hoje de atendimento da promotoria do consumidor em Imperatriz é de cerca de 4 pessoas por manhã. Não seria pouco?

SB: Nós atendemos todos os dias. E acontece que os atendimentos por serem de espectro social são mais complexos, profundos e por consequência demorados, a média é de, pelo menos, 4 pessoas por manhã, mas esse número varia, podendo ser maior, de acordo com a demanda e tempo de atendimento. O Ministério Público está aberto todos os dias no horário normal de expediente (8 às 12 horas/ 14 às 18horas). A pessoa vai chegar lá e estando o promotor livre, ele vai atender, do contrário será feito um agendamento e, possivelmente, na própria semana ele já é atendido. Então, a pessoa pode fazer uma denúncia, sendo atendido direto pelo promotor ou protocolizando oficialmente uma petição do que ele entende ser devido.

IN: Hoje as promotorias aumentaram a relação com a população, estreitando o envolvimento social. Como você vê a instituição diante da expectativa do consumidor quando chega lá para fazer uma denúncia.

SB: Realmente o Ministério Publico está muito em evidência, mas acho que já está na hora de corrigirmos alguns pontos, inclusive o papel da nossa ouvidoria que eu questiono e critico muito. Oferece muito quando sabemos que não temos logística e estrutura para responder todas essas demandas, então isso gera uma expectativa e, digo mais, uma falsa expectativa do cidadão. Então, eu acho que tem que ter esse cuidado. Outra coisa que observo é que há necessidade de se investir mais no caráter de magistrado dele. Na Itália, o promotor é magistrado tanto quanto juiz, eles chamam de magistratura em pé que somos nós o Ministério Público e a magistratura deitada que é o juiz propriamente, mas temos que nos investir mais disso, absorver mais esse caráter de imparcialidade de juízes e deixarmos de lado algumas paixões que nos levam a erro, ideologias. Temos que ser mais técnicos, mais legalista e mais frios no trato da questão social.

IN: Pra encerrar nossa conversa, quando o consumidor precisa fazer uma reclamação, deve seguir uma hierarquia, procurando primeiro o fornecedor, seguido pelo Procon e só, a partir daí, caso não resolva, procurar a justiça?

SB: Não existe por lei uma obrigação, mas eu tenho exigido isso dos consumidores como uma forma pedagógica de educar, ou seja, de forçar o consumidor a buscar primeiro os seus direitos junto ao fornecedor, e pra isso a informação é poder. É preciso que o cidadão conheça os seu direitos. Se o consumidor chega no estabelecimento e demonstra que conhece os direitos dele, as pessoas respeitam. Outro dia, eu fui reclamar na Samsung a película do celular que estava estragada com 30 dias de comprada. O vendedor me falou que a loja só trocava com 7 dias.Então, eu repliquei: “mas pelo código do consumidor são 90 dias e nesse caso as normas da empresa valem mais do que o código do consumidor?”. Enfim, ele começou a se enrolar e no final acabou trocando.  Então, o consumidor deve tentar primeiro a loja, se não for possível, aí sim, vai procurar o Procon, depois a Defensoria ou o Ministério Público, a depender do caso.