Compreender a dor do outro e dialogar são formas de impedir o suicídio

“A dor é tão intensa para o sujeito, que ele não consegue vivenciar, não consegue se ver na cena e ele tem que sair daquela situação”, analisa o psicanalista Jailton Tenório sobre o estado emocional dos suicidas

Jailton Tenório Onofre (à direita)

O psicanalista Jailton Tenório Onofre alerta que estamos numa sociedade na qual os indivíduos não aceitam perder, não aceitam os “nãos” da vida e as decepções. “O que é isso? Se aprendo a perder, eu vou ser resiliente, eu vou me refazer”, diz. Essa dificuldade de ser reorganizar, diante de situações difíceis, fragiliza homens e mulheres, levando-os à depressão e ao suicídio. Jailton Tenório explica ainda que os suicidas adotam uma linguagem inconsciente para informar que vão cometer o ato do alto aniquilamento. “Eu não digo que vou cometer suicídio em uma linguagem aberta literalmente, vou começar a dizer coisas como ‘o mundo fica bem melhor sem mim’, ’não tem mais sentido viver’”. Portanto, olhar atento aos que reclamam de um sofrimento insuportável e dialogar com eles, pode ser uma possibilidade de impedir a concretização do suicídio. Confira mais detalhes na entrevista ao projeto Coletivas, da disciplina de Técnicas de Reportagem.

Como lidar com uma pessoa que expressa a vontade de tirar a própria vida? Qual o primeiro passo a ser tomado para evitar?

Jailton Tenório Onofre – Primeiro passo é não tentar lidar com isso sozinho. As pessoas têm essa idealização, que é chamada de uma relação intensa com um determinado objeto. Essa relação com o objeto faz com que o sujeito, passando por esse momento antagônico, ambivalente de amor e de ódio, tome essa decisão, então quando ele se envereda para esse momento, é impossível desconstruir. É impossível desfazer, porque é mediante uma projeção. Quando ele projeta, é algo que tem que sair perfeito, por isso que a maioria dos casos tem quase cem por de sucesso.

 Na sua opinião, saber mais sobre o “fantasma” do suicídio pode ser o caminho para dominá-lo?

 Jailton Tenório  Onofre – Na realidade, eu não usaria essa expressão “fantasma”, mas sim patologia. Isso é muito sério, o sujeito, se vê em um momento extremamente sofrido, ruidoso, e a forma dele sair é chamada sequência linguística. A dor é tão intensa para o sujeito, que ele não consegue vivenciar, não consegue se ver na cena e ele tem que sair daquela situação. Existe outra válvula de escape, um mecanismo de defesa, mas é quase impossível de utilizar pelo fato de ser inconsciente. O suicida é inconsciente, ou seja, a sequência que estou envolvido, eu não me entendo, qual o enredo, ou seja, para compreender a psicogênese do suicídio é importante levar em consideração a semiologia do ato e os movimentos do sujeito, do próprio idealizador. O suicídio é uma ideia já concretizada, então geralmente o sujeito que planeja e arquiteta, o realiza.

 Como o senhor analisa as políticas do Governo Federal, Estado e Município na prevenção do suicídio?

Jailton Tenório Onofre Na realidade não há políticas, teoricamente sim, mas tecnicamente não há. Como eu falei, qualquer que seja o viés, qualquer que seja a diretriz, para tentar coibir ou conter, está fadada ao fracasso.

O vereador Ricardo Seidel tem uma proposta de ter um monitoramento na ponte Dom Afonso Gregory a fim de diminuir os casos de suicídio. Como o sr. vê essa proposta?

Jailton Tenório  Onofre – Qualquer que seja a ideia para evitar um possível suicídio, é falida, porque um sujeito que vai cometer suicídio, tem que idealizar. O que é idealizar? Ele tem que planejar de uma forma para sair perfeito, ele não quer passar por mais uma frustração, então se eu sei que estão me monitorando, vou procurar outro meio. Os sinais confirmam. Então, pode colocar monitoramento ali, vigia, guarda, pessoas 24 horas, mas vou procurar outra forma, outra maneira para que eu venha ter sucesso. O suicida tem que ter sucesso, e para isso ele planeja e arquiteta: “tenho que levar em consideração todas as vertentes para que saia bem sucedido e realmente da forma que imaginei”. Essa é a semiologia do ato do sujeito.

 O sujeito que tem a ideação suicida e passa a fazer um tratamento com o psicólogo ou psiquiatra tem chances de superar?

Jailton Tenório Onofre –  O sujeito que já tem essa ideia suicida não vai procurar um psicanalista. A função do psicanalista é adentrar no que você tem de mais precioso, que são os teus traumas, tuas fantasias, teus desejos reprimidos, coibidos e boicotados. Desejos os quais você almejou com tanta intensidade, mas que foram castrados no princípio. Então, é olhar o sujeito como sujeito, e não como um objeto superficial. Compreendendo a sua dor e a sua essência é trabalhar sempre na causa. O suicídio é só a consequência, o resultado do que já vem planejando e arquitetando. Ele vai executar, é só uma questão de tempo.

O senhor acha que, às vezes, a pressão social ou um problema pessoal podem afetar os jovens, faixa com número crescente de suicídios no Brasil?

 Jailton Tenório Onofre –  Há dois fatores que corroboram para isso. Um é a formação do ego do sujeito e o outro é o ambiente externo no qual ele está inserido, mas tudo depende da formação, tudo depende dos progenitores. Percebe-se que infelizmente o ser humano não é formado para suas perdas, ele não é formado para o seu “não”. O Freud diz o seguinte: “se queres viver, prepara-te para morrer.” O que é isso? Se aprendo a perder, eu vou ser resiliente, eu vou me refazer. Você vê alguns torcedores fanáticos, seja qual for o clube, se o seu time perde, eles choram, gritam, rasgam a camisa, mas daqui a pouco eles se refazem. Essa é uma relação objetal, ou seja, não existe “eu” e o objeto, mas é quando o “eu” me confundo com o objeto perdido. É uma mescla, “eu” e o “objeto” somos apenas um. Quando o objeto não existe, “eu” passo a não existir agora. Então, o objeto é eliminado, eu me elimino também, por isso que eu vou definhando, neutralizando e o resultado é suicídio. Paulatinamente isso vai para uma depressão ou direto para o suicídio, que é a forma mais rápida e definitiva de resolver um problema temporário.

Na questão dos adolescentes, é possível apontar características relacionadas à ideação suicida?

Jailton Tenório Onfre – Todo sujeito nasce com uma inclinação e com essa pré-disposição para o suicídio. Qualquer sujeito já nasce com isso. Mas quem vai definir? É a formação dele e o meio que está inserido.  Têm muito casos de adolescentes que chegam no meu consultório com transtorno Borderline (transtorno mental, caracterizado pela instabilidade emocional, medo de ser abandonado, mudanças de humor repentinas e posturas impulsivas), no qual é aquele sujeito que se mutila, mas se ele não se cortar, ele vai para o suicídio. É uma equação muito fácil de se fazer: eu tenho aquele objeto, não suportei aquela dor, mas eu não posso contrapor aquela figura de poder, então não consigo deslocar a ira e o desejo para aquele objeto. Esse objeto volta, ou seja, é um retorno para o meu próprio “eu”, esse “eu”, não tendo uma válvula de escape, “eu” se mutila”, o que é chamado de sangria para que venha continuar a viver. Se ele não tiver o transtorno Borderline, ele comete suicídio. Então, o transtorno Borderline nesse sentido é positivo para ele continuar vivendo.

O jogo da Baleia Azul deu maior visibilidade para a questão do suicídio. O senhor acha que isso contribuiu de forma positiva para as discussões sobre o tema?

 Jailton Tenório Onofre –  Não é uma apologia. Ou seja, ao falar da Baleia Azul, deve-se entender que o idealizador do projeto mata através de outras pessoas. Essa é a lógica do sujeito que desenvolveu essa engenharia social, um psicopata. A polícia na verdade não tem habilidade alguma para prender um psicopata, pois eles deixam ser presos automaticamente. Mas quando ele vai preso, não pode ficar junto com todo mundo. Não é que o seu comportamento vá ser cruel, mas ele vai utilizar os outros para realizar seus desejos.

Falar sobre suicídio para a pessoa que tem ideação suicida ajuda de alguma forma? 

Jailton Tenório Onofre –  A questão é que a linguagem é inconsciente. Eu não digo que vou cometer suicídio em uma linguagem aberta literalmente, vou começar a dizer coisas como “o mundo fica bem melhor sem mim”, “não tem mais sentido viver”, nisso estou dialogando. Começo a ligar para todas as pessoas, começo a me retratar, a pedir desculpas, perdão ou algo dessa natureza. Esta é a linguagem no qual se precisa de ajuda, só que quem está ao lado não percebe isso, que é com esta linguagem que o sujeito está se despedindo. Por isso que é limítrofe, muito rápido, é sumário. E o sujeito vai falar que vai cometer suicídio através das ações. A ação do suicida é a linguagem. Então, enquanto falo, não cometo suicídio. Por isso que há essa sequência de linguagem. O suicida, a ação em si, era a linguagem que deixou de ser expressada. Então, primeiro vem a linguagem nessa sequência linguística em que eu falo de uma forma inconsciente, distorcida, a realidade invertida, para depois vir o ato. Quando o ato vem, não tem mais como desconstruir, não tem como desfazer de forma alguma. Tem até um telefone 141 para ouvir qualquer sujeito que está intencionado a cometer suicídio, mas isso não funciona. Porque quem vai cometer suicídio não liga, mas quem está no luto, liga. Por exemplo, se vocês estiverem infelicitados, angustiados, desnorteados, vocês ligam. Mas no caso do suicida, que está na angústia e no desespero, ele não vai ligar. Ele não liga pra ninguém mais, ele está na paz, por isso que o sujeito quando pula de qualquer prédio, ele não sente nada, você não vê o sujeito gritando ou se desesperando, ele simplesmente se joga.. Ele quer viver uma vida plena, sem angústia, sem sofrimento, sem frustração, sem decepção, quando ele não consegue isso, a vida já não mais proporciona prazer. Então o sujeito, quando está na angústia e no desespero, é a situação em si que o torna pobre, vazio, incolor, indolor. Mas quando ele já está no ápice da depressão, da melancolia e do suicídio, o próprio “eu” do sujeito está nesta neurastenia (fadiga extrema ou falta geral de interesse). Ele vive essa neurastenia e com isso não há mais como voltar, pois o “eu” perdeu massa, perdeu foça, perdeu disposição.

Os neuro transmissores adrenalina, dopamina e serotonina não se comunicam mais, já está exausto, não tem mais como se refazer. Isso é um conflito entre a psíquico e o ideal do “eu” e quando esse ideal vence o duelo, você vai para a melancolia, vai para um momento de infelicitude. E quando o “eu” se refaz, você está alegre, e é por isso que tem dias que estamos bem e outros melancólico, estamos maníaco-depressivos, é isso é horrível.

Com superar a ideação suicida?

 Jailton Tenório  Onofre –  Não é apenas uma ideia, é um projeto. Se as pessoas que estiverem ao lado identificarem o projeto que alguém está fazendo, consegue interferir. Caso contrário, não consegue interferir, mesmo as pessoas que tentaram o suicídio. Conheço várias cidades há muito tempo trabalhando essa questão, mas em Imperatriz é impressionante a quantidade de pessoas que comentem suicídio e de outros que tentam é exagerado. Não só na ponte. A pouco tempo dei uma entrevista no Zé Filho, e falei que estão caracterizando, chamando, colocando uma nomenclatura na ponte que é a “Ponte da Morte”. E afirmei para ele que é extremamente o oposto, pois ali é apenas uma forma, não existe apenas aquela maneira, existe outras formas. Então, o sujeito que tentou e não conseguiu, no primeiro mês, até 20 a 30 dias, ele vai tentar de novo de outra forma para que agora ele tenha sucesso. A não ser que nesse intervalo ele queira ajuda, se ele quiser ajuda, a família vai interferir nisso e ai nós vamos fazer nosso trabalho. Tive uma paciente há pouco tempo, com 16 anos, na primeira sessão eu tive certeza que ela ia cometer suicídio. Ela disse: “eu já vim com essa intenção de sair daqui e cometer suicídio”. Então, ela já tinha elaborado tudo, um plano perfeito. Até então já está com três meses e ela não cometeu suicídio. Se continuar (o tratamento) nós acreditamos que ela não vá cometer. Caso contrário, é possível que ela cometa suicídio.

 No Brasil, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, são cerca de 12 mil suicídios por ano. O sr. acredita que campanhas como o Setembro Amarelo podem reverter essa estatística? 

Jailton Tenório Onofre – Toda campanha tem uma provocação. A questão é que o que essas campanhas fazem é lidar com o que está manifestado, com a imagem em si, ignorando que está linguagem ou esta movimentação é inconsciente. Mostrar sim essas outras vertentes da linguagem, fazer com que as pessoas atentem esses movimentos, pode sim evitar. É confirmado que se hoje três cometeram suicídio, já existem seis que tentaram e não conseguiram que vão tentar de novo.

O sr. já teve conhecimento de casos de pessoas idosas que tentaram cometer suicídio?

Jailton Tenório Onfre –  Depois dos 65 anos é possível, principalmente as mulheres. Pois depois dessa idade, vem a menopausa, que já é uma perda também, a maioria com mal de Alzheimer. Os dados confirmam que é muito mais nas mulheres do que nos homens. Então, o número é altíssimo de pessoas que depois dos 65 anos cometeram suicídio por causa das perdas. É interessante quando é um casal, quando a mulher morre, rapidinho o esposo vai também. Mas quando é o oposto, a mulher ainda se refaz. Ela consegue se refazer. Mas as mulheres têm mais perdas e os métodos de suicídio delas são menos violentos. O homem é mais sumário, o homem é rápido. O homem é com uma corda, com um revólver, pula logo do prédio. Tenho um vídeo interessante, o sujeito amarrou a ponta de uma corda na árvore, a outra no pescoço, entrou no seu carro, deu partida e a cabeça ficou. Então se você resolver cometer suicídio, ninguém vai interferir porque só você sabe do plano, a não ser que você esteja acompanhado de alguém que já esteja fazendo essa leitura de seus movimentos. Aí sim, eu consigo interferir, desfazer e refazer, ajudar a desfazer aceitando a realidade, mesmo que ela seja ruidosa e penosa. Mesmo que esteja inserido nesse limite calamitoso, nós conseguimos fazer com que o sujeito se refaça.

 As pesquisas, em geral, mostram que há mais casos de suicídios de homens do que de mulheres. O sr. acha que esta questão é porque vivemos em uma sociedade majoritariamente machista na, qual fala que homem não chora e não expressão sentimentos ou há outra explicação para esses números?

Jailton Tenório Onofre –  O homem chora muito mais do que a licença comum divulga e ele sente muita dor, muita angústia, mesmo em silêncio, o sujeito chora. Realmente os dados confirmam que existem muito mais homens cometendo suicídio do que mulheres, e o fato é de não aceitar o “não”, de não aceitar a dor, de não querer vivenciar a dor, e aí ele se mata, ou seja, mais uma vez, o sujeito não foi preparado para o “não”. No dia que ele recebe um “não”, o sujeito não aceita. Se você oferece sempre tudo, se realiza todos os desejos do seu filho, se você toma a decisão pelo seu filho na formação ainda, esse garoto está fadado ao fracasso e possivelmente a um suicídio, porque no dia que ele receber um “não”, no dia em que ele for frustrado, você acha que ele vai aceitar? Não vai aceitar.

 

 Equipe responsável pela entrevista coletiva e foto: Amanda Machado, Eliza Machado, Manoel Júnior e Mariane Morais