“Se eu gero resíduo preciso cuidar dele”: entrevista com o fundador da Associação dos Catadores de Resíduos Sólidos de Imperatriz

Texto e fotos Viviane Reis

 

“Para que Imperatrizse torne ambientalmente sustentável, os indivíduos precisam entender seu papel como cidadão”

A falta de conscientização e cuidado com o lixo urbano pode causaraumento de  temperatura, contaminação do solo e ainda problemasde saúde em Imperatriz. Dados do Plano Municipal de Resíduos Sólidos de Imperatriz de 2018estimam que um imperatrizense gera cerca de 1,2 quilosde resíduo por dia. Contudo, com quase 300 mil habitantes a cidadeproduz320 mil toneladas. 41,6% deste  lixo gerado vão parar no lixão municipal (lugares onde são encontrados vários tipos de resíduos: restos de alimentos, latas, papel, metal e até animais mortos).

O fundador e tesoureiro da Associação dos Catadores de Resíduos Sólidos de Imperatriz, José Ferreira lima, mais conhecido como Zezinho, ex-lavrador e atualmente catador, afirma que a maior dificuldade de instalar a coleta seletiva na cidade é a cultura antiga que as pessoas têm de misturar o lixo. Segundo ele, o aumento de desastres ambientais se explica entre outros fatores pela falta de consciência ambiental e ações públicas.

A Ascamari nasceu em 2010 através do projeto “Reciclando Vidas”, em união aos movimentos sociais MCP (Movimento Camponês Popular), Cáritas Brasileira e de 12 trabalhadores, todos catadores. Ela desenvolve um trabalho que visa conscientizar a população sobre a importância de separar seu lixo, reduzir impactos ambientais, ajudar no destino correto aos materiais recicláveis e gerar renda para catadores e catadoras. Atualmente, o projeto possui de forma direta 43 pessoas (catadores) e indiretamente 315 (instituições, professores, escolas, empresas, condomínios, etc.).

As coletas são realizadas todos os dias. Porém,toda quarta-feira o caminhão passa em sete pontos: Aeroporto, UFMA (Universidade Federal do Maranhão) – Campus Centro, UFMA – Campus Bom Jesus, na professora Gilda(colaboradora do projeto, recolhe resíduos e repassa para Ascamari),condomínioMomoriá, Hotel Ibis, SEST-SENATebairro Cafeteira. Já nos outros pontos, sempre que acionados, fazem a coleta. A quantidade de resíduos coletados varia a cada mês. Contudo, a Associação consegue em média cinco toneladas ao mês, número pequeno em relação ao volume de materiais recicláveis produzidos na cidade de 320 toneladas por dia.

Associaçãopossui 13 pontos de coletas que funcionam das 8 horas à 18 horas, distribuídos pelos bairros Centro, Itamar Guará, Bacuri,Planalto, Caema, São José, Vila Cafeteira, Vila Fiquene, Recanto Universitário e Vila Redenção. Ademais, em parceria com a prefeiturapossui oito pontos: Conjunto habitacional Itamar Guará, HotelIbis, SOTREQ, Estádio Frei Epifânio D’abadia, Banco do Nordeste, Atacadão, Secretária do Meio Ambiente, Escritório Caema e 50 BIS.A Secretária do Meio Ambiente recolhe e transporta os resíduos desde os pontos de coleta até o galpão da associação.

Para o processo de seleção, reciclagem, reutilização e destinação. A associação recebe papel( papelão, revistas, jornais, livros, etc); metal (lata, ferro, alumínio, chumbo, etc.), embalagem (caixinha de leite, leite condensado, extrato de tomate, etc.); plástico: (garrafa pet, desinfetante, PVC,baldes, copo, bacia, embalagens, etc.); resíduo orgânico (óleo de cozinha, para fazer sabão). No geral, só não é recolhido o vidro em alta qualidade porque ainda não há mercado e o pneu.

Com oito anos de experiência na coleta seletiva, Zezinho esclarece as principais dúvidas sobre a importância de separar e descartar resíduos sólidos de maneira correta, explica a necessidade de implantar o sistema de coleta da cidade, instrui como o indivíduo,  empresas e poder públicopodem participar no desenvolvimento da visão sustentável, além de detalhar o processo de coleta seletiva e exclusão quea classe de catadores sofrem.Confira!

Imperatriz Notícia –  Como o senhor se interessou pelo trabalho e desenvolvimento da visão sustentável como a coleta seletiva?

José Ferreira lima – Aconteceu há oito anos, quando eu mais um amigo estávamos limpando um terreno para fazer a sua casa. No local tinha muitos resíduos como litro, ferro e madeira, e como não íamos mais usar resolvemos jogar fora. Mas, em menos de meia hora todo aquele “lixo”, foi recolhido. Aquilo me chamou a atenção, como e para quê as pessoas queriam aquilo. Então, resolvemos colocar mais alguns resíduos, só que dessa vez, vimos o rapaz que o pegava. Me atrevi a perguntar, e ele me disse “aqui não se perde nada, vendemos tudo”, para minha surpresa. Depois disso, começamos a guardar no fundo da casa e vendíamos para empresas recicladoras. Mas, até então eu não tinha visão da dimensão que era isso [Coleta seletiva]. Alguns dias depoisfuiassistir o lançamento de uma cartilha Latino Americana, que tinha como tema o cuidado com o meio ambiente. Nela havia depoimentos de vários ambientalistas famosos, onde havia um que falava “Se não cuidarmos do planeta, seremos extintos como os dinossauros”. Me interessei.  Quando peguei essa cartilha, li e fui refletir sobre que eu tinha destruído muitas matas. Eu era campeão de derrubar, de cortar de machado. Vi que tinha sentido, que não tinha mais onde plantar um pé de árvore. Com isso, resolvi coletar os resíduos como forma de preservar o meio ambiente. E esses foram os motivos que meincentivou a ter interesse no projeto. Logo depois,conheci o projeto “reciclando vidas”, que trabalhava com os catadores, enos unimos. Um casamento, pode se dizer.  Fizemos até uma música “A Cárita é minha mãe, meu pai o MCP, nossa filha é a Ascamari só falta chegar você”. E, hoje não temos outra visão.

I.N – Qual o maior desafio ambiental de nosso tempo?

J.F.L – O maior desafio ambiental de nosso tempo é transmitir a consciência ambiental. Esse é o maior desafio.  Os meios de comunicação, por exemplo, têm um papel importantíssimo, nessa divulgação de consciência ambiental. É preciso alcançá-la. Caso contrário acontecerá o ambientalista falou, vamos ser extintos. Sem essa consciência as coisas só pioram, o aquecimento global aumenta e outros desastres ambientais ocorrem. É uma causa, uma guerra, uma luta contra o descaso de preservação do meio ambiente. Precisamos virar essa página. Ao invés de descartar os resíduos de forma incorreta, devemos procurar dar destino certo a eles. Em1975, esse tempo já era tempo de frio, agora não tem mais frio. Dava o inverno começava o frio e ia até agosto. Lembro quelevantava meia noite para esquentar fogo. Agora a gente tem que colocar um ventilador dentro de casa. E isso é culpa da falta de consciência das pessoas.

I.N – Com a prorrogação da criação do sistema de coleta seletiva e aterros sanitários para julho desse ano. O lixo recolhido nas ruas dos bairros da cidade tem destinação inadequada. Porque é necessárioa seleção de lixo?

J.F.L – Porque com a seleção, materiais que soltam gases tóxicos recebem destinação correta. Ou seja, passam pelo processo de reciclagem. Assim, eles serão reaproveitados e reutilizados, com isso a vida útil dos resíduos é prolongando, diminuindoo volume de lixo jogado em lixões, terrenos baldios e céu aberto.Além de ajudar na sustentabilidade e diminuição de problemas ambientais como: alagamentos, alteração da temperatura,obstrução do passeio público, aumento dos gastos públicos com limpeza urbana, dentre outros. Agora, se  fazermos a compostagem, o volume de rejeito tem uma diminuição total. Com esse processo só sobra 16% de rejeitos. Um exemplo é Santa Catarina e Paraná, eles têm uma organização da coleta seletiva, onde só sobra 16% de dejeto na cidade. Então o impacto diminui para 84%.

I.N – A forma como os resíduos são descartados é um problema que tem se agravado e há muitas divergências a respeito de quem deve se responsabilizar por ele. Afinal, até onde somos responsáveis pelo lixo que produzimos?

J.F.L – A responsabilidade é altamente de todos, porque nós que o geramos. Todo dia geramos cerca de 1,2 quilos de lixo, um volume muito alto para ser jogado de forma incorreta. Nesse viés,está sendo construindo o Plano Municipal de Resíduos Sólidos, que é oresponsável pela implantação da coleta seletiva na cidade. Na verdadejá devia ter sido implantado em maio (8), mas o dia já passou e não chegaram os carros. Mas, o desafio é esse, fazer um trabalho de conscientização ambiental para que possamos ter um futuro melhor, para a sustentabilidade do planeta. E isso precisa ser Universal. Se eu gero resíduo preciso cuidar dele. E o primeiro passo é em casa, separando o seco do molhado e dá o destino certo. Mesmo semo sistema de coleta da cidade, existe associações que recolhem esses resíduos, que outrora eram jogados no lixão municipal. Outra coisa, tem que apertar os gestores públicos para ter duas coletas, a comum (materiais não-reutilizáveis) e a seletiva (materiais reutilizáveis). A união de todos pela causa é muito importante, porque como todos geram, todos são responsáveis. O papel de cuidar dos resíduos não é só do poder público. Tem que começar de casa. Porque caso contrário o lixo vai para os córregos e rios.

I.N – O senhor poderia explicar melhor como ocorre o processo de coleta? Onde começa e termina.

J.F.L – Começa na cidade, por uma empresa privada. A prefeitura faz a licitação e a empresa vai executar o plano da coleta. Que não é uma coleta seletiva é a coleta comum. Então, começa a partir da prefeitura, a empresa e da cidade inteira de onde eles fazem o recolhimento. Essa é a coleta da cidade. A nossa, vai para o galpão, depois passa pelo controle de qualidade (separação entre reciclável e rejeito) e então, damos destino a eles. Os rejeitosvão para o lixão e os recicláveis para empresas recicladoras.

I.N – Após oito anos de projeto. Como o senhor compara a relação do imperatrizense no começo do projeto com o de hoje. Houve mudança de visão ambiental ou continua da mesma forma?

J.F.L – Oito anos atrás a visão de reciclagem do povo era muito atrasada, hoje está muito evoluída. Hoje tem muita gente interessada na reciclagem. Antes era comum ver as ruas cheias de lixo, era aquele lixão, hoje diminuiu muito. Tem ainda, mas é pouco. O interesse é tão grande, que tem gerado muitos catadores, que também se dá por causa da situação econômica do país, do desemprego da atualidade. É a última categoria. Quando não se acha outro emprego, se tornam catadores, afinal precisam do dinheiro. É pouco mais dá pra sobreviver.

I.N – Recentemente o Jornal Brasil de fato publicou uma notícia sobre a exclusão que a categoria de catadores e catadoras imperatrizenses sofrem no Estado. Afinal, que tipo de exclusão é essa?

J.F.L – Por exemplo, a lei diz que a responsabilidade de logística do poder público é essencial, ele tem por obrigação fazer isso: infraestrutura, arrumar os lugares para os catadores trabalhar e disponibilizar os carros para a coleta. E, eles não têm interesse nessa causa. Eles acham que a gente tem que se vira por conta. Por exemplo, deveria ter um caminhão dentro da sede da associação, nosso. Mas, não tem. Eles deixam na secretaria do Meio Ambiente, e tiram o caminhão para fazer outros serviços, para outras secretarias,para fazeroutras viagens. E ficamosesperando.Então deveria ter um caminhão exclusivamente da associação. Além, da dificuldade de dá licença ambiental, é mile uma exigência, uma burocracia terrível.Já estamos com dois anos tentando tirar alicença ambiental e não conseguimos.Porque quando levamos uma pendência tem outra,e assim vai.

I.N – No mês de março (21), o sistema de coleta seletiva foi instalado na UFMA. Como anda a coleta?

J.F.L – Está devagar. Na primeira coleta 220 quilos, na segunda70 quilos, na terceira 40 quilos, e as outras foram bem pouca chegando a 10 quilos.Ontem que melhorou um pouco, coletamos 100  quilos. Mas, se for levado em consideração a quantidade que é descartado nos dois Campus diariamente, é pouco. É uma inconstância. Os que coordenam o projeto de coleta seletiva têm que ser mais reflexíveis. Colocar bastante matéria em relação ao meio ambiente, matériade estudo, fazer palestras e discussões. Incentivar o pessoal, para que eles sintam vontade de ajudar nessa causa, que é de todos.

I.N – Você afirma que existe uma inconstância no número de resíduos coletados. No seu ponto de vista o que está dificultando sua eficiência (projeto)? Por que ocorre a redução?

J.F.L – Porque é o seguinte,para que a coleta funcione a UFMA faz uma licitação, onde uma outra empresa cuidará do processo de coletados resíduos, colocando-os nos recipientes que vem para associação. Porém eu sinto que eles não vão separar o material total. Desde o outro diretor, o que adoeceu que via. Quando eu passava para buscar, o contannerestava cheio de garrafinhas, eles colocavam tudo nos sacos e jogavam fora, materiais recicláveis.  Sei que muitagente joga o lixo norecipiente trocado, mistura.Não sei se é obrigação da empresa separar esses resíduos, mas de recolher sim. Não sei o que o coordenador do projeto na universidade tinha que fazer. Mas, se o pessoal colocasse tudo separado, bastava eles colocar dentro recipiente que vai para reciclagem.Um exemplo parecido é de um prédio que a gente faz a coleta, as pessoas sabem que não pode colocar resto de comida nos recipientes dos materiais recicláveis, mas sempre tem um ou outro que joga. Então cabe ao síndico estar sempre lembrando as pessoas. Porque tem o lugar para o lixo comum e o reciclável.Então paramudar essa cultura antiga de misturar o lixo, demora.

I.N – Durante toda entrevista o senhor frisa sobre a necessidade doenvolvimento e responsabilidade que devemos ter como produtores de resíduos. Sendo assim, qual a importância do indivíduo para que Imperatriz sejauma cidade ambientalmente sustentável?

J.F.L –Para que Imperatrizse torne ambientalmente sustentável, os indivíduos precisam entender seu papel como cidadão, ou seja, precisamzelar pela cidade e isso inclui jogar seu lixo no lugar correto, apertar os gestores púbicos para implantar a coleta na cidade e conscientizar outros que ainda não tem essa visão.Essas ações ajudam para que a cidade fique mais limpa, menos quente e tenhaqualidade de vida. Sendo assim, o individuo é de suma importância nesse processo. Contudo, precisamos de mudança de cultura e,quem está exigindo é o nosso planeta com as distorção e desastres ecológicos. Ou mudamos ou a cada dia os desastres aumentaram. Um exemplo disso são os desequilíbriosambientais, onde temregião que chove muito eoutra não, além decidades inteiras virando rio quando chove. No centro da cidade mesmo, quando chove vira um rio, porque não tem para onde a água ir, e isso ocorre porque lixos jogados de forma incorreta, entopem os bueiros. Logo, quemmais sofre com o nosso descaso pelo meio ambiente, somos nós mesmo. Portanto, precisamos cuidar da nossa cidade, para que não haja futuramente problemas maiores.

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