O amor pela filha que transformou a história da educação de surdos em Imperatriz

Repórter: Mariana Muniz e Michely Alves

Fotos: Arquivo pessoal

A decisão de se tornar educadora inclusiva, tomada pela maranhense Maria Ivanilde Oliveira Santos, 58 anos, surgiu quando a sua segunda, de quatro filhos, Adriana Oliveira, aos quatro anos teve perda total de audição em um ouvido e parcialmente no outro por decorrência de uma febre virótica.

Ao perceber que sua trajetória estava mudando, Maria Ivanilde mudou completamente sua rotina pessoal e profissional para acompanhar o tratamento da filha, em uma jornada entre Belém (PA) e Imperatriz (MA) que, anos depois, direcionaria outras famílias com situações semelhantes, mobilizando Ivanilde a definir padrões de conduta a cidade em defesa dos surdos.

Ivanilde transformou sua existência na luta pelos direitos dos surdos. Foi incansável na busca por uma educação inclusiva. Foi uma das fundadoras da Associação dos Deficientes Auditivos de Imperatriz (ADAI), que hoje é a Associação de Surdos de Imperatriz (ASSIM). Em março de 2012, Maria Ivanilde Oliveira teve uma de suas primeiras vitórias, consolidou a Escola Bilíngue para Surdos Professor Telasco Pereira Filho à comunidade de Imperatriz, vinculada à Secretaria de Educação, a unidade de Imperatriz é a primeira do maranhão e a segunda do país.

Ivanilde tem graduação em Geografia (Licenciatura) com especialização em Educação Especial e Gestão Escolar e atualmente é aluna do curso de Mestrado da Universidade de Taubaté (UNITAU) e tem como colega de turma sua filha, Adriana Oliveira Santos – 38 anos, De acordo com a Prefeitura Municipal de Imperatriz, Ivanilde faz parte de uma das pessoas mais influentes da cidade.

Hoje, Ivanilde é colaboradora de honra da cidade. Por reconhecimento de sua trajetória na inclusão de pessoas surdas, a professora já foi premiada com o Título de Cidadã Imperatrizense, Comenda Frei Manoel Procópio e Medalha Mérito Timbira e recentemente ganhou a solenidade que homenageia personalidades que fizeram ou fazem história na cidade (TROFÉU JURIVÊ DE MACEDO). Buscando constantemente parcerias na sociedade para somar ideias, Ivanilde desenvolve um belíssimo trabalho na educação de Imperatriz.

 

Imperatriz Notícias: Receber a noticia de que sua filha aos quatro anos iria perder a audição deve ter sido muito difícil. O que se lembra da época em que estava passando por essa mudança?

Maria Ivanilde Oliveira Santos: Ah, lembro que fiquei muito angustiada. Foi um desespero muito grande, porque quando recebi o diagnóstico do medico falando de uma perda severo-profundo, e que ela ia perder o pouco do vocabulário que ela tinha e que a perda dela era irreversível. E foi muito difícil pra mim, mas o que realmente  lembro da época foi que procurei ajuda, na época que ela ficou surda ela estava hospitalizada em Belém e lá mesmo em Belém procurei o Centro de Educação Especial do Pará e já comecei a me capacitar para trabalhar com ela, porque em Imperatriz não existia escola e fiquei angustiada, porque minha filha precisava de uma escola e a cidade que eu moro não oferecia e eu tinha que trabalhar ela. Uma palavra para a época: desespero, apenas.

IN: Como você desenvolvia o processo de comunicação com a sua filha dentro de casa?

MI: Fiz um trabalho de descriminação sonora com ela muito grande, fazer com que ela entendesse os sons. Amarrava uma venda no olho – no rosto dos irmãos e começava a bater pra eles adivinharem o som, aí vibrava, e ela que era o foco principal, ela ficava observando e era a ultima pessoa que entrava no processo. Isso gerou uma sensibilidade muito grande nos irmãos que, antigamente a televisão não tinha Closed caption, quando ela (Adriana) ia assistir TV, os irmãos passavam pra ela tudo que acontecia, eles relatavam o filme, no momento ela assistia junto com eles e ela olhava e eles iam passando pra ela e até hoje. Ela queria entender uma musica e eles pegavam a letra e copiava a letra da musica, eles colocavam o gravador e ficavam repetindo várias vezes até que conseguia copiar ‘tudinho’ e passava pra ela entender a musica. Então, foi assim, um momento muito gratificante.

“Acredito muito no potencial deles, e acredito muito no apoio familiar. Por trás de um surdo bem sucedido, sempre tem uma família lutando “

IN: A ideia de criar projetos, como por exemplo, a escola Bilíngue e também de incentivo aos surdos da cidade foi por causa da sua filha?

MI: Acredito que sim! Costumo dizer isso quando alguém me faz essa pergunta. Sou CODA, são filhos ouvintes de pais surdos. Então, meu pai era surdo, eu tinha dois tios surdos, dois primos surdos e eu não conseguia ver os surdos. E então Deus me deu uma filha surda, e a partir dela surgiu à vontade de fazer esse trabalho pelos surdos de Imperatriz, pelas crianças que antes não tinham escola, eles viviam isolados, não existia nenhum trabalho voltado para essa área.

IN: De fato, qual o objetivo da escola Bilíngue? O que mais ela oferece aos surdos, além de proporciona-los aprender sua língua materna, juntamente, com a língua portuguesa?

MI: O objetivo da escola bilíngue, não só de Imperatriz, mas ele é o objetivo das escolas bilíngues em nível de Brasil, é o processo de inclusão, eles foram muito prejudicados, porque incluir um surdo sem ele conhecer a língua dele, que é a libras, e nem conhecer a língua portuguesa é muita crueldade. A escola bilíngue para surdos ela é uma realidade, o objetivo é esse, o surdo vai aprender com base na língua materna, que é a libras, e a língua portuguesa ela vem como segunda língua na modalidade escrita, porque nem todo surdo consegue ‘oralizar’, mas se ele conseguir aprender a escrever o português.

IN: Você é conhecida por ser metódica (seguir ordens, seguindo uma sequência para executar algo). Você se permite fazer decisões espontâneas ou mantém o controle quando o assunto é inclusão?

MI: Mantenho o controle. Gosto de trabalhar em equipe. Não gosto de determinar, gosto de ver a opinião do grupo. Graças a Deus, tenho acertado. Passei 14 anos na Escola Governador Archer, a escola foi referência duas vezes em gestão escolar, fui para os Estados Unidos, logo depois, fiz um intercâmbio cultural no estado de Minas Gerais e tudo isso agradeço a Deus e a minha equipe de trabalho. Sozinha jamais chegaria a lugar nenhum.

IN: Esse é o reflexo desse seu acertar?

MI: Sim, é trabalhar em grupo, é valorizar o trabalho do meu colega, é ver, elogiar e sempre fiz isso. E quando tenho que reclamar que não gostei do trabalho, nunca fiz uma reclamação em público com funcionário. Sempre chamei em particular, conversei, porque aquele assunto só diz respeito a nós dois. Sempre procurei administrar algo buscando parcerias. É desse jeito que a gente tem parcerias até hoje, com o Rotary Clube, que é uma Instituição Internacional de muito respeito e renome no mundo. Casa da Amizade, que é a Associação das Senhoras de Rotarianos. O SENAI, tem uma loja que ela é pequena, mas ela acompanha nosso trabalhos desde muitos anos, é a Dani Confecções, do Marcos, não sei se vocês conhecem. A Dani confecções, ele… ‘ave Maria’, ele sempre valorizou nosso trabalho, ás vezes a gente vai fazer uma festinha em homenagem ao professor, ele oferece as prendas, em homenagem as mães, ‘está aqui às prendas’. Então assim, eu acho que empresas da cidade percebe que a gente tem acertado. O importante de se trabalhar em grupo é que quando nós acertamos, nós acertamos e quando nós errados, nós erramos. Ponto.

IN: Há vários projetos que vocês proporcionam, como por exemplo, projeto que realiza corte e costura, tanto para os alunos surdos, quanto para os familiares. Pensando nisso, nesses projetos que vão além da educação em sala de aula, da língua portuguesa e da libras, você não acha que o objetivo talvez se expanda mais do que apenas ensinar a língua, preservando a cultura e identidade do aluno?

MI: Na realidade não é só ensinar a língua, Chomsky 2013, diz que ensinar envolve outros meios, logo, fala da importância de trabalhar as famílias dos surdos. Nós temos um projeto aqui dentro da escola, que o nome do projeto é ‘Pais Sinalizando’ – os pais aprendem a língua de sinais, porque o surdo ele chega aqui sem uma língua, sem um idioma, porque a família não entende a língua de libras, por isso esse projeto. A escola visa trabalhar com que os pais consigam aprender e que haja uma comunicação entre o filho e o pai, o filho e o irmão, dentro da família. Isso tem dado tão certo, nós temos uma mãe de Governador Edson Lobão, (porque essa escola bilíngue ela não atende só em Imperatriz, ela atende a região Tocantina), que tem dois anos que ela foi contratada pela prefeitura de lá como intérprete e ela aprendeu aqui dentro da escola. Nós pegamos essas mães ociosas e nós trabalhamos, ensinamos libras, ensinamos corte e costura em parceria com o SENAI. Além de aprender, auxilia em uma renda que vem a melhorar a qualidade de vida dessas crianças, então a gente pensa na criança, mas a gente pensa no bem estar da criança como um todo, e trabalhando com a família, automaticamente, estaremos investindo na criança.

IN: Que tipo de anseio você mais presencia em sua rotina como professora por parte dos alunos? O que eles mais perguntam?

MI: Olha, o anseio deles é muito em relação a novos projetos inclusivos. O maior anseio no momento é ver a escola ser transformada em uma escola em tempo integral, e isso já não é mais sonho, isso já é uma realidade. Eles perguntam muito, aqui na escola em relação a esporte, eles querem muito, e no ensino fundamental ainda não tem. Faz parte da nossa proposta para o próximo ano, graças a Deus, nós fizemos um projeto, junto com a Secretaria Municipal de Educação (SEMED) e esse projeto foi muito bem acolhido pelo secretário Professor Josenildo, e a escola a partir de 2019, ela vai passar a ser uma escola de tempo integral. Eles vão ter dois turnos, com reforço escolar, com atendimento educacional especializado, com esporte, dança, teatro, pintura, arte, vai ter tanta coisa, que vai fazer a criança se desenvolver ainda mais, o dia todo vai ser muito melhor.

IN: De acordo com uma pesquisa feita pela professora Adriana Oliveira, há três anos, percebeu-se que a maior perspectiva dos surdos era parar no ensino médio e buscar apenas o mercado de trabalho, sem convicções. Os trabalhos inclusivos que vocês estão fazendo com eles ajudaram muito, eles perceberam que poderiam ir além do que apenas trabalhar, como por exemplo, estudar em um ensino superior. Você ver que na cabeça do surdo, a inclusão e o trabalho que fazem com eles vai muito mais além que prepararem eles para o mercado de trabalho?

MI: Vai sim, muito mais além. Acredito muito no potencial deles, e acredito muito no apoio familiar. Por trás de um surdo bem sucedido, sempre tem uma família lutando atrás por ele, Então, os surdos que são acomodados e que param no ensino médio, são aqueles que não têm apoio familiar, que eles encontram dificuldades e que eles mesmos não são estimulados a continuar. Considero a escola como um grande barco, que ele precisa de muita gente pra fazer com que ele ande, mas um barco sozinho ele sai? Não, precisa de alguém remando, ajudando, para fazer com que ela ande. A participação da família é fundamental.

IN Como vocês trabalham nessa preparação inclusiva?

MI: Nosso trabalho aqui na escola bilíngue, ele vai do maternal até a quinta série, a gente pega bebê surdo a partir de um ano, até o quinto ano. Nós já colocamos na cabeça das crianças, que ele vai continuar que ele vai chegar ‘numa’ faculdade. Eu digo “eu quero ver você, faculdade”. Eles se espelham em outros surdos que são bem sucedidos. Quantos surdos pequenos dizem “eu quero crescer e ser igual à Adriana”, “ser igual ao Harrison”. Então assim, eu acredito muito no potencial, eu acho que eles têm que ir muito além. Só que a gente sabe que existe um monte de barreiras que fazem com que eles cheguem só até o mercado de trabalho.

IN: Você tem acompanhado as Universidades buscando inclusão? Enxerga como uma nova era inclusiva?

MI: Sim, considero uma nova Era inclusiva, porque hoje tem mais surdos nas Universidades, e o decreto nº 5.626/05, ele é bem claro, e graças a Deus, tá sendo cumprido. Porque toda instituição de nível superior que tem um surdo, eles contratam profissionais técnicos para acompanhar. Então, eu vejo sim, como uma nova era de inclusão.

IN: Para finalizar, qual sua concepção em relação aos direitos dos surdos na atualidade? O que você acredita que se diferencia nas lutas passadas? Tem alguma diferença, o que você vê para o futuro?

MI: A diferença é muito grande porque os surdos já sofreram muito. Tem um acontecimento que eu considero um marco na história do surdo que é o congresso de Milão, que aconteceu em 1880, na Itália. Esse congresso era para determinar que tipo de língua fosse ser utilizado e o ‘oralismo’ ganhou. Os surdos sofreram durante quase 100 anos, proibidos de usar a própria língua, foi ruim, mas serviu para que eles pudessem falar por eles mesmos, porque antigamente tinha tipo uma teoria ouvintista, onde só os ouvintes poderiam participar de tais congressos, mesmo os surdos na hora da votação eram convidados a se retirar. Os ouvintes decidiram a vida dos surdos por anos. Então, hoje não. Hoje tem uma comunidade surda, um grupo de surdo, onde eles veem que é melhor pra eles. Vocês viram agora, até no jornal Nacional passou aquela entrevista do candidato presidenciável com um grupo de surdos. Na câmara eles lutaram por todas essas leis que foram aprovadas, foi resultado da comunidade como um todo, mas, os surdos estão à frente, lutando pelos seus direitos. Então, digo que houve uma mudança muito grande, para melhor.