Entrevista com Wivian Silva Pereira, a única representante maranhense no apito da CBF

Texto: Rafaete de Araújo

Fotos: Arquivo pessoal de Wivian Silva Pereira

 

“m árbitro chegou e disse que eu nunca iria chegar ao calcanhar dele, e hoje sou do quadro nacional e ele nunca chegou lá”

 

Wivian Silva Pereira, 29 aos, mãe de uma menina, estudante de Educação Física, ex-jogadora de futsal. Árbitra por paixão e gerente de pista em um posto de combustível por ocupação. Nas horas de folga, faz cooper, corre, treina tiros (por ela mesmo determinados), entre duas ou três vezes por semana, mas sempre preocupada em não ter fadigas musculares ou lesões, apenas manter a forma. Iniciou na arbitragem em 2012, após um convite de dois colegas enquanto realizavam um curso na área da educação pelo projeto Rondon.  Antes disso, já havia recebido outros convites com base na experiência de apitar os jogos de interclasses escolar de futsal no município. Depois de um tempo aceitou descobrir esse universo. E há seis anosestána Liga Esportiva de Açailândia (LEA).

Em 2013 foi indicada para os testes da Federação Maranhense de Futebol (FMF), atuou nesse período nos Campeonatos Maranhenses da Primeira e Segunda divisão, além dos amadores. Com um grande destaque nas atividades desenvolvidas, convidara-a para realizar o teste para Conferência Brasileira de Futebol (CBF). Hoje, ela faz parte de um grupo restrito de mulheres na arbitragem da CBF, sendo a única representante maranhense no apito. Wivian demonstrou indignação ao falar da diferença de vagas abertas no Maranhão para homens e mulheres no quadro nacional: Apenas cinco vagas são direcionadas para mulheres das 18 disponíveis. Ressaltou também sua frustação diante da possibilidade de serem aprovadas em um teste físico, prático e teórico da CBF e muitas vezes não terem um campo de atuação, pois além dos campeonatos femininos serem poucos, ainda tem que “aceitar” a escalação de homens para eles, enquanto elas podem atuar somente nos femininos ou de base.

Comentou também sobre a gratidão em ser uma mulher na arbitragem, uma ação que ela classifica como “estar constantemente entre o céu e o inferno”, pois é possível aprender a ganhar e perder, ouvir um elogio e uma crítica. Mas que poderia ter uma representação maior, não sendo a única do estado. Também falou das dificuldades, como a participação nos testes das pré-temporadas, que normalmente são de três a seis dias, sendo complicado ausenta-se durante tanto tempo do local de trabalho. Além do machismo que ainda é forte. Ela não se define como feminista. Porém quando relacionado a conquista do seu próprio espaço ou para outra, acredita que sim. Diante disso, falou também sobre a violência sofrida em campo, a importância dos preparos psicológicos para ser uma árbitra, como também seu constrangimento diante de comentários machista pregado por mulheres.

Em entrevista, fala da gratidão pelas conquistas e fortalecimento da mulher, acompanha o desenvolvimento da filha, apoiando os sonhos seja na arbitragem ou outro não.

 

IMPERATRIZ NOTÍCIAS – Hoje, qual tua inspiração para permanecer na arbitragem?

WIVIAN SILVA PEREIRA – Minha inspiração se chama Regildenia, árbitra da Federação Paulista. Sempre tento acompanhar o trabalho dela, mantendo contanto, tirando dúvidas. Outra pessoa que também foi fundamental, devo muito a ela, é a Geane (ex-árbitra assistente da FMF e CBF, deixou o campo em 2014, atuando apenas em torneios institucionais), ela incentivou muito, nos momentos, às vezes, que queria desistir, ela praticamente me empurrava e não me deixou desistir.

I.N –A Regildenia de Holanda Moura está com 44 anos, 14 anos atuando na Federação Paulista, 11 anos na CBF e é uma árbitra internacional há 6 anos. O que tem nesse longo trabalho dela que lhe atrai

W.S.P –  O que mais me atrai no trabalho dela é a postura, a forma de trabalhar, a pessoa que era é, o respeito que ela tem, e pelo fato dela ser uma árbitra da Fifa. De saber quem ela é. Eu tento me inspirar nela, na força de vontade dela. E hoje ela é umas das árbitras mais velha, e em breve estará sendo comentarista.

I.N – Como você vê a presença da mulher em espaços “ditos” masculinos?

W.S.P – Eu admiro, porque muitas pessoas acreditam que não somos capazes, por causa do ego do homem, de acreditar que só ele sabe fazer isso. Mas eu encontrei um grupo que já trabalhava com mulheres e cada um respeitava o seu espaço. Porém já teve situação de amigas e colegas que disseram que ali não era lugar para mim, mas eu mostrei que sou capaz de chegar mais longe. Como também um árbitro chegou e disse que eu nunca iria chegar ao calcanhar dele, e hoje sou do quadro nacional e ele nunca chegou lá. Eu admiro a mulher pela coragem de enfrentar tudo.

I.N –Além do machismo e preconceito, quais outras dificuldades que você encontra?

W.S.P –Conciliar família, trabalho e arbitragem. A arbitragem toma muito tempo, porque ela não é uma profissão, ela é uma paixão. Se perguntarem se você ganhar muito, não ganha, é uma paixão. Sempre dizem que um árbitro é um jogador frustrado ou alguém doido.

I.N –Como você consegue conciliar?

W.S.P – Eu não consigo, eu convivo. Porque não dá, é uma coisa que vai acontecendo naturalmente. Às vezes tem momentos de estar com a família e você está em um jogo, isso já aconteceu. Eu me lembro que uma vez tinha o aniversário da minha filha e eu fui escalada, lembro que tive que fazer a brincadeirinha o mais rápido possível, porque tinha que ir para o jogo. Já deixei de ir para aniversário de irmãs, eventos de família, para festas, porque estava escalada, mas é uma coisa gostosa que você não se vê mais sem aquilo, e acaba deixando algumas coisas de lado. Outro obstáculo é minha mãe, ela não gosta, todo mundo me conhece, acaba tornando-se conhecida, imagine um estádio com dez mil pessoas te olhando, dez mil pessoas vão gravar tua cara, que você queira ou não. Ela tem receio de acontecer alguma coisa comigo dentro ou fora de campo.

“Um jogador veio para cima, no ano passado, e me deu um empurrão, em seguida eu expulsei, teve relato, toda aquela questão burocrática, mas como era amador, acabou tendo uma redução na pena. E ai, eu tive medo”

I.N – Você afirmou que um árbitro ou ele é doido ou um jogador frustrado. Como você se classifica após citar que é uma ex-jogadora? Por que?

 W.S.P – Como uma doida. Como atleta tive muitos êxitos. Joguei três estaduais, fui campeã de dois, ainda jogo futsal, não jogo campo porque nunca gostei. Como jogadora eu acho que fui bem, fui eleita melhor jogadora no meu estado, melhor jogadora no campeonato de Tocantins, é tanto que sou federada lá, como jogadora. Acho que sou mais doida, tem quer ser doida para aguentar 22 jogadores, foram a torcida, tem que ser doida mesmo.

I.N –No mês passado, após a final do Paulistão o Sindicatos dos Árbitros de São Paulo informou que eles estavam sendo ameaçados, além das fake News que apareceram. Outra situação aconteceu na segunda divisão do Campeonato Paranaense, o trio de arbitragem foi ameaçado por um jogador que afirmava ser do Primeiro Comando da Capital (PCC) e que iria matar o assistente. É comum vemos situação de violência contra vocês dentro dos campos ou fora, principalmente nas competições amadoras. Já teve medo de ir para campo? Já foi agredida?

W.S.L –Sim, mas sempre volto. Um jogador veio para cima, no ano passado, e me deu um empurrão, em seguida eu expulsei, teve relato, toda aquela questão burocrática, mas como era amador, acabou tendo uma redução na pena. E ai, eu tive medo.

N – Por que teve medo?

W.S.L – Por que eu sou uma pessoa explosiva, num momento eu pensei em revidar, mas eu não posso, pois perco meu direito. Quando fui para os outros jogos, pensei que se acontecesse novamente, eu iria revidar, mesmo sendo mulher. Eu nunca tive medo de homem, para mim o fato de estar lá, mandando, com autoridade, eu não posso ter medo, tem que ser doida.

I.N – Como foi seu primeiro jogo? Qual foi a experiência mais intensa de sua carreira?

W.S.P – Na verdade eu estava escalada para ser quatro árbitro, ser quatro árbitro é mais calmo, é só anotações, pegar os nomes, mas infelizmente faltou um assistente. E eu entrei em campo.  Eu cometi um erro, mas esse erro eu nunca esqueci, marquei um impedimento lateral, e impedimento lateral não existe. Porém meu companheiro que sabia que estava nervosa, que era minha primeira experiência, marcou impedimento também e disse que houve um lance, e seguramos até o fim. Foi um erro que nunca esqueci e nunca mais cometi. Toda vez que tem uma lateral, eu tenho uma atenção maior, que sei que foi meu primeiro erro. A experiência mais intensa foi em 2016, era um jogo entre Sampaio e São Paulo, era a primeira árbitra de Açailândia a trabalhar no Castelão em São Luís. Algo televisionado, houve muitas críticas e a coluna bateu, com os comentários. Osclubesqueriam rever os lances. Depois desse jogo eu não dormi de volta para casa, eu tentava baixar os lances, pois só eu e as filmagens sabíamos o que tinha acontecido, o lance estava lá. Eles diziam que estava errado, mas só tinha como confirmar pelas filmagens, os dois lances havia sido em cima do Sampaio, marquei um impedimento no gol e no outro, foi um gol, na sequência o jogador tinha tirado a bola, mas tirou muito rápido, e marquei como gol. A câmera havia pego os lances, e saber que havia acertado foi marcante, pois foi um jogo que teve muita reclamação. No dia seguinte, estava de serviço e não consegui assistir ao jogo e nem houve publicação de imediato. E quando passou no noticiário e tudo estava certinho, foi gratificante.

I.N – No início da entrevista foi citada a Regildania, que poderia ser futuramente comentarista após a aposentaria. Como árbitra internacional ela ainda pode atuar mais 6 anos. Outra exemplo é a ex-bandeirinha Ana Paula de Oliveira, aposentada em 2010 aos 34 anos, possivelmente poderia está no quadro da FIFA, e hoje é comentarista de uma TV de Belo Horizonte. Então, como você se vê daqui dez anos, como comentarista também? Você estará com 39 anos, já terá idade para realizar o teste FIFA. Ou daqui a cinco anos? Qual conselho você daria?

W.S.L –Pode ser como comentarista também, eu sempre tento viver as coisas, cada situação da minha vida é consequência do que vai acontecendo, mas eu nunca parei para pensar como estaria daqui a dezanos. Também nunca pensei daqui a cinco anos, tento viver o momento, eu estou vivendo o momento, quando eu entrei na arbitragem, nunca tinha pensado que poderia chegar no quadro nacional, nunca precisei falar mal de alguém do grupo para chegar onde estou, nunca precisei me expor, deixe ir naturalmente e estou hoje na Federação, na CBF. Vá em frente, é possível conseguir o que se quer.