Co-fundadora do Centro de Cultura Negra relata sua experiência de militância em Imperatriz

Repórter: Gilmar Carvalho e Asarias Sousa

Fotos: Asarias Sousa, arquivo pessoal e arquivo CCN-NC

 

Dados do IBGE mostram que em 2016 a população brasileira era de 205,5 milhões de habitantes, sendo mais da metade (54,9%) da população composta por pessoas que se autodeclararam pretas ou pardas. Por outro lado, os brancos representam 44,2% desse total. Mesmo após o fim da escravidão jurídica no Brasil, que perdurou por mais de 300 anos, os resquícios desses séculos permanecem no cotidiano dos negros. Uma das principais marcas do período escravocrata que permanece até os dias atuais, é o racismo. Por isso foi criado a Lei 7.716/89, que prevê punições para quem cometer preconceito racial; a Lei já completou 28 anos.

Em Imperatriz, a professora Izaura Silva, militante do movimento negro, co-fundadora e ex-presidenta do Centro de Cultura Negra – Negro Cosme (CCN-NC),e uma das principais lideranças negras no Estado, alega que desde de sua infância sempre foi defensora da causa negra. Seu desejo em fazer a diferença e agir em prol dos negros se tornou mais evidente na universidade, pois sua força e resistência ascendeu diante das adversidades.

Ao se mudar para Imperatriz, começou a dar aulas na Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Campus Imperatriz, atual Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul). Era muito criticada pelos colegas de trabalho, pois não existiam professores negros e ela sempre teve uma postura militante, sendo muitos de seus ex-alunos, hoje no mercado de trabalho, defensores da causa. Atualmente é professora aposentada da UEMA e pedagoga no Instituto Federal do Maranhão (IFMA), Campus Imperatriz.

Como reconhecimento por sua luta e resistência Izaura ganhou, em julho deste ano, a Comenda Frei Manoel Procópio, maior honraria concedida pelo Município de Imperatriz. Ela conta que se sente mais responsável pela cidade, pelo povo, como pessoa, pois o profissional deve se sentir responsável pela melhoria da sociedade.

Enquanto pedagoga, Izaura Silva faz uma avaliação dos movimentos negros no Estado e em Imperatriz. Conta sobre as dificuldades enfrentadas diariamente, sobretudo pelo fato de o racismo ser muito presente no dia a dia. Aproveita ainda para fazer um autoesclarecimento, pois para ela as pessoas negras deixam de assumir sua cor com medo de serem discriminadas.

 

Imperatriz Notícias (IN): Você tem um trabalho social reconhecido em Imperatriz e região. Numa linha entre militante e professora, qual delas tem maior importância para você?

Izaura Silva (IS): Para mim é igual! Inclusive, uma coisa complementa a outra. Por exemplo, meu trabalho aqui em Imperatriz como militante foi evidenciado sendo professora. Porque eu trabalhei 35 anos como professora da UEMA e lá na UEMA era o meu principal foco de militância, porque fazia militância no meu trabalho, na minha forma de ser. Assim é a minha forma de ser e de trabalhar. É minha postura diante das coisas e foi se formando nos meus alunos esse espírito de militância. É tanto que hoje, em qualquer lugar de Imperatriz que você ver um polo de trabalho negro, pode ir atrás que tem um ex-aluno meu.

Quando eu comecei em Imperatriz era criticada. Achavam que eu fazia aquilo para aparecer, me evidenciar. Como não tinha professor negro na universidade, eles achavam que eu fazia aquilo para me mostrar.

IN: Como iniciou seu apreço por defender e difundir o orgulho de ser negra? 

“Eu sempre tive dificuldades por conta de ser negra”

IS: Enquanto militante negra comecei muito cedo, porque meus pais apesar de serem pessoas sem instrução, sempre orientaram as pessoas a terem orgulho de ser negro. A militância política e negra iniciei na universidade: fazia parte de um coral e o grupo era muito consciente da raça negra, muito orgulhosos, e assim minha militância ganhou forma e me desenvolvi.

IN: Quando começou na militância?

IS: Comecei a militância lá na década de 80. O movimento negro de São Luís eu participei da criação. Quando eu vim para Imperatriz com um grupo de amigos, que também tinham vindo de lá, a gente se juntou e começou a se reunir na UEMA, e discutir a questão do negro. Na minha sala de aula eu sempre trabalhei essa questão. Nas datas referentes às questões negras sempre fui para as escolas, se tinha oportunidade de dar uma palestra a gente fazia. Aí foi crescendo, crescendo e foi criado o Centro de Cultura Negra – Negro Cosme.

IN: Quais foram os maiores desafios neste período de militância no movimento negro de Imperatriz?

IS:Eu já passei por vários momentos difíceis. Mas penso por meio do panorama que está se formando: escutei de um dos candidatos à presidência (o mais cotado) dizer que vai instituir uma lei chamada ‘Escola sem partido’. E a escola sem partido significa que vão colocar um regulamento, um adesivo nas escolas dizendo com uns itens proibindo o professor de falar em política. Eu pergunto: como é que vamos poder trabalhar a educação sem política? Então pra mim vai ser uma dificuldade, já pensou?! Em todo tempo vou falar com medo do que dizer? Claro que eu não faço o que eles chamam de doutrinação, não dá pra fazer educação sem ter em vista a herança patrona de vida. Por isso eu acho que o período mais difícil vai ser daqui pra frente, porque nem no governo militar a gente era tão freado. Hoje já tenho medo porque disseram que vai ser preso, processado quem sair do regulamento.

IN: Como descreve sua emoção no momento em que foi escolhida para receber a comenda Frei Manoel Procópio?

IS: Eu achei muito bom receber o título e a comenda porque eu gosto muito de Imperatriz. Cheguei aqui em 1990, vai fazer 29 anos. Então é uma cidade que me identifiquei, que me sinto bem: eu receber o título de cidadã imperatrizense, pra mim, foi uma honra. E a comenda também! Porque a comenda estava recebendo pelos serviços prestados a Imperatriz. Inclusive, no dia eu falei que estava dividindo a comenda com todos os morados que se esforçam pela melhoria dessa cidade.

IN: Durante sua trajetória no trabalho na militância, quais foram as maiores dificuldades?

IS:Eu sempre tive dificuldades por conta de ser negra. E eu já atendi no Centro de Cultura Negra aluno que perdeu o emprego por ser negro; sei de escolas que discriminam o aluno porque ele é negro. Se você for escutar os meninos negros contar suas histórias, são cruéis porque eles passam nas próprias escolas. Eu já passei muitas aqui, mas como eu sempre tive o “coro grosso”, eu sempre enfrentei, mas as discriminações ainda acontecem e as pessoas chegam a dizer que é coisa da sua cabeça.

IN: O negro sofre muito preconceito em Imperatriz?

IS: Sim! Mas não é uma questão somente de Imperatriz, é uma questão de Brasil. Os negros desde as suas origens têm acesso restritos, até mesmo os que conseguem ascender, pois mesmo assim sofrem discriminados e têm dificuldades. Quando eu levanto todas as possibilidades e não encontro explicação esbarro no racismo. O grande problema é o racismo e a desigualdade social.

IN: O que pode ser feito no cotidiano para mudar com pequenas atitudes o racismo entranhado na sociedade?

IS: Quem é negro, o grande marco é ser negro. Porque oportunidade, provocação você tem diariamente. Eu ouço muito ‘nego’ dizer: eu nunca fui discriminado! Isso é balela, o indivíduo faz vista grossa. Então existe aquele que é discriminado e se recolhe, fica só complexado; existe aquele que é discriminado e quer partir para politização que é o meu caso e de muita gente. Transformo a discriminação em momento para refletir a questão da cultura negra, da importância do negro, do ser humano.